Em depoimento a Lilian Cunha
O chamado green washing (a “lavagem verde” ou “maquiagem verde”), feito por empresas que desejam divulgar a falsa ideia de que promovem a sustentabilidade, é algo detestável. Mas sonho com o dia em que essas empresas se deem o trabalho de fazer um age washing, ou ações de marketing para pelo menos fingir que estão sendo mais intergeracionais ou queiram parecer preocupadas em formar equipes com pessoas de todas idades.
E não estou sendo cínico. Será um sinal de que o assunto “etarismo” se tornou um pouco mais importante e mostrará que a sociedade começa a se preocupar com a inclusão no mercado de trabalho dos que não são mais jovens. Hoje, 27,7% da população brasileira, segundo o Censo de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), têm mais de 50 anos. Achávamos que esse número só chegaria daqui a uns três anos, mas já estamos lá: no Brasil, a cada 21 segundos, uma pessoa completa cinco décadas de vida.
Os resultados recentes do Censo mostram que nosso país está se tornando cada vez mais velho. Entre 1970 e 2022, a população geral passou de 94,5 milhões para 203,1 milhões de pessoas. Nesse mesmo período, o grupo dos brasileiros com 65 anos ou mais aumentou 7,5 vezes, passando de 2,95 milhões para 22,2 milhões. Já a população acima de 80 anos foi multiplicada por dez: de 451 mil para 4,6 milhões. Na contramão, o total de crianças e pré-adolescentes (0 a 14 anos) caiu de 42% para 19,8%.
O problema é que os adultos mais novos, que são a maior parte da população, não estão vendo isso. Como maior camada etária, são eles que ditam as tendências. Vamos aos números: os jovens de 20 a 39 anos são 30,82% da população, e os adultos de 40 a 49, 14,63%. Juntas, essas duas parcelas somam 45,45% do total de brasileiros. E eles não estão nem aí com os 56,28 milhões de pessoas de 50 anos ou mais, os 27,7% da população total que já passaram de meio século.
Parece forte falar isso? Mas é a realidade. Muitas empresas usam sistemas de seleção de pessoal em que o primeiro corte, na hora de analisar os currículos recebidos, é a idade. Acima de tantos anos, está fora. Até para conseguir empréstimo quem tem mais idade sofre. Supomos que aposentado tem facilidade, devido ao crédito consignado. Mas uma pessoa que conheço, ao completar 80 anos, ainda trabalhando como advogada, estudando, viajando, usando e pagando a fatura do cartão de crédito, precisou pedir financiamento num banco. Na agência, foi super bem-recebida, aprovaram tudo. Na hora do sistema concluir o crédito, o processo travou. Isso porque o sistema bancário não permite empréstimos para maiores de 80. Além disso, quantas pessoas não são dispensadas de seus empregos por “excesso de idade”?
Foi por isso que em 2015 inaugurei a Maturi, uma startup de consultoria, vagas e treinamento voltada para a colocação no mercado de trabalho do público 50+. No começo, era apenas um portal que concentrava vagas de trabalho para profissionais mais velhos. Naquela época, cansei de mandar e-mails para tudo quanto é empresa: pequena, média, grande, nacional, multinacional. Nunca me responderam. Eu ligava e ninguém atendia. Não dá nem para dizer que eu dava com a cara na porta ou que ficava horas esperando para ser atendido. Eu nem chegava a esse ponto, era despachado online mesmo. Ninguém queria falar de gente velha.
Quis trabalhar com essas pessoas por causa da minha avó Keila, uma mulher linda e independente que trabalhava como secretária aos 82 anos. Até que um dia ela caiu na rua e se machucou, e a família achou que era melhor ela deixar o emprego. A partir desse momento, minha avó piorou, até morrer anos depois. Foi assim que percebi a importância do trabalho para quem é mais velho.
Nessa época, eu, que sou engenheiro de software de formação, tinha com meu pai uma empresa de tecnologia da informação que cresceu e foi vendida. Decidi estudar empreendedorismo social. Resolvi juntar as duas coisas de que gostava: empreender e a causa do etarismo.
No começo, a Maturi era só um banco de profissionais 50+ em que as pessoas se cadastravam e eu oferecia para as empresas. Mas ninguém queria saber de profissional mais velho. Uma de nossas clientes, por exemplo, ouviu de uma recrutadora que as empresas não contratam pessoas acima de 60 anos por questões de saúde e de gastos: o convênio sai caro. Ou, acrescentou a recrutadora, “a pessoa pode apresentar doenças a partir desta idade…”.
