O texto a seguir é um capítulo do livro projeto Querino – um olhar afrocentrado sobre a história do Brasil, que será publicado neste mês de outubro pela Fósforo Editora. Escrito a partir do podcast do mesmo nome – vencedor do Prêmio Vladimir Herzog de Produção Jornalística em Áudio, em 2023 –, o livro será lançado na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Faz parte da terceira fase do projeto Querino, que inclui, além do podcast produzido pela Rádio Novelo, um conjunto de matérias publicadas pela piauí. Na Flip, o autor, Tiago Rogero, vai participar no dia 10, quinta-feira, às 11 horas, de um debate sobre o projeto e o livro na Casa de Histórias – parceria da piauí com a Netflix, a Janela Livraria e seu selo editorial Mapa Lab. A conversa com Rogero será conduzida por Daniel Bergamasco, editor executivo do site da piauí, e Tiago Coelho, repórter da revista.
Em 1986, a novela Sinhá Moça fez sucesso na TV Globo. A trama se passava em uma cidade fictícia do interior de São Paulo, nos anos que antecederam a Abolição. E o protagonismo, claro, como em toda boa novela brasileira, era branco. Um dos personagens era o Irmão do Quilombo, um sujeito mascarado que entrava na senzala da fazenda e libertava os escravizados. Daí, em certo ponto, finalmente revelam a identidade dele e era um homem… branco. Nem o protagonista do quilombo – do quilombo! – poderia ser negro.
Mas eu quero mesmo é escrever sobre a cena final: ao som de uma música folclórica cantada em italiano, um grupo enorme de pessoas anda em direção à fazenda. Os homens estão de terno e chapéu, alguns de boina; as mulheres, de camisa de linho, saia comprida e lenço no cabelo. Todo mundo é branco.
Baronesa de Araruna (Elaine Cristina): Meu Deus! Os italianos!
A única personagem negra na cena é a Bá, interpretada pela grande Chica Xavier (1932-2020). A Lei Áurea já tinha sido assinada, mas Bá continuava trabalhando na fazenda: antes, ela tinha sido uma escravizada doméstica – à época se dizia também “mucama” – e ama de leite da protagonista, a Sinhá Moça. Na cena, ela segura um bebê branco dos patrões, na sacada, enquanto olha para os italianos que estão chegando.
Bá (Chica Xavier): O que que eles estão falando, sinhá?
Baronesa de Araruna: Eu não sei, Bá.
Bá: Que diacho de língua é essa?
Baronesa de Araruna: É italiano, Bá [ri]. Italiano.
Bá: Hum… Eu não gostei deles.
Bá sai andando pela sacada, olhando feio para os italianos; dá um último “hum” e, com um muxoxo, entra na casa. E a Sinhá Moça pede que alguém traduza a fala dela para os recém-chegados:
Sinhá Moça (Lucélia Santos): Diga a eles que são todos bem-vindos à fazenda Araruna; que eles ficarão alojados da melhor maneira possível por enquanto, mas nós cuidaremos para que todos possam construir as suas casas. Diga a eles que eles são livres pra andarem pela fazenda; as crianças, para brincar… mas tomem cuidado com o rio. Diga também que depois que eles descansarem eu chamarei um a um para conhecê-los melhor. Daremos um jeito de nos entender.
Daí a Sinhá Moça fala mais um pouquinho, entra uma música “triste” de fundo – um dedilhar do violão acompanhado de um lamento musicado de “ó-ó-ó-ó-ó…” – e a câmera começa a mostrar um monte de pés, caminhando. Pés descalços. A câmera depois se move para uma contraluz e dá para ver somente as silhuetas das pessoas, mas é possível perceber que os homens não têm chapéu, terno ou camisa. A câmera finalmente mostra os rostos: agora, são todos negros. Os ex-escravizados da fazenda. Os italianos chegaram; os negros estão indo embora.
