Há duas maneiras distintas de pensar essa história do Diego Costa. Uma é sob o ponto de vista esportivo, e a outra sob a ótica pessoal. Esportivamente, fica a impressão de que a Fifa está procurando sarna para se coçar. Como já acontece no futebol de salão – desculpem, mas pra mim esse esporte acabou quando passou a valer gol dentro da área, goleiro virou beque-quíper e o nome foi alterado para futsal –, a partir de agora corremos o risco de ver seleções nacionais sem um único jogador nascido no país. Nada é impossível nesses futebolísticos tempos em que novos-ricos russos adquirem clubes britânicos para transformá-los em lavanderias e xeques árabes invadem Paris.
Pode ser que eu me engane com um ou outro nome, mas deem uma olhada nesse time: Fábio (Cruzeiro); Marcos Rocha (Atlético Mineiro), Dedé (Cruzeiro), Gil (Corinthians) e Alex Telles (Grêmio); Ralph (Corinthians), Arouca (Santos), Diego Tardelli (Atlético Mineiro) e Willian (Chelsea); Wellington Nem (Shakhtar Donetsk) e Leandro Damião (Internacional). Nenhum desses caras já disputou – salvo erro meu, repito – jogos oficiais pela seleção brasileira, e todos poderiam defender qualquer país. Seria uma grande seleção brasileira? Pelos nossos padrões de exigência e cobrança, certamente não. Mas imaginem esse time disputando uma Copa do Mundo pela Arábia Saudita. Iria arrebentar.
No post aqui publicado em 1º de outubro, sob o título , lembrei uma teoria de João Saldanha. Há cerca de cinquenta anos, o guru deste blog defendia a tese de que a tendência era a Copa do Mundo desaparecer ou perder importância, sendo substituída por um grande torneio entre clubes. Dentro de campo, a globalização acabou com o conceito – por si só discutível – de pátria, e sequer compreendemos como os jogadores de certos times conseguem se comunicar. Em 2010, o Internazionale de Milão entrou em campo para decidir a Champions League com a seguinte escalação: no gol, o brasileiro Júlio César; na zaga, os brasileiros Maicon e Lúcio, o argentino Samuel e o romeno Chivu; no meio-campo, os argentinos Zanetti e Cambiaso, o holandês Sneijder e o macedônio Pandev; na frente, o argentino Milito e o camaronês Eto’o. Não havia um italiano no time dirigido pelo português José Mourinho, mas os torcedores do Inter de Milão comemoraram como se todos tivessem sido criados juntos.
Ao aceitar a opção de Diego Costa pela seleção espanhola, a Fifa corre o risco de, em breve, ter que resolver uma encrenca danada. Mas como está cada vez mais claro que só o que interessa à Fifa é dinheiro, dane-se a Fifa. Ela que resolva mais à frente.
O que importa de verdade nessa lenga-lenga é a escolha de Diego Costa. E ela é rigorosamente legítima. Além da indignação de um bando de gente que não suborna um guarda de trânsito sem colocar a mão no peito e puxar os rebuscados versos de Duque Estrada, o que mais me espanta é a cara de pau de Luiz Felipe Scolari ao assumir a posição de inquisidor-mor. O máximo de identificação que Diego Costa tem com o futebol brasileiro devem ser as peladas em campos de terra na cidade sergipana de Lagarto, provavelmente disputadas com bola de meia e descalço. Com Felipão, a coisa é diferente. Dirigiu grandes clubes do nosso futebol, ganhou Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, Libertadores. E o mais importante de tudo: era ele o técnico da seleção brasileira campeã do mundo em 2002. Por mais absurdos que tenha cometido, e não foram poucos, Ricardo Teixeira não seria tolo a ponto de querer que o treinador campeão fosse embora. Entretanto, pensando exclusivamente na sua carreira e querendo sair por cima, Felipão rejeitou os reiterados convites de Teixeira para permanecer e, na Copa seguinte, estava pimpão e fagueiro à frente da seleção de Portugal. Pois agora é esse mesmo Felipão que vem dar lições baratas de patriotismo?
Nossos centroavantes convocados para a Copa das Confederações foram Fred e Leandro Damião. Damião se machucou, e Jô foi chamado. Na primeira convocação depois disso, com Fred lesionado, Felipão recorreu a Pato, que nada fizera para merecer a honra. Não se falava em Diego Costa. Ele, por sua vez, sabe que os atacantes mais badalados do atual futebol espanhol são um brasileiro, um argentino, um português e um galês, o que aumenta suas chances de disputar a Copa e brilhar. Da mesma forma que Felipão agiu, quando não aceitou os apelos de Ricardo Teixeira e trocou de agasalho, Diego Costa decidiu de acordo com o que lhe pareceu melhor para sua carreira.
Li declarações do diretor jurídico da CBF, Carlos Eugenio Lopes, em que ele acusa Diego Costa de ter feito sua opção por dinheiro. Sou ingênuo, reconheço, mas não creio: quando chegam a determinado nível, jogadores de futebol são profissionais tão bem-remunerados que alguns dinheiros a mais ou a menos não fazem tanta diferença. (Vocês não acham uma piada a versão de que Ronaldinho Gaúcho saiu do Flamengo por estar com salários atrasados?) Mas, digamos que tenha rolado grana na decisão de Diego Costa. E daí? Felipão dirigiu a seleção portuguesa em troca de uma dúzia de pastéis de Belém?
Ao tentar impedir o reforço de um dos maiores adversários do Brasil na Copa de 2014, Felipão caiu na armadilha de um antigo dito popular: esperteza, quando é muita, vira bicho e come o dono. Sem nada a ver com isso, Diego Costa tinha todo o direito de fazer sua escolha. Que seja feliz e vice-campeão.