Isso não é verdade. O seguro médico pode ser mais caro, mas o profissional não é. Ele é muito mais comprometido que o jovem, pratica esportes, cuida da saúde.
Conclusão: no primeiro ano completo, a Maturi faturou 15 mil reais – um engenheiro de software ganha essa quantia por mês. Nos anos seguintes, o faturamento passou para 55 mil e depois, 88 mil reais.
Com o passar dos anos, o assunto etarismo começou a encontrar eco ali e acolá. O que mudou foi a Reforma da Previdência, em 2019. O governo aumentou o tempo de serviço para que homens e mulheres possam se aposentar. Isso acrescentou preocupação em parte da sociedade e em uma parcela das empresas em relação ao etarismo. O assunto “trabalhar por mais tempo” começou a ser discutido. Foi nesse ano que recebemos um investimento-anjo de 300 mil reais. Eu não estava procurando investidores, mas estava precisando muito. Um grupo de pessoas físicas e também um empresário fizeram um aporte na Maturi e nosso faturamento naquele ano pulou para 480 mil reais. Ele vem de consultoria e treinamento para empresas, assim como recrutamento e seleção de candidatos 50+, além de patrocínios de eventos sobre etarismo. Aumentamos a equipe e melhoramos nossa parte de tecnologia.
E aí veio a pandemia de Covid. Nessa época, as empresas começaram a nos procurar, coisa que nunca havia acontecido antes, porque, pela primeira vez, vi o assunto etarismo ser debatido na tevê, na internet. Eu mesmo não perco a oportunidade de dar alguma entrevista ou falar na mídia para jogar luz sobre o tema. Tanto que, em 2023, cometi a loucura de participar de um reality show de empreendedorismo, o Shark Tank Brasil, do canal Sony, em que pequenas empresas vão se oferecer para grandes nomes do mundo corporativo em busca de investimento.
No meu caso, os tubarões para quem eu ofereci 10% da Maturi por 500 mil reais eram o empresário Sergio Zimerman, fundador e presidente da rede de pet shops Petz, Carol Paiffer, diretora de Investimentos da Atom Participações, João Appolinário, da Polishop, José Carlos Semenzato, da SMZTO Holding de Franquias, e Monique Evelle, fundadora da plataforma de formação de empreendedores Inventivos. Ao final, me fizeram uma proposta que considerei um pouco ultrajante: os mesmos 500 mil reais que eu queria, mas por metade da empresa. Não aceitei. Mas alcancei meu objetivo colocando em pauta o tema etarismo – no YouTube, o vídeo do programa com a minha participação tem 36 mil visualizações.
Por que eu insisto em falar de gente mais velha? Porque, como já disse, quase um terço da população do Brasil tem mais de 50 anos. E esse número vai crescer ainda mais. Essas pessoas precisam estar no mercado de trabalho, estar representadas nas empresas. As companhias precisam pensar nelas quando lançam seus produtos. O governo precisa lembrar delas quando faz políticas públicas, e os parlamentares, ao criarem as leis.
A gente sabe que hoje mais do que nunca existe uma glamourização da imagem da juventude, dos filtros que alisam a pele, de tudo que é novo e tecnológico. O que está na moda é o novo, não o velho.
Por outro lado, uma artista como Madonna, de 65 anos, continua lotando estádios no mundo todo com sua nova turnê. Milton Nascimento e Paul McCartney, de 81 anos, também lotaram estádios no Brasil no ano passado. Isso sem falar nos Rolling Stones, que estão novamente em turnê pelo mundo e cujo integrante mais novo ali tem 76 anos.
Ser mais velho hoje é diferente. As pessoas com mais idade estão percebendo que precisam se mexer, trabalhar, continuarem ativas, atualizadas. Ao mesmo tempo existe a negação da idade com as cirurgias plásticas, os procedimentos estéticos, as “Vovós Maromba” que compartilham seus treinos nas redes. As pessoas querem se cuidar, envelhecer bem, mas há a extrapolação disso, que é a negação de que inevitavelmente seremos mais velhos. A única alternativa é a morte. O preconceito etário, costumo dizer, é democrático, porque quem estiver vivo irá envelhecer com certeza, mesmo que disfarce isso.