O que mais me incomoda na cena é a ideia, cristalizada até hoje na mente de algumas pessoas, de uma transição quase que “automática” entre o trabalho escravo e o trabalho livre. Como se tivesse sido de uma hora para outra; como se já não tivesse começado muito antes – porque muitas pessoas negras já tinham conquistado a própria liberdade e trabalhavam livres há muito tempo.
Como se o europeu tivesse sido trazido para finalmente superar uma suposta inaptidão do trabalhador africano e afrodescendente. Como se o negro fosse um incapaz, um preguiçoso; como se agora o país enfim pudesse avançar – não porque acabaram com a obscenidade que foi a escravidão, mas porque o trabalho seria finalmente executado por mãos mais capazes: o grande trabalhador europeu.
Você sabe por que houve um incentivo à migração europeia? Já que não dava mais para explorar os negros escravizados, a elite branca e as autoridades queriam dizimar essa parcela da população. Branquear. E, olha, nada contra os italianos que vieram, muitos de origem humilde. E nem foram só italianos que vieram nessa época: espanhóis e portugueses também. Muitos deles também foram explorados pela boa gente rica, trabalhando muito e ganhando quase nada.
Mas sabemos também que, em um país construído graças a mais de trezentos anos de escravidão, o simples fato de um trabalhador ser branco, europeu, de ter os olhos claros e o cabelo liso, já representava um privilégio e um baita diferencial na hora de disputar uma vaga de emprego com uma pessoa negra.
Depois da Abolição, patrões e patroas por muito tempo não tiveram a menor vergonha de incluir, em anúncios de vagas – mesmo as de pior remuneração –, a exigência da cor. “Precisa-se com urgência de uma cozinheira para família pequena. Paga-se bem. Prefere-se branca.” “Precisa-se com urgência de uma criada para serviços de uma família pequena. Prefere-se branca”, diziam anúncios publicados no jornal O Estado de S. Paulo, em 1912.
Na Folha de S.Paulo, um anúncio parecido procurava uma “doméstica” que deveria fazer “toda a rotina” da casa, inclusive “cuidar de crianças”, e que, preferencialmente, deveria ser “branca, sem filhos, solteira, maior de 21 anos”. Só que isso não foi no pós-Abolição – o que já seria um absurdo – e, sim, em 1997.
São exigências que vêm desde os tempos da escravidão, conta a socióloga e escritora Taís de Sant’Anna Machado, no livro Um pé na cozinha: um olhar sócio-histórico para o trabalho de cozinheiras negras no Brasil (Fósforo Editora):
Havia algumas especificações mais comuns, como a exigência de que a cozinheira residisse na casa onde trabalharia e a preferência por mulheres de meia-idade, que não tivessem marido ou filhos. Era evidente a expectativa de que elas estivessem à disposição para o trabalho a qualquer hora e de que sua existência girasse apenas em torno de sua execução, o que fazia com que relações familiares ou de afeto das cozinheiras fossem vistas como um incômodo desnecessário ao trabalho.
No caso de 1997, uma trabalhadora decidiu ligar para o número do anúncio. Depois de saber que, por ser negra, não cumpria com os requisitos do cargo, Simone André Diniz registrou queixa por racismo na Polícia Civil de São Paulo. Em depoimento, a patroa branca, Aparecida Gisele Mota da Silva, “declarou que a preferência era em razão do fato de haver tido uma empregada doméstica negra que havia maltratado seus filhos”. A polícia concluiu o inquérito e o encaminhou ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que levou somente catorze dias para analisar tudo e se manifestar. Alegando falta de provas, o MP-SP pediu o arquivamento do caso: “Não se logrou apurar nos autos que Aparecida Gisele tenha praticado qualquer ato que pudesse constituir crime de racismo, previsto na Lei no 7 716/89.”
Embora tenha sido mal utilizada no caso, essa lei é muito importante. Na Constituição de 1988, foi estabelecido que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. No começo do ano seguinte, foi sancionada a lei nº 7.716/89, que tipificou os “crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”, como “proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário” ou “recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador”, entre muitos outros. A legislação ficou conhecida como a “Lei Caó”, numa menção ao seu autor: o deputado e jornalista Carlos Alberto Oliveira dos Santos (1941-2018), o Caó, um homem negro. Até a Constituição e a Lei Caó, racismo era apenas uma contravenção penal no Brasil. Desde então, é crime.
