As cenas de golpistas bolsonaristas reinando na Praça dos Três Poderes, depredando tudo o que tinham pela frente, não custaram quase nada. É fato que boa parte deles passou dois meses penando sob sol e chuva em defesa de um golpe na frente do quartel-general do Exército, em Brasília. Mas sempre foram tratados com aquele carinho desabrido pelos militares e pelas demais forças de segurança. Nunca se viu um aparato de segurança tão gentil, tão respeitoso. Os golpistas eram gente amiga, aliados do peito. Por isso, puderam se organizar com tranquilidade, escolher a data adequada para agir e transformar Brasília num vexame internacional.
É a nossa grande diferença – para pior – em relação à invasão do Capitólio em Washington, em 6 de janeiro de 2021. Lá, as forças de segurança atuaram com eficiência e rapidez, tanto que, pouco depois, retomou-se a sessão parlamentar que reconheceu a vitória de Joe Biden. Os militares norte-americanos cumpriram seu papel constitucional. Em Brasília, montou-se o teatro de que os terroristas estavam apenas fazendo “manifestações democráticas” e “protestos pacíficos”, nas palavras, inclusive, do visionário novo ministro da Defesa, José Múcio. Por isso, subir a rampa do Planalto, depredar o plenário do STF ou brincar de escorregador na mesa no Congresso nunca foi tão fácil para o extremismo de direita. É evidente que se as forças de segurança – dos policiais militares do Distrito Federal aos generais do Exército – estivessem do lado da democracia e da ordem, nada disso teria acontecido. Ou, pelo menos, não teria sido tão fácil.
O difícil – e eis o que deixa Bolsonaro e bolsonaristas genuinamente indignados – é que o autoritarismo fascista, na base da porrada e do quebra-quebra, não é mais suficiente para fazer o golpe triunfar. Antes, era. Agora, empresariado, banqueiros, imprensa, governos estrangeiros – ninguém está na fileira golpista. Os cidadãos brasileiros, que foram em peso às urnas e elegeram Lula mais uma vez, não estão na fileira golpista. As primeiras manifestações vindas do exterior são de apoio à democracia brasileira e de repúdio ao terrorismo fascista. Entre as autoridades locais, ouve-se repúdio – e algum silêncio cúmplice, mas é raro escutar boçalidades como a do deputado Ricardo Barros, que foi líder do governo Bolsonaro na Câmara e achou que o vandalismo estava lindo. À exceção das Jovem Pans da vida, a imprensa, em peso, noticia a baderna golpista como baderna golpista, sem eufemismos.
Nada disso quer dizer que o golpe é impossível. Quer dizer, por enquanto, que o radicalismo bolsonarista pode reunir milhares de golpistas, mas – ainda – não consegue fazer um país. Por tudo isso, nunca foi tão fácil fazer baderna em Brasília em nome de um golpe, mas continua difícil matar a democracia.