O governo Lula apresentou nesta semana o plano que pretende seguir para voltar a reduzir o desmatamento na Amazônia, que cresceu quase 60% durante a gestão de Jair Bolsonaro. O plano leva em conta a nova dinâmica da exploração predatória da floresta, mas não se compromete com números ou prazos para indicar como o governo pretende cumprir a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030, que o país apresentou no Acordo de Paris.
Um dos autores do plano é o biólogo e ambientalista João Paulo Capobianco, secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente, que já tinha sido o braço direito da ministra Marina Silva em sua primeira passagem pela Esplanada, de 2003 a 2008. Naquela ocasião, Capobianco foi um dos mentores do plano que reduziu o desmatamento na Amazônia em 82% ao longo de oito anos. O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – ou PPCDAm, sigla pela qual os ambientalistas se referem à iniciativa – envolvia ações ostensivas de fiscalização e monitoramento combinadas com a criação de unidades de conservação e alternativas econômicas à exploração predatória da floresta. O plano vigorou até 2019, quando foi revogado por Bolsonaro.
Mas a realidade agora é outra. O mapa do desmatamento mudou, avançando sobre regiões mais densas da floresta, principalmente no sul do Amazonas. E a violência explodiu na região, com o aumento da circulação de armas e a presença crescente do crime organizado, cada vez mais envolvido com o garimpo ilegal e outros crimes ambientais. Capobianco sabe que a receita original não funcionaria mais. “Por isso o plano que lançamos agora é bem diferente do de 2004”, disse o secretário executivo à piauí.
O novo plano reconhece o aumento da violência na Amazônia, embora não deixe claras quais medidas foram pensadas para abordar o problema do crime organizado. Capobianco disse que é necessária uma ação vigorosa de inteligência da Polícia Federal para o combate às facções criminosas. “Esse é um complicador que teremos que enfrentar ao longo da implementação do plano, mas o governo tem condições e capacidade para isso”, afirmou.
Outra novidade na dinâmica do desmatamento é o fato de haver cada vez mais grileiros invadindo terras públicas não destinadas na expectativa de terem a posse daquelas terras regularizada no futuro. Eles agem estimulados por uma série de anistias que foram dadas nos últimos anos ao desmatamento ilegal, especialmente após a aprovação do novo Código Florestal, em 2012.
Para fazer frente a essa realidade, o plano traz uma estratégia para a destinação da totalidade dessas terras, que cobrem uma área de mais de 60 milhões de hectares, maior que o estado de Minas Gerais. “Essa vai deixar de ser uma opção para os desmatadores, que hoje se beneficiam dessas terras públicas não destinadas para fazer a grilagem”, disse o secretário executivo.
Um eixo importante do plano consiste em estimular atividades econômicas sustentáveis que permitam gerar recursos mantendo a floresta em pé – a chamada bioeconomia. Para a ambientalista Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, a estratégia do governo acerta ao colocar a bioeconomia no primeiro plano. “Mas essas alternativas econômicas precisam que o desmatamento seja sufocado para os produtos da bioeconomia poderem competir no mercado, ou então eles serão abatidos pelos produtos da ilegalidade”, afirmou.
A ambientalista considera o plano adequado à nova realidade do desmatamento. “O diagnóstico está muito fiel à situação que temos hoje, não estamos vendo uma cópia do plano de 2004”, afirmou. Mas ela notou que o sucesso do plano depende da ampliação do contingente disponível no Ibama e em outros órgãos, e de uma articulação azeitada com os governos estaduais. “A expectativa é de que o plano também seja um instrumento de convencimento político, para que se garanta orçamento para essas ações e para que medidas críticas como a realização de concursos públicos para esses órgãos sejam tomadas tão logo quanto possível.”
Por fim, Unterstell apontou que falta ao plano a definição de metas para sua execução e de métricas para medir seu sucesso. “É preciso dizer quem vai fazer o que e como, quanto vai custar, de onde vai sair o recurso, quem vai cobrar”, afirmou.
Questionado sobre esse ponto, João Paulo Capobianco disse que o detalhamento operacional deve vir ao final do processo de consulta pública ao qual o plano foi submetido. Haverá metas para a execução de ações e indicadores para verificá-las, mas não serão estipuladas metas numéricas de redução da taxa ano a ano. “Nossa meta é o desmatamento zero até 2030”, afirmou o secretário executivo. “Nosso compromisso é entregar para o próximo governo um índice de desmatamento muito menor [que o atual] e caminhando claramente para o desmatamento zero em 2030.”
O novo plano prevê a ação conjunta de dezessete ministérios, sob a coordenação política da Casa Civil. Com isso, volta a configuração na qual o PPCDAm teve seu maior sucesso – o aumento do desmatamento coincide em grandes linhas com a transferência do comando do plano para o Ministério do Meio Ambiente, em 2013.
Para a advogada e ambientalista Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, o sucesso do plano depende da participação efetiva de todas as pastas envolvidas. “É necessário entender que a dinâmica do desmatamento na região amazônica ganhou complexidade que impõe o envolvimento de todo o governo para seu enfrentamento”, disse Araújo à piauí. “Minha maior dúvida é se os diferentes ministérios vão realmente assumir um compromisso forte com o PPCDAm. Nesse desafio, acredito que o comando terá de estar com o próprio presidente da República.”
A minuta do plano de combate ao desmatamento está disponível para os comentários dos cidadãos até o dia 26 de abril. “É muito importante o envolvimento de especialistas e da sociedade civil nesse esforço de atualização do PPCDAm para a realidade atual”, disse Araújo. “As taxas de desmatamento ainda estão muito elevadas, como resultado do caos deixado pelo governo Bolsonaro. O caminho da reconstrução está longe de ser simples.”
O Ibama voltou a campo desde o começo do ano, antes da consolidação do novo plano. Sua operação mais visível contra o crime ambiental foi na Terra Indígena Yanomami, em Roraima e no Amazonas, para a retirada dos milhares de garimpeiros ilegais que tinham se instalado ali nos últimos anos. A operação ainda está em andamento.
O balanço do primeiro trimestre de atividades do Ibama foi anunciado no começo de abril: o número de multas aplicadas por desmatamento e outros crimes contra a flora na Amazônia aumentou 219% em relação à média do mesmo período entre 2019 a 2022. Já a apreensão de bens e produtos pelos fiscais durante essas operações aumentou 133%, e o número de embargo a propriedades cresceu 93%. As medições do Deter, um sistema de monitoramento em tempo real operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, mostram que a área com alertas de desmatamento no primeiro trimestre diminuiu 11% em relação ao mesmo período do ano passado.
Ainda assim, Capobianco projeta que a taxa anual de desmatamento na Amazônia a ser divulgada no fim do ano “não será do seu agrado, nem do meu e nem da sociedade brasileira”. Um dos motivos do pessimismo é o fato de essa taxa medir a destruição acontecida entre agosto de 2022, ainda durante o governo Bolsonaro, e julho deste ano. Portanto, parte desse desmatamento já está contratada. “O segundo semestre de 2022 teve o maior índice de crescimento do desmatamento nos últimos dez anos no Deter”, disse Capobianco. “Vamos trabalhar para mostrar uma inflexão nessa curva.”