Em meados de abril, durante o feriado da Páscoa, um iate de 120 pés, quatro andares, quatro suítes e duas cozinhas atracou na Lagoa Azul, em Angra dos Reis, litoral do Rio de Janeiro. Uma lancha menor foi ao encontro da embarcação, entre famílias em veraneio e turistas com boias em formato de espaguete. Elas emparelharam para que o engenheiro e administrador de empresas João Amoedo e sua mulher pudessem entrar no barco maior. Ali, Amoedo teve um encontro reservado sobre a conjuntura política do país e o NOVO, partido do qual é fundador e presidente. Novo, por sinal, foi o adjetivo usado por Fernando Henrique Cardoso, em uma entrevista à Folha de S.Paulo no começo da semana, para qualificar o dono do iate com quem Amoedo conversou: o apresentador de tevê Luciano Huck, apontado pelo ex-presidente como uma das novidades para a eleição presidencial de 2018.
Era o terceiro encontro entre o apresentador e Amoedo. Os dois se conheceram no primeiro semestre de 2016, quando o engenheiro procurou Huck para falar do partido de viés liberal que fundara, seis anos antes, com um grupo de economistas, empresários e administradores de dez diferentes estados. A partir dali, mantiveram contato por WhatsApp, por meio do qual trocaram impressões sobre a eleição de 2016, até que se esbarraram no começo de abril deste ano, em Cambridge, durante a Brazil Conference, evento organizado pelos alunos do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e de Harvard no qual Huck foi aplaudido de pé. No rápido encontro nos Estados Unidos, marcaram a conversa de Angra, que não durou mais de 40 minutos, o suficiente para se tornar um marco no jogo eleitoral do ano que vem.
O flerte de Huck com o NOVO pode culminar na entrada do apresentador na política. Num momento em que os partidos tradicionais estão na berlinda por envolvimento na Lava Jato, colecionando críticas do eleitor, o NOVO, que estreou na eleição do ano passado emplacando quatro vereadores, é a opção menos radiativa do mercado – principalmente para quem quer aparecer como uma novidade na política numa eleição em que não ser político será um ativo.
O PSDB era o destino mais provável para a estreia de Huck. O seu padrasto, o economista Andrea Calabi, é um tradicional quadro técnico tucano, e Huck tem ótima relação com FHC e com o presidente do partido – o senador Aécio Neves, de Minas Gerais –, de quem é amigo. O mineiro já chegou a dizer que Huck poderia personificar a renovação do PSDB, inclusive numa disputa majoritária em que Aécio, é claro, seria o candidato a presidente.
Mas aí veio a Lava Jato, e o strike foi feito no PSDB. Hoje, Aécio é alvo de inquéritos no Supremo Tribunal Federal, assim como o senador José Serra, de São Paulo. O outro presidenciável do partido, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que assistia à queimação dos rivais tucanos, também foi atingido por delação da Odebrecht. Além disso, se o partido optar por uma novidade eleitoral, tudo indica que ela não será Huck, mas sim o próximo da fila, o prefeito de São Paulo, João Doria Jr. “É muito difícil lançar uma candidatura presidencial do zero com Huck. Doria, pelo menos, já tem a prefeitura para mostrar e é bem avaliado. Huck vai mostrar o quê? Sorteio de casa nova ou arrumação de carro velho?”, afirmou um líder tucano sobre as atrações populares do programa do apresentador, aos sábados, na Rede Globo.
Nesse cenário, o NOVO aparece como a opção mais provável para Huck, caso ele decida se aventurar na disputa pela Presidência – quando questionado, ele desconversa sobre o assunto. “Não foi feito nenhum convite. Nós apenas conversamos, e eu apresentei as ideias do NOVO. A gente quer reunir pessoas em torno de ideias e não de uma única figura de ‘salvador da pátria’”, disse Amoedo. Ele, porém, não descarta que as conversas caminhem para a filiação de Huck. “Se ele vier, é para se engajar no projeto, nas nossas propostas. Sem engajamento, corremos o risco de ter um ‘Tiririca de Luxo’, e não é isso que o NOVO quer”, completou sobre o comediante, ator, palhaço e deputado federal Tiririca (SP), que entrou na política com a missão de puxar voto para a bancada de parlamentares do seu partido, o PR.
Entre as propostas do NOVO, estão a queda dos impostos (possível, segundo eles, com melhor uso dos recursos públicos) e um Estado mais enxuto, ideias que são música para os ouvidos dos críticos da gestão petista. Menos convencionais são a recusa do partido ao uso do dinheiro do Fundo Partidário (o NOVO é financiado pela colaboração de filiados) e a seleção de candidatos ao Congresso por meio de um processo interno. Candidatos a governador e presidente, no entanto, não precisam se submeter à seleção (se o projeto Huck der certo, portanto, ele não corre o risco de tomar bomba na prova do NOVO, assim como Bernardinho, ex-técnico da seleção masculina de Vôlei, que se filiou ao partido e é cotado para disputar o governo do Rio – ou, quem sabe, até a Presidência).
Contra o NOVO pesa o fato de o partido não poder oferecer a seus candidatos tempo de televisão na propaganda eleitoral, um “detalhe” nada desprezível no modelo brasileiro. O partido ainda não tem bancada de deputados federais, critério usado pela Justiça para fazer a divisão dos minutos no horário eleitoral no rádio e na tevê. O NOVO entraria no rateio geral que o Tribunal Superior Eleitoral confere a todos os partidos com candidatos, o que daria a Huck minguados segundos de exposição. Entusiastas de Huck-candidato minimizam o fato. Lembram que o empresário e “não político” Alexandre Kalil, eleito prefeito de Belo Horizonte pelo nanico PHS no ano passado, tinha 23 segundos no horário eleitoral.
É verdade que Huck também tem mecanismos próprios de acesso ao eleitor: são 16 milhões de seguidores no Facebook, 12,7 milhões no Twitter e 11,7 milhões no Instagram. O NOVO também tem entrada considerável nas redes, com seu 1,33 milhão de seguidores no Facebook, mais que o PT (1,2 milhão) e o PSDB (1,31 milhão). As mídias sociais ainda não substituem a propaganda no rádio e na tevê, principalmente nas inserções (ou comerciais) durante a programação normal das emissoras. Mas já rivalizam com ela, catalisadas por um cenário de desconfiança com a classe política e com os seus marqueteiros.
“Quem entrou na faculdade em 1990 está chegando agora aos espaços de poder. Faço parte desta geração”, disse Huck, em março, à Folha de S.Paulo. Se depender dos iates, a parceria deslancha.