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O aceno de Trump, a derrota da blindagem e a tragédia de Gaza

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O aceno de Trump, a derrota da blindagem e a tragédia de Gaza

| 26 set 2025_09h55
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Semanalmente, os apresentadores mencionam as principais leituras que fundamentaram suas análises. Confira:

 

Conteúdos citados neste episódio:

 

“Joesley Batista teve encontro com Trump semanas antes de aceno a Lula”, reportagem de Camila Mattoso e Ricardo Della Coletta, para a Folha.

 

TRANSCRIÇÃO DE ÁUDIO:

 

Sonora: Rádio piauí.

Fernando de Barros e Silva: Olá, sejam muito bem vindos ao Foro de Teresina, o podcast de política da Revista piauí.

Sonora: Atentados à soberania, Sanções arbitrárias, Intervenções unilaterais estão se tornando regra.

Fernando de Barros e Silva: Eu, Fernando de Barros e Silva, da minha casa em São Paulo, tenho a alegria de conversar com os meus amigos Ana Clara Costa e Celso Rocha de Barros, no Estúdio Rastro, no Rio de Janeiro. Olá Ana, bem-vinda!

Ana Clara Costa: Oi, Fernando! Oi, pessoal!

Sonora: Esta presidência, com amparo regimental claríssimo, determina o seu arquivamento sem deliberação de plenário.

Fernando de Barros e Silva: Diga lá, Celso Casca de bala.

Celso Rocha de Barros: Fala aí, Fernando! Estamos aí mais uma sexta feira.

Sonora: Je déclare que la France reconnaît aujourd’hui l’État de Palestine

Fernando de Barros e Silva: Mais uma sexta-feira vamos, sem mais delongas, aos assuntos da semana. “Ele parecia um homem simpático. Na verdade, ele gostou de mim e eu gostei dele. Eu só faço negócios com pessoas de quem eu gosto. Quando não gosto delas, eu não gosto, mas tivemos por pelo menos 39 segundos uma química excelente. Isso é um bom sinal”. Foram essas as palavras de Donald Trump a respeito de Lula em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Palavras que poderiam figurar em qualquer manual do que seja arbítrio, capricho, idiossincrasia de quem está por cima. No atual contexto, no entanto, o capricho do presidente norte americano surpreendeu a todos e a Lula especialmente, que sorriu e depois retribuiu as gentilezas. Para além dos afagos inesperados e do teatro, espera se agora a reunião entre os dois presidentes que pode reconfigurar o mapa dos produtos atingidos pelo tarifaço contra o Brasil. A gente vai discutir o que está na pauta dessa conversa e quais são os bastidores de sua preparação. No seu discurso de abertura na Assembleia Geral, sem citar Trump, Lula disse que o Brasil é um exemplo contra a ambição de pretensos autocratas, criticou as sanções arbitrárias e unilaterais impostas por grandes potências, fez a defesa do multilateralismo e cobrou uma solução justa para Gaza. No segundo bloco, o nosso assunto será a morte, até segunda ordem, da PEC da Blindagem. Sepultada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, por unanimidade, na última quarta-feira, depois da escandalosa votação na Câmara na semana passada. Pesaram bastante para esse desfecho as manifestações de domingo contra a PEC e contra a anistia aos golpistas, manifestações que tomaram as ruas de todo o país. Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Paulinho da Viola, reunidos no Rio, deram aos protestos uma dimensão épica e foi inevitável a comparação com a Passeata dos 100 mil de 1968, quando protestavam contra a ditadura militar. No clima do turbilhão da semana, o presidente da Câmara, Hugo Motta, barrou a nomeação de Eduardo Bolsonaro como líder da minoria. A liderança, ele disse, se exerce no plenário e não em exílio voluntário. O tiro saiu pela culatra e Bananinha, que buscava sua blindagem em regime internacional, agora está exposto ao risco de cassação. O Conselho de Ética abriu o processo para cassar o seu mandato. No terceiro bloco, voltamos ao noticiário internacional para falar de Gaza. A ONU finalmente chamou a coisa pelo nome: genocídio. O relatório independente do Conselho de Direitos Humanos da entidade concluiu que Israel cometeu atos genocidas em Gaza, incluindo assassinatos deliberados, destruição coletiva, fome usada como arma e violência sexual como método de guerra. A expectativa de vida na região caiu pela metade. Mais de 65 mil palestinos já foram mortos desde outubro de 2023, a maioria de mulheres e crianças. A infância em Gaza, disse um médico ouvido pela comissão, foi destruída. A reação internacional contra o genocídio ganhou corpo. França, Portugal, Canadá, Reino Unido e Austrália se somaram aos mais de 140 países que já reconheceram oficialmente o Estado palestino. O presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou que nada justifica a guerra em curso e cobrou dos Estados Unidos uma ação efetiva para encerrar o massacre. Mas Washington segue patrocinando a barbárie de Benjamin Netanyahu. É isso. Vem com a gente.

