O engenheiro florestal Rafael Angelo Juliano, 60 anos, foi nomeado na terça-feira, dia 29, para comandar o Ibama no Pará e deve assumir o cargo nos próximos dias – a despeito de seu trabalho atual: ele é dono de uma consultoria que presta serviço para grandes pecuaristas e sojicultores do Pará que já foram autuados pelo próprio Ibama em quantias milionárias por desmatamento e extração ilegal de madeira. Ou seja: novo chefe do Ibama no Pará, cuja missão é evitar o desmatamento e a extração ilegal de madeira, levará para o cargo um histórico pessoal que depõe contra o objetivo do órgão que vai comandar. “É como colocar a raposa para cuidar do galinheiro”, resume um servidor do Ibama, que, por medo de represália, prefere não ser identificado.
Entre os serviços prestados pela Amazônia Serviços Rurais aos clientes autuados, o engenheiro fez o registro, junto à Secretaria de Meio Ambiente do Pará, dos Cadastros Ambientais Rurais (CARs). É um sistema público de âmbito nacional cujo objetivo é regularizar as áreas de proteção ambiental dentro de cada propriedade rural. O CAR traz o registro do imóvel e a delimitação da reserva de mata nativa a ser preservada. Funciona de modo autodeclaratório: ou seja, o autointitulado dono informa a área a ser registrada e sua localização. Desde que chegou ao Pará, nos anos 1990, o engenheiro Rafael Juliano registrou 88 CARs na Secretaria de Meio Ambiente do Pará. Somados, esses cadastros alcançam uma área total de 497,6 mil hectares, o equivalente a três vezes o município de São Paulo. Com base nos dados registrados no CAR, o Ibama detectou os desmatamentos promovidos pelos clientes do engenheiro.
Os CARs registrados por Juliano geraram multas ambientais que, somadas, chegam a 59 milhões de reais, em valores não corrigidos, nos últimos 26 anos. A maioria foi autuada por destruir mata nativa – um total de 16,1 mil hectares, o equivalente à Barra da Tijuca, bairro da Zona Oeste do Rio. Mas o engenheiro também tem clientes que fraudaram o sistema de guias florestais para acobertar a extração de madeira em áreas proibidas por lei.
O histórico de Juliano não o impediu de ser nomeado pelo Ministério do Meio Ambiente para o cargo de superintendente do Ibama no Pará, o estado líder em devastação florestal na Amazônia. Em 1999, o próprio Juliano chegou a ser indiciado pela Polícia Federal e, em 2002, foi denunciado pelo Ministério Público pelo crime de “receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento”. A pena varia de seis meses a um ano de prisão, além de multa. Apesar de ter sido denunciado pelo Ministério Público, o site do Tribunal de Justiça do Pará não informa se foi condenado ou absolvido. O caso está arquivado.
Um dos maiores clientes da Amazônia Serviços Rurais, cuja sede fica em Marabá, é o criador de gado paranaense Eloi Zatta, autuado oito vezes pelo Ibama por, entre outras irregularidades, desmatar, queimar pastagens sem autorização, impedir a regeneração de florestas, descumprir embargos e fraudar guias de transporte de madeira.
Em 2017, o Ibama ingressou com ação na Justiça Federal cobrando de Zatta 3,5 milhões de reais, valor referente a uma multa aplicada em 2006 pela destruição de 430 hectares de mata na fazenda Fortaleza do Inajá, em Santa Maria das Barreiras, sudeste do Pará. Em sua defesa, Zatta anexou ao processo judicial um plano de recuperação ambiental da área ao longo de 20 anos. O plano de recuperação estava assinado pelo engenheiro Juliano. Com base nesse projeto, a defesa de Zatta solicitou a anulação da multa, o que foi negado pelo juiz Pedro Maradei Neto, da Vara Federal de Redenção, no Pará. O pecuarista teve outra fazenda penhorada na ação para garantir o pagamento da dívida. O processo ainda não foi encerrado.
Na superintendência do Ibama, Rafael Juliano sucede o coronel aposentado Washington Luis Rodrigues, da Polícia Militar de São Paulo, nomeado pelo ex-ministro Ricardo Salles. Além de trabalhar para produtores rurais paraenses, o engenheiro atuou como responsável técnico para duas siderúrgicas de Marabá, entre 2006 e 2016 (uma delas foi multada pelo Ibama em 7,5 mil reais por deixar de apresentar relatórios ambientais no prazo exigido por lei). Nascido em Barra do Piraí, Rio de Janeiro, Juliano graduou-se em engenharia florestal em 1990 pela Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais. Quatro anos depois, especializou-se em engenharia econômica pela Uni Itaúna, também em Minas. Logo em seguida, mudou-se para o Pará.
Procurado pela piauí via Whatsapp, Juliano não respondeu às mensagens. Ao assumir, terá que deixar a sociedade na empresa. Em nota, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) afirmou que o novo superintendente no Pará, Rafael Angelo Juliano, foi indicado com base em critérios técnicos e não responde a nenhum processo na área ambiental, tanto na esfera criminal quanto na cível. Destacou que Juliano é engenheiro florestal pela Universidade de Viçosa e possui ampla experiência na área ambiental, com especializações focadas em agropecuária, gestão em zona rural, perícia judicial, dentre outras.
A assessorias do Ministério do Meio Ambiente não respondeu aos pedidos de manifestação da reportagem.