Por isso, precisamos combater o etarismo agora. As empresas precisam agir para não ficarem ultrapassadas e desconectadas da realidade. E isso está acontecendo muito, muito devagar.
Recentemente, fizemos em conjunto com a EY (Ernest Young) uma pesquisa com 191 empresas no Brasil de 13 setores, sendo 43% de grande porte. Três em cada cinco responderam que o envelhecimento da população terá impactos em sua empresa, 41% já sentem esses impactos, e 88% concordam total ou parcialmente com a afirmação de que as empresas que se prepararem para o envelhecimento estarão em vantagem.
O estudo também mostrou que 57% das organizações pretendem até 2025 executar ações como investimento no recrutamento de profissionais maduros e na preparação da cultura organizacional. Mas isso é o que elas respondem ali, bonitinho, na hora da pesquisa. Dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) de fevereiro de 2022, por exemplo, mostram que mais de 700 mil profissionais acima de 50 anos haviam perdido seus empregos durante a pandemia e essa é a única faixa etária que continua perdendo espaço, mesmo com a reabertura dos negócios que veio depois.
Nas empresas, esses dados se refletem na baixa presença de profissionais acima de 50 anos. Pouco mais de um terço dos entrevistados disseram que têm entre 6% e 10% de seus profissionais com 50 anos ou mais e 29% afirmaram ter menos de 5% de sua força de trabalho nessa faixa etária.
Do total de 191 empresas ouvidas, 42% afirmam ter contratado menos de dez pessoas nessa faixa etária nos últimos cinco anos, e 28% não têm essa informação disponível, mostrando que a questão não está nem em seu mapa estratégico.
E isso acontece a despeito de muitos presidentes de grandes empresas no Brasil estarem acima dos 50 anos – em 2020, um levantamento do Valor Econômico mostrou que a idade média dos presidentes e diretores-gerais das setenta empresas que compõem o Ibovespa é de 53,6 anos.
Se o principal executivo das maiores empresas já passou dos 50, por que elas não enxergam o etarismo? Por que o tema ainda não é prioridade? As empresas têm metas de diversidade de raça, de gênero e de inclusão de pessoas LGBTQIA+ e com deficiência, o que é ótimo. O problema é que elas continuam se esquecendo dos 50+, dos 60+, dos 70+, e isso é uma chance que se perde.
Inúmeros estudos mostram que um ambiente diverso em relação à idade é mais criativo. Na pesquisa que fizemos com a EY, surgiu um bom exemplo. Cibele Pasini, gerente de negócios digitais da Credicard, conta que a empresa contratou pessoas com mais de 50 anos e passou a montar times mistos em idade. “O programa começou a fazer muita diferença. Geramos um time muito mais criativo, pois os 50+ colocaram contrapontos que os mais jovens não enxergavam”, disse. Ela também afirmou que os profissionais mais maduros estão em um momento da vida em que têm muita segurança para colocar suas ideias.
Assim, em 2023, a Maturi resolveu criar um selo, um certificado internacional para as empresas que contratam, mantêm e valorizam os profissionais mais experientes, com mais idade. Esse selo é certificado pelo Age-Friendly Institute, sediado em Boston, entidade da qual nos tornamos a primeira representante oficial da certificação “Age Friendly Employer” (empregador amigo da idade, em tradução literal do inglês). Esse selo, nos Estados Unidos, já existe há dezessete anos e qualifica centenas de empresas. Dentre elas, a AT&T, a Macy’s, o Publicis Groupe, a rede Walgreen, o Wells Fargo e a Xerox.
Aqui no Brasil, hoje, temos dez empresas certificadas: os laboratórios Sanofi, Eurofarma e Takeda, os supermercados São Vicente (do interior de São Paulo), a Brasilprev e o Grupo Pereira (de viagens corporativas). Há outras três companhias em processo de certificação. Para conseguir o selo, é preciso contratar pessoas mais velhas, integrá-las bem à empresa e a outras equipes, praticar a retenção de profissionais com mais idade e proporcionar qualificação e benefícios.
Dá para ver que estamos muito atrasados no assunto. Nós, a sociedade, os governos precisam olhar para o etarismo rapidamente. Não dá mais para ter o buraco na calçada que derrubou minha avó. Não dá mais para falar que uma pessoa que passou de uma certa idade está desatualizada e que não serve mais.
O relógio está contando para todo mundo. Precisamos agir agora, ou quem vai tropeçar no buraco da calçada seremos nós.