Fernando de Barros e Silva: Muito bem, Celso. Vamos começar com você. Podemos começar tanto pelo discurso do Lula na Assembleia Geral, que eu acho que foi bastante importante, como pela nova amizade do Lula com Donald Trump. Acho que esses dois assuntos terão destaque nesse nosso primeiro bloco.

Celso Rocha de Barros: Então, Fernando, o discurso do Lula, segundo muita gente com que eu conversei, foi o melhor que ele já fez até hoje na ONU. Lembrando que ele é o brasileiro que mais discursou na ONU como chefe de Estado. Já teve dois mandatos, tá terminando o terceiro. Ninguém foi governante legítimo do Brasil por tanto tempo. O discurso começou com uma reafirmação do multilateralismo que, como a gente já disse aqui, é a tradição diplomática brasileira. O Brasil tem essa tradição de apoiar a organização da política internacional em termos de organizações globais, em termos de soluções negociadas entre todos os países. Essa tradição vem de antes dos governos de esquerda. O governo Collor, por exemplo, que teve, enfim, infinitos problemas, mas teve uma diplomacia bastante voltada para o reforço do multilateralismo. O governo FHC, mesma coisa. A diferença da diplomacia dos governos do PT em geral foi uma ênfase — e aí, eu repito que é uma diferença de ênfase — porque algo disso também havia nos outros governos, no reforço dos vínculos do Sul global para atuar dentro do multilateralismo. Então, a diplomacia de Celso Amorim sempre foi organizar o Sul global para ter poder coletivamente dentro desses fóruns multilaterais. O discurso do Lula foi uma defesa bastante bem feita desse princípio e ele, inclusive, chegou a dar um passo ousado e relacionar a crise do multilateralismo com a crise da democracia. E, de fato, assim, cronologicamente, as coisas são simultâneas mesmo. Se você pegar nos anos 90, quando tinha, a gente tinha altas esperanças com relação ao multilateralismo, tinha aquela coisa toda que com o fim da Guerra Fria, haveria uma nova ordem mundial organizada em torno de regras etc.

Fernando de Barros e Silva: A gente tinha altas esperanças e altas desconfianças também.

Celso Rocha de Barros: Também! Exato.

Fernando de Barros e Silva: Você, inclusive.

Celso Rocha de Barros: Mas também foi uma época que teve uma grande expansão da democracia pelo mundo afora, porque tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética bancavam as ditaduras ali ao longo da Guerra Fria, sem o apoio dessas superpotências. A América Latina democratizou aqui o Leste europeu democratizou lá, enfim, aumentou muito o número de democracia. Agora também deve se dizer que vários autores ligados à ciência política e o estudo das relações internacionais já discutiram isso. Será que o multilateralismo, essas organizações internacionaisz não enfraqueciam a democracia? Que, bem ou mal, você tem que cumprir uma resolução da ONU ou da Organização Mundial do Comércio… Mesmo que você tenha votado um plebiscito para aderir ao Tratado, ele não foi feito só pelos cidadãos do seu país, só para os eleitores de seu país. E esse debate, é um debate muito rico e sofisticado. Agora, chamar a atenção para o fato que essa crise recente do multilateralismo mostrou que, se for para haver alguma espécie de integração global, se os países forem ter influência uns sobre os outros, talvez pelo menos o multilateralismo faça isso de maneira regrada e passível de contestação dentro de um discurso comum. Ao passo que, por exemplo, a crise da ONU, etc, o que a gente tem é o Trump botando Magnitsky em cima dos adversários políticos dele, sem qualquer critério que não a sua conveniência política. Enfim, Mas o Lula fez uma afirmação bastante ousada que impressionou o pessoal que estuda esse tipo de coisa. Bom, o Lula também, como já se esperava, foi bastante duro com relação a guerra de Israel contra Gaza. Deve entrar para a biografia dele o trecho: “ali, sob toneladas de escombros, estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes. Ali também estão sepultados o Direito Internacional Humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente”. Mas ele também foi inteligente e expressou sua admiração aos judeus que, dentro e fora de Israel, se opõem a essa punição coletiva, que é justamente para se blindar. De um lado, da acusação de antissemitismo, para deixar claro que o problema não é com ninguém ser judeu, o problema é com o Netanyahu matar palestino. E também para não alienar o público interno de Israel, que, naturalmente, é quem teria maior poder para parar isso o mais rápido possível. Então, achei também uma jogada inteligente do Lula.

