Na madrugada desta segunda-feira, dia 30, uma quadrilha assaltou vários bancos em Araçatuba, município do interior de São Paulo. A ação, semelhante à que aconteceu há poucos meses em Criciúma (SC), durou cerca de três horas e deixou ao menos três mortos, além de vários feridos. Os quartéis de polícia foram cercados, civis foram usados como escudo humano pelos criminosos e bombas foram espalhadas pelo Centro da cidade. Quando começaram os tiroteios e as explosões, por volta da meia-noite, o taxista E. P. C.* estava trabalhando no aeroporto de Araçatuba, a cerca de 8 km do centro. Ele e outras pessoas se refugiaram dentro do aeroporto durante horas, vigiados por integrantes da quadrilha. Gandra conta como tudo aconteceu e o que presenciou quando dirigiu pela cidade, ainda de madrugada, após a debandada dos criminosos.
Em depoimento a Luigi Mazza
Sou taxista há 23 anos. Eu e cinco colegas estávamos no ponto de táxi, batendo papo na entrada do aeroporto de Araçatuba, por volta da meia-noite, esperando chegar um avião que ia aterrissar exatamente naquela hora, vindo de Campinas. Nós íamos transportar os passageiros, como sempre fazemos. Foi quando comecei a ouvir uns estalos. A gente logo percebeu que aqueles barulhos eram tiros. Não podiam ser fogos, porque eram muitos estalos, e sempre em sequência. Em seguida, ouvi um estrondo muito grande. Pensei que fosse uma batida de carro ali perto. Mas um colega me disse: “Não, isso foi bomba.”
Até esse momento, a gente estava tranquilo. Só ficamos apavorados quando os seguranças do aeroporto vieram até nós. Eles estavam tensos. Tinham acabado de falar com a polícia e nos explicaram o que estava acontecendo no Centro da cidade. Disseram que os criminosos estavam indo para o aeroporto. “Se escondam onde puderem.” Os assaltantes iam até lá para impedir a Polícia Militar de decolar com o Águia, um helicóptero que fica estacionado ali. Os seguranças então fecharam todas as portas e nós entramos. Fomos levados para uma salinha bem pequena, com uns telefones e computadores, na parte administrativa do aeroporto. Éramos catorze pessoas ali. O restante dos funcionários e dos passageiros se escondeu em outras áreas. A administração mandou que apagassem todas as luzes.
Eu fiquei deitado o tempo todo, para me proteger. Estávamos morrendo de medo. Liguei para minha mulher e para os meus quatro filhos, para que soubessem o que estava acontecendo. Disse que estava tudo bem, e fui dando atualizações no grupo da família no WhatsApp. Três dos meus filhos moram em outras cidades. Vivo só com minha esposa e minha filha caçula, de 7 anos. A gente mora no Centro, pertinho de onde tudo aconteceu. Falei para a minha mulher fechar todas as portas e se proteger. Por sorte ficou tudo bem.
Ali na salinha nós ouvíamos a rádio interna do aeroporto, usada pelos seguranças. Ficamos sabendo que os criminosos chegaram em duas caminhonetes grandes, com armamento muito pesado, e até puseram um drone para voar em cima do aeroporto e vigiar o que acontecia. Os policiais ficaram cercando o helicóptero. Estavam acuados. Disseram, pelo rádio, que não tinham condições de atacar os criminosos. O armamento deles era muito superior. A gente estava com medo de que atacassem os policiais, mas felizmente não atacaram.
Às três da manhã, em ponto, os tiros pararam. Aí pudemos sair da sala, beber água, ir ao banheiro. Vendo as notícias pelo celular, ficamos sabendo que os criminosos já tinham deixado a cidade. Alguns dos meus colegas decidiram então sair do aeroporto e voltar a trabalhar. Eu, só por garantia, fiquei mais tempo ali. Fui embora às cinco da manhã.
Quando saí, as ruas estavam desertas. Uma coisa assustadora. Policiais para todo lado, o comércio fechado, as escolas também… Como todos os voos tinham sido cancelados, fui para a rodoviária. Tem muita gente querendo ir para casa, então está tendo muita corrida hoje. Meus filhos pediram para eu não ficar na rua, mas a gente precisa trabalhar, né?
À medida que fui dirigindo, reparei que a cidade estava cheia de umas coisinhas que pareciam enfeites. Passei ao lado de várias delas, e não sabia o que eram. Pensei que fosse um alto falante, ou um microfone colocado num tripé. Achei bonitinho. Quando passei perto de um batalhão da PM, vi que eles tinham isolado uma calçada que tinha várias peças desse tipo. Estava achando aquilo engraçado, então parei o carro ao lado de uma delas. Abaixei o vidro para ver melhor. Até aquele momento eu não sabia que eram bombas. Eu fiquei a 30 cm de uma delas. Não explodi porque Deus não quis. Quando voltei para a rodoviária, meus colegas me explicaram o que era. Eles tinham lido as notícias, e foi só então que fiquei sabendo. Eles contaram que um menino de bicicleta tinha passado por uma dessas bombas e sido atingido pela explosão. Ele perdeu os pés e os dedos das mãos. É uma tristeza…
Ao deixar uma passageira em casa, me deparei com um carro que parecia uma peneira. Descobri que era de uma mulher que estava dirigindo na rua, como qualquer cidadão, quando tudo aconteceu. Alvejaram o carro dela, um Jeep Compass branco. Tiro de fuzil e de outras armas que nem conheço. Algumas balas deixaram um rombo maior do que uma bola de gude. Os vidros estouraram, as portas foram furadas, tinha marca de tiro em todos os lados. Ela estava dentro do carro, pelo que me contaram, mas graças a Deus não sofreu nenhum arranhão.
O que impressiona é a ousadia deles. Fecharam os dois quartéis da PM aqui na cidade. E como num país como o nosso eles conseguem um armamento tão pesado assim? Isso não aparece por magia. Acho que é muito descuido por parte das polícias. Essas armas são de guerra. A gente até vê esse tipo de coisa acontecer no Rio de Janeiro, mas numa cidade pacata igual a Araçatuba? Fico pensando: diante disso tudo, como é que o presidente fala em armar a população? De que adianta, se os criminosos têm armamento desse nível? A pessoa que tiver arma de pequeno porte vai acabar morrendo. Arma não é brinquedo.
A escola da minha filha está fechada hoje. Eu tinha uma consulta no dentista, mas foi cancelada. As pessoas estão com muito medo de sair de casa. É um clima assustador. Como a polícia ainda está atrás dos meliantes, a qualquer momento pode haver um novo confronto. É o gato atrás do rato. Estamos vivendo em insegurança total.
* Por motivos de segurança, o taxista preferiu não ter o nome divulgado.