Na sexta-feira passada, o locutor Cuiabanno Lima disparou uma mensagem para todos os seus quase 5 mil contatos no WhatsApp: “Atenção, brasileiros, vamos acordar. Estamos jogando no lixo o nosso único produto que é exportado para mais de 150 países.” Foi o primeiro de muitos recados que ele postou durante todo o final de semana. Descrito pelo New York Times como “a voz do rodeio brasileiro”, seu uso das redes sociais poderia ser definido como recreativo – faz-se presente quando quer divulgar sua agenda ou lançamentos do meio sertanejo. Naquele dia, no entanto, intuiu se tratar de uma situação emergencial: Lima insurgiu contra a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, deflagrada naquela manhã, revelando uma rede de corrupção que envolvia empresários do setor e inspetores do governo. “Pisaram no nosso calo”, resumiu por telefone.
Cuiabanno Lima, que anima rodeios do Tocantins ao Paraná e é um dos principais locutores da Festa do Peão de Barretos, gosta de se apresentar como porta-voz do chamado miolo do Brasil – o interior que costuma passar despercebido pela elite do Rio e de São Paulo. Quando foi perfilado pela piauí em 2015, ele defendeu com igual afinco a inseparável trinca rodeio–música sertaneja–agronegócio, e não mediu as palavras ao dizer que, por ele, toda a área da Amazônia poderia ser convertida em pasto e plantação, contrariando entidades ambientais independentes e o próprio governo brasileiro, que vêem com apreensão o crescimento das áreas deflorestadas (aumento de 29% só em 2016, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). No NYT, ele foi enfático: “Já sobrevoei a floresta, e tudo que eu vi por horas eram árvores. Pode acreditar, dá para desmatar bem mais se precisar.” Na reportagem, publicada em janeiro, o jornal americano dizia que o agronegócio tinha se mantido estável durante a crise no Brasil.
A ameaça à estabilidade agro-sertaneja não abalou a fé industrial do locutor, que diz confiar inteiramente na Friboi, marca do grupo JBS e principal alvo dos agentes policiais juntamente com outra gigante do setor, a BRF. Ele conhece a companhia de outros rodeios: a empresa patrocinou a Festa do Peão de Barretos – e Cuiabanno Lima pessoalmente – entre 2001 e 2011. O locutor estima ter ganho entre 100 e 150 mil reais da JBS nesses dez anos de parceria. “Mas isso faz tempo. Depois eles preferiram dar dinheiro para o Tony Ramos.”
Mesmo preterido pelo ator global, Lima acredita nos rigorosos controles de qualidade da empresa. Pequeno criador de gado, ele disse já ter “matado umas 5 mil cabeças” nos frigoríficos da marca, e acompanhado com lupa todo o processo de abate. “Eles te colocam uma touca, botas. Tudo é acompanhado por vários fiscais, você tem que apresentar a data da vacinação, dos medicamentos”, contou. Para ele, além do exagero da operação, a falta de checagem na cobertura da imprensa, afirmou, também contribuiu para o clima de terra arrasada. Pelo telefone, Lima desqualificou dois dos detalhes da operação que mais repercutiram: o suposto uso de papelão no recheio de embutidos (“estavam falando de caixas pro armazenamento, com certeza”), e o abuso do ácido ascórbico para melhorar a aparência da carne, que poderia ser cancerígeno (“então você nem pode mais tomar um Energil C”). O locutor acredita que a divulgação das irregularidades foi feita de forma sensacionalista. “A gente não pode destruir a imagem do maior orgulho nacional por causa de meia dúzia. Está todo mundo revoltado”, disse. “Assim como existe garota de programa e mãe de família, tem as empresas que pisam na bola e as que fazem tudo certinho.” Emendou: “Vamos ser sinceros, é o agronegócio que paga as contas do país.”
No discurso polarizado entre campo versus cidade sustentado pelo locutor, o antagonista do agronegócio é o produto orgânico. “Nunca comi boi orgânico”, disse. Segundo ele, mais um mito propalado pelos naturebas. “As vacas do Marquinhos só comem salada orgânica. É bonito, mas não é pra todo mundo”, argumentou, mencionando o ator e produtor orgânico Marcos Palmeira. Cuiabanno e Palmeira se conheceram há mais de vinte anos nas gravações do filme Buena Sorte, de Tânia Lamarca, e mantêm contato até hoje, apesar de professarem crenças opostas quando o assunto diz respeito à produção agropecuária.
Pelo telefone, Marcos Palmeira me disse apoiar a operação da PF. “Desde que eu me conheço por gente tem essa história de misturar jornal na salsicha. O povo tem o direito de saber o que está comendo”, disse. Ele vê como “absurda” a indignação do locutor. “Eles querem a manutenção de uma lógica de Brasil Colônia. Olha o custo, o passivo ambiental de se produzir tanta carne.” Além de criticar a dependência da economia nacional em torno da exportação da carne, o ator argumenta que a produção orgânica seria perfeitamente capaz de abastecer o mercado interno. “Tem que repensar esse consumo exagerado de carne, produzir menos com mais qualidade, encontrar outras fontes de proteína”, disse.
Cuiabanno Lima diz que não vai deixar de comer carne de jeito nenhum. E elogiou a performance do presidente Michel Temer levando um grupo de embaixadores de países exportadores de carne bovina para uma churrascaria em Brasília. “Ele foi homem pra caramba”, disse, ignorando o fato de o restaurante não trabalhar com carne nacional. “Mas a luta continua.” Minutos depois, recebi a foto de uma suculenta carne de panela que ele acabara de comer.