Fernando de Barros e Silva: Feliz.

Celso Rocha de Barros: Agora, como seria de se esperar, a essência do discurso foi a resistência às sanções americanas, a defesa da soberania brasileira, o uso do julgamento do Bolsonaro como advertência aos candidatos autocratas dizendo: “olha só, no Brasil, pela primeira vez um cara tentou um golpe de Estado, foi julgado dentro da lei e condenado dentro da lei. Que isso sirva de advertência aos golpistas aí ao redor do mundo”. Achei isso muito bom. E deixou algumas brechas… Ele não cita o Trump nominalmente, não fala dos Estados Unidos nominalmente, deixando aberto a possibilidade de negociação, mas deixando claro a posição brasileira, o que ele não vai negociar. Então ele também falou de redes sociais, falou de pontos, que é como se ele estivesse dizendo para o Trump: “olha, isso aqui, eu não vou mexer”, mas comércio internacional, essas coisas e tal… Ele não falou sobre isso, deixando claro que tinha essa, essa margem, né? Por contraste, o discurso do Trump foi bem estranho, para dizer o mínimo, né? Pode ser que a culpa seja do teleprompter que o Trump disse que quebrou no meio do começo. Ele até falou o operador disso aqui vai ter sérios problemas. Mas as Nações Unidas dizem que o teleprompter era operado por alguém da própria Casa Branca, que foi algum americano mesmo que fez besteira. Não sabia.

Fernando de Barros e Silva: Pegadinha. O Trump começou pela escada rolante. Quando ele estava subindo lá para a escada rolante parou.

Celso Rocha de Barros: Exato. Ele fez questão de reclamar disso.

Fernando de Barros e Silva: E a Melânia quase caiu.

Celso Rocha de Barros: Foi. E o discurso do Trump teve momentos absolutamente bizarros, como ele dizendo que o prefeito muçulmano de Londres, Sadiq Khan, que é de ascendência paquistanesa, queria implementar a Lei Sharia em Londres. Cara, não sei se alguém aí foi a Londres nos últimos tempos, eu te garanto que não tem nenhuma Lei Sharia sendo implementado em Londres. Dá até vergonha ter que explicar isso, né? Enfim. E o Trump aproveitou também para dizer que já acabou com sete guerras, que também causou uma certa perplexidade porque algumas dessas guerras não acabaram e outras não existiram. Não eram países que estavam em guerra. Então, por exemplo, ele diz que acabou com a guerra entre a Etiópia e o Egito. Mas a Etiópia tem um conflito sério, diplomático, por causa de uma represa que tem impacto ali no rio Nilo, etc. Mas eles não estão em guerra, não tem tropas etíopes e tropas egípcias atirando uma na outra. De modo que, cá entre nós, é meio mole acabar com essa guerra que não estava em curso. Teve outras guerras que ele disse que acabou, mas não acabou não. Então, por exemplo, a guerra que envolve a República Democrática do Congo e Ruanda, houve um acordo entre as partes, que é um negócio importante. Em alguns desses casos, o governo Trump até fez algum acordo, fez alguma, um cessar-fogo, uma coisa que pode ter alguma relevância