Um dos talentos mais admirados da caricatura brasileira do século XX é sem dúvida Antônio Nássara, também compositor popular e autor da marchinha “Alá-la-ô”. Com uma economia de meios e um estilo extremamente original (“finos desenhos de linhas grossíssimas”, segundo Loredano), autor de alguns dos trabalhos mais inspirados do desenho de humor entre nós, Nássara marcou a caricatura do século passado.
A obra aqui reproduzida data de 1965. Nássara tinha 55 anos e atendeu ao pedido dos amigos Glorinha e o compositor Haroldo Barbosa ao deixar uma contribuição em seu álbum de autógrafos. Para preencher a página, Nássara elabora uma sucessão de imagens surpreendentes e decompõe os principais elementos com que desenhava seus rostos. Cria em seguida uma alegoria cujo sentido pleno talvez só os mais próximos pudessem compreender, mas que constitui também uma metáfora da pressão material que pesa sobre o músico.
Nássara começa com deliciosos esboços de boca, olho, nariz e rosto, fragmentos com os quais a seguir compõe seu personagem típico, que cata notas como borboletas, enquanto um rival aparente, com cara de porco e cartola, cata cifrões (o embate entre o músico e o capitalista, talvez?). A última parte do desenho, rodeado três vezes pela palavra “liberdade”, mostra a Estátua da Liberdade de Nova Iorque segurando dois sacos de dinheiro diante de uma figura chorosa.
Feito para seus amigos há mais de cinquenta anos, o desenho pode ter perdido os intérpretes que permitiriam decifrá-lo por completo. Mantém no entanto o frescor incomparável do traço de um de nossos artistas mais geniais, que Millôr Fernandes definiu como capaz de “corrigir a natureza fazendo com que as personagens acabem se parecendo com a caricatura”.