É difícil imaginar hoje as espantosas condições de higiene que se verificavam nas principais capitais do império antes da implantação de uma rede urbana eficiente de esgotos. Não por acaso, um desenho do Rio de Janeiro realizado por volta de 1820 por um viajante inglês (e hoje conservado numa coleção particular), traz como legenda “Rio de Janeiro: o lugar mais fedorento do mundo”.
A cidade vivia ainda em condições praticamente medievais, em que as águas usadas corriam por uma vala no meio da rua ou eram simplesmente jogadas de baldes pela janela ? e ai de quem passasse por baixo naquele momento. Era praxe avisar aos transeuntes, segundos antes, com um grito de “olha a água!”, mas nem sempre esse cuidado era tomado. Somente por volta do meio do século é que foram instauradas multas para quem despejasse as águas pela janela ? com ou sem aviso.
Nesse contexto, por volta de 1860, dois cidadãos cariocas (ou seriam de origem portuguesa?) o Sr. Mesquita e o Sr. Moreira uniram capital, esforços e para criar a “Nova Empresa de Matérias Fecais” com sede na rua da Alfândega 107, na capital do Império.
Estabeleceram um engenhoso sistema de assinaturas pelas quais comprometiam-se a recolher das residências dos assinantes um certo número de barris mensais com as matérias fecais e águas usadas (respondiam na época à poética expressão de “águas servidas”). Os barris recolhidos eram conduzidos a certas praias (naturalmente pouco frequentadas por banhistas) para seu conteúdo ser despejado ao mar.
O documento reproduzido nesta página é um raríssimo recibo semi-impresso, talvez o único a ter sobrevivido dessa firma há muito extinta. É datado de janeiro de 1864 e assinado pelos proprietários Mesquita & Moreira, e trata da “assinatura por um mês para condução de sete barris mensais” do Sr. Antonio Luiz Barbosa, residente à rua Mata Cavalos 232. O recibo especifica que “as assinaturas são pagas adiantadas sendo os senhores assinantes obrigados a dar seus barris nos dias marcados”.
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Na falta de um serviço público eficiente de coleta de detritos ? e sobretudo na ausência de um sistema de esgoto eficiente, ? a iniciativa privada procurava suprir essa deficiência fundamental com criatividade, desenhava carroças especiais para as águas servidas e cubos de madeira para melhor armazenar as matérias fecais.
Prosperou a sociedade Mesquita & Moreira? O estado atual das pesquisas não o permite verificar e é provável que nunca saibamos, pois os documentos como o aqui reproduzido ? de natureza essencialmente efêmera ? foram quase todos destruídos. Isso ocorreu com quase todos os arquivos privados num país em que o clima é extremamente desfavorável para a conservação de documentos e no qual a cultura tradicional infelizmente encoraja a destruição de todos os papéis sem serventia imediata.