Em 1997, nada disso importou. O juiz acatou o pedido do promotor e arquivou o caso.
Um grupo de juristas e de movimentos negros denunciou o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. Em 2006, a Corte responsabilizou o Estado brasileiro por violações aos direitos humanos de Simone André Diniz. Na decisão, doze recomendações foram feitas ao país: entre elas, a de promover a “educação” de funcionários do Judiciário e das polícias para “evitar ações que impliquem discriminação nas investigações ou no processo” em casos de denúncias de racismo.
Sorte a nossa que o Brasil de hoje é outro.
Em 1º de novembro de 2019, a cuidadora Eliangela Carlos Lopes estava no trabalho, na casa de uma paciente, quando recebeu uma mensagem pelo WhatsApp, em um grupo de divulgação de vagas para cuidadores:
Pessoal!!! A Home Angels Centro Sul me ligou agora requisitando dez folguistas para trabalhar como plantonistas… Eles pagam cem reais por plantão com vt [vale-transporte] incluso. Únicas exigências: não podem ser negras, gordas e precisam de pelo menos três meses de experiência.
Eliangela Carlos Lopes: Quando eu recebi a mensagem, eram 11h05 da manhã. Eu tremi de cima a baixo. Eu olhava para o celular, olhava, olhava e pensava: “Meu Deus, quem é que vai me ajudar? Será que eu estou lendo isso mesmo?”
A mensagem tinha sido enviada pela administradora do grupo, a psicóloga Fernanda Marinho Correa. Cinco minutos depois, Lopes respondeu: “Mas que tamanho preconceito. Não pode ser negra nem gorda. Tô chocada.” E Correa retrucou: “Exigência deles e não minha! Não posso fazer nada!” Lopes tirou print da conversa e decidiu registrar um boletim de ocorrência.
Eliangela Lopes: Quando fui à Polícia Militar para registrar a ocorrência, à noite, mais um problema: ninguém sabia fazer o registro. Fiquei duas horas na base da Praça Sete [no Centro de Belo Horizonte], porque ninguém sabia como fazer o meu boletim de ocorrência. Ligaram para vários quartéis, para vários lugares, para saber como deveria ser feito.
Demorou, mas ela conseguiu. Dias depois, o caso virou notícia. Em depoimento à Polícia Civil, Fernanda Correa disse que tinha recebido a mensagem de uma funcionária de uma unidade da Home Angels, empresa brasileira que, em seu site, anuncia-se como “a maior empresa de cuidadores da América Latina”, “com mais de 150 franquias no Brasil”.
Tanto no depoimento quanto à imprensa, a dona da unidade em questão, Taís Oliveira Arantes, disse que as mensagens teriam partido do celular da funcionária responsável pelo setor de RH da empresa. À polícia, a funcionária do RH admitiu ter enviado o texto, mas disse que o “perfil” das contratadas tinha sido determinado pela dona da unidade.
E a polícia fez o que não costuma fazer em denúncias de racismo: investigou. Houve uma operação de busca e apreensão, os celulares foram confiscados e, no aparelho de Taís Arantes, a polícia encontrou mensagens em que ela orientava a funcionária do RH:
A partir de hoje: não contratar mais func de cabelos dread/ black power ou do gênero, funcionárias negras (azuis). Nossos clientes são mega exigentes, e dps que elas entram na empresa não temos mais o que fazer, a não ser ver os nomes delas no quadro como “a disposição”. Pq não tenho $$$ pra demitir essa qt de gente.
Em fevereiro de 2020, a delegada Stefhany Karoline Martins Gonçalves concluiu o inquérito: “Não há dúvidas de que há indícios de autoria e materialidade da prática do crime.” E indiciou duas mulheres com base na Lei Caó: Taís Arantes (a dona da unidade), por “negar ou obstar emprego em empresa privada”; e Fernanda Correa (a administradora do grupo no WhatsApp) por, “em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências”.
Eliangela Lopes : Quando eu vi aquela mensagem, foi como se tivesse um copo d’água na minha frente, eu estivesse morrendo de sede, e alguém me tirasse ele. Eu pensei: “Cara, com 42 anos, preta, semianalfabeta, gastei um dinheirão para fazer curso de cuidadora, e agora, já envelhecendo, eu não posso mais trabalhar porque o requisito será o de não poder ser preta?” E isso me doeu. Fiquei mal, entrei em um processo depressivo. E aí veio a pandemia, que tornou o processo ainda mais melancólico. Passa a pandemia, vem a primeira audiência e, junto, a sensação de que agora vai acontecer. E aí entendemos que “não é crime” o que elas fizeram. Elas não vão ser presas, podem pagar e continuar vivendo uma vidinha bacaninha.
No fim de 2020, o MP de Minas Gerais considerou que os crimes cometidos por Taís Arantes e Fernanda Correa eram passíveis de penas de multa e de serviços prestados à comunidade. O promotor propôs que cada uma pagasse 5 mil reais e prestasse 32 horas de serviços. Com o “rebaixamento” do crime, houve uma indefinição sobre qual deveria ser a vara a julgar o caso. No fim, a ação acabou sendo arquivada.
Na Justiça do Trabalho, um “expediente investigatório” foi aberto. Na primeira audiência, Arantes disse que “quem criou o anúncio de recrutamento informado na denúncia, exigindo o determinado perfil físico, havia sido essa psicóloga [Fernanda Correa], que não possuía qualquer vínculo com a empresa e sem a autorização desta”, e que “não faz qualquer distinção de cor ou de perfil físico ao contratar novos funcionários, avaliando apenas a competência técnica”. O depoimento foi em 23 de junho de 2020, mais de quatro meses depois de a Polícia Civil já ter concluído que Arantes era a autora da orientação.
Em junho de 2021, o procurador do Trabalho fez uma nova audiência em que colheu o depoimento de uma funcionária de Arantes. O procurador perguntou “se havia discriminação racial ou quanto ao porte físico das cuidadoras”. Ela respondeu: “Na casa que eu estou nós somos em quatro. Eu sou morena, mas tem uma senhora negra, tem uma outra que é magrinha, clarinha. Nunca teve problema, não, quanto a isso.” O procurador concluiu que “restou provada a inexistência dos fatos alegados na denúncia” e, no mês seguinte, decidiu arquivar a investigação.
Tiago Rogero: Você sente que justiça foi feita no seu caso?
Eliangela Lopes: Não, não sinto que foi feita justiça, não.
Rogero: E você acha que será feita?
Lopes: Ah, eu tenho minhas dúvidas. O que me dói é saber que elas não serão presas, porque dinheiro para elas é fácil. E qualquer valor não vai pagar o que eu sinto. Até hoje, quando toca nesse assunto, e você viu, me dá um choro… Porque, cara, é pesado saber que eu saio daqui [ela mora na região metropolitana de Belo Horizonte], dessa distância, para trabalhar, para cuidar das pessoas, e aí, em algum momento da vida, tem alguém que não me quer porque eu sou preta. Isso dói, cara. Isso não sai da mente. Não sai da mente.
Eliangela Lopes entrou com outra ação, pedindo indenização por danos morais, contra Taís Arantes, Fernanda Correa e a rede de franquias Home Angels. Pouco depois, fez um acordo com Correa, mas manteve Arantes e a empresa no processo.
