“Essa pandemia lascou tudo!” É assim que o alagoano Gabriel Prudêncio da Silva, de 21 anos, resume sua vida nos últimos meses. Ele vendia açaí num ponto em frente ao conjunto habitacional Parque dos Caetés, na periferia de Maceió, onde mora. Sustentava os dois filhos e uma enteada. Até a chegada da Covid-19.
“Antes a gente conseguia pelo menos ter o leite das crianças. Agora ficou difícil”, lamenta. Silva integra as estatísticas mais tristes sobre as condições de vida da população brasileira no momento. Faz parte do 1/4 da população que não tem o que comer todo dia e está entre os 25,52% de jovens de 15 a 29 anos que não trabalham nem estudam, pelos dados do último trimestre de 2020.
“É muito triste a criança chorar e pedir um gogó (mamadeira), e não ter o que dar.”
Atualmente o rapaz mantém a família com as doações da Cufa (Central Única das Favelas) e “dando uns pulos”: conserta celular, que aprendeu quando tinha 12 anos e trabalhou como auxiliar numa loja de telefones, pinta cartazes e outras artes para o comércio.
Começou a trabalhar aos 7 anos, ajudando a mãe que vendia feijão verde no farol de trânsito. “Eu lavava as garrafas e ajudava outro vendedor da rua. Ganhava 20 reais por semana”, conta.
Já catou papelão e latinha, foi ajudante de caminhoneiro, tentou ser DJ, e agora quer ser influencer no Instagram. Biiel_oficiaal_ já tem mais de 2 mil seguidores. Entre o choro de um e outro filho, conta que consegue postar “umas palhaçadas”.
“Se Deus quiser, alguém vai olhar o sufoco que eu tô passando.”
Silva parou de estudar porque precisou trabalhar. A mãe engravidou, e o pai da criança desapareceu. Ela ficou desesperada e queria dar a criança para outra família criar. “Eu disse para ela que ela não ia dar a criança. Eu era o homem da casa, né? Quer dizer, moleque. Mas prometi que não ia deixar faltar nada em casa.”
Passou a catar recicláveis nas ruas de Maceió, e o irmão José Henrique cresceu. Hoje tem 14 anos. A mãe, Josefa, está desempregada e o padrasto, caminhoneiro, também não consegue emprego. Tiveram outro filho, que está com com 4 meses.
Em 2016, Silva foi viver com Izabel Teixeira, mãe de uma menina de 11 anos. Os dois tiveram ainda dois garotos: Brenno Miguel, de 3 anos, e Bernardo Gabriel, de 1 ano. Izabel, de 26 anos, também engrossa a estatística dos jovens sem estudo nem trabalho.
Se pudesse, Silva voltaria a estudar e ter um trabalho organizado, “digno”, na expressão dele. “Não me falta coragem para trabalhar”, diz. Mas Alagoas é um dos quatro estados brasileiros onde há a maior concentração de jovens “nem-nem”, que não têm nem emprego nem escola, segundo pesquisa coordenada por Marcelo Néri, na FGV-Social.
No quarto trimestre de 2020, assustadores 67% dos jovens entre 15 e 29 anos, sem instrução, estavam sem trabalho. A pandemia (entre 2019 e 2020) aumentou em 11% o percentual dos alagoanos nessa condição.
Silva sente na pele: “O desemprego é muito grande em Alagoas, posso ir para qualquer lugar do Brasil para trabalhar”, comenta o jovem, que conheceu outros estados como ajudante no caminhão do padrasto.
A Covid-19 contaminou sua mulher, Izabel, e a sogra, que não foram hospitalizadas. A família vem se cuidando com máscara, álcool gel e cloroquina. “Foi um doutor que se dispôs a nos fornecer e até agora estão todos bem.”
Segundo o estudo de Néri, a desocupação entre os jovens brasileiros de 15 a 29 anos chegou a 56,3% no último trimestre do ano passado. Bateu no pico de 58,6% no terceiro trimestre de 2019.
Em Alagoas e outros estados do Nordeste, como Bahia e Pernambuco, ela fica entre 64% e 70,7%. Se a pessoa for mulher e sem instrução, como a mãe de Silva, a chance de estar empregada é ainda menor.
A corrosão da renda do jovem entre o final de 2019 e o de 2020 foi de quase 19% (18,94%), enquanto a queda geral foi de 11,2%, segundo a FGV Social a partir dos microdados da PNADC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) Trimestral.
Os jovens sem instrução são os que mais perderam renda. Entre os analfabetos, a taxa é de 36,4%. A realidade dos jovens é agravada porque vivem uma crise sobre outra crise, na expressão de Néri. Entre o quarto trimestre de 2014 e o quarto trimestre de 2019 a inclusão produtiva do jovem tinha caído 8,53%, e a pandemia elevou essa perda acumulada para 25,85%.
Para o jovem Gabriel Silva, a renda é muito instável. Depende muito dos celulares que consegue consertar ou revender. Sobrevive com a ajuda de cestas básicas. Uma para cinco pessoas. “A gente tem que se organizar bem para esticar e durar até o fim do mês. Às vezes falta.”
O último balanço de uma das ações da Cufa, o Mães da Favela, distribuiu mais de meio milhão de cestas (546.376), segundo balanço publicado no site. “Fica difícil, pai desempregado, mãe desempregada, três crianças dentro de casa, sem uma ajuda do governo, fica muito difícil.” Silva diz que não recebe Bolsa Família nem ganhou o auxílio emergencial. “Se pudesse, voltaria a estudar. O que eu vejo eu aprendo.”