Quando a entrevistei, em 22 de dezembro de 2023, a ação ainda corria. Em 29 de fevereiro de 2024, saiu o resultado do pedido de indenização: negado. Na decisão, o juiz escreveu que o fato era “grave, discriminatório, odioso e ilegal”, mas que não houve “dano direto e pessoal” a Lopes porque ela “não chegou a perder o serviço em face da absurda exigência”. O dano, segundo ele, seria “à coletividade”, e não pessoalmente a ela:
Não teve entrevista direta de emprego entre a autora e réus. Não perdeu a vaga após entrevista por ser negra ou gorda. […] No caso, a autora não perdeu o serviço ou deixou de ser contratada pelos abusivos requisitos exigidos para prestar o serviço. […] Assim, faltou o nexo da causalidade.
Ao tomar conhecimento da decisão, Eliangela Lopes enviou uma mensagem pelo WhatsApp para jornalistas (eu entre eles) que acompanhavam o caso: “Saiu minha sentença e, pasmem, não deu em nada. Eu estou desolada, me sentindo açoitada, silenciada. Não tem coisa pior. Estou envergonhada de ter feito tudo o que fiz em busca de justiça, e ela não faz nada.”
Vinte e dois anos separam os casos de Simone André Diniz e de Eliangela Carlos Lopes. Ambos só vieram à tona porque duas mulheres negras, ao se depararem com anúncios racistas, reagiram. A forma como o Judiciário agiu em ambos os casos chama a atenção, claro, mas e as pessoas brancas que viram os mesmos anúncios e cruzaram os braços diante dos crimes?
Eliangela Lopes: Eu fiz isso para me libertar. Quando decidi falar, perdi várias amig… colegas de trabalho. Várias pessoas vieram me julgar: “Você nunca mais vai conseguir trabalho porque vai ficar conhecida como a cuidadora problemática.” Em algumas circunstâncias, sim; em outras, não. Então preferi pagar o preço. E eu pago o preço até hoje, me custou caro fazer essa denúncia. Mas, ao mesmo tempo, me abriu muitas portas. Eu virei tema de samba-enredo [do bloco Real Grandeza, de Belo Horizonte], escrevi o capítulo de um livro e hoje sou exemplo para muitas colegas fazerem denúncias. Se não tivermos conhecimento, seremos só a cuidadora que precisa também fazer o papel de empregada doméstica, de cozinhar para a família toda, de passear com o cachorro, de lavar o banheiro, e sem receber nada a mais por isso. Precisamos de dignidade para trabalhar. Nós cuidamos do bem mais precioso das pessoas: um pai, uma mãe, um tio. Por que não somos reconhecidas por isso? E por que nosso tom de pele muda alguma coisa?
Casos de racismo não têm um “lado bom”. Mas, em meio a todo o sofrimento imposto a Lopes, um aspecto é interessante: foi por já ter uma consciência racial e política que ela não aceitou o racismo e denunciou o crime. E essa informação ela adquiriu quando trabalhava na casa de uma família negra, de uma médica negra de Belo Horizonte.
Eliangela Lopes : Ela ajuda todos os funcionários dela. Instrui, apoia, direciona… Ela se preocupa com o bem-estar e a saúde dos funcionários. É uma mulher fora do comum. Eu cuidava da mãe dela. E o sobrinho dela, neto da paciente, ficava na casa me auxiliando. Ficamos amigos e, nesse tempo em que cuidei da avó dele, ele me nutriu de conhecimento sobre a questão racial. A minha desconstrução vem daí, desse contato: de saber que, ao mesmo tempo em que eu estava sendo profissional, eu também estava sendo orientada.
E isso sempre foi comum no Brasil: pessoas negras, quando têm alguma oportunidade e conseguem alguma ascensão socioeconômica, geralmente não ascendem sozinhas – costumam ajudar também outras pessoas do seu entorno.
Rogero: E você faria tudo de novo?
Lopes: Com certeza, sem sombra de dúvida. Faria com mais conhecimento ainda, e com mais força. Com mais força. Foi tirar um peso de cima de mim, sabe? Eu consegui falar. Não briguei; eu falei, e falei certinho. E eu tenho razão. Então eu faria tudo de novo, sim. Faria aqui, faria em outro lugar, em outro planeta e sempre. Sempre vou continuar fazendo. Enquanto eu tiver voz, vou continuar falando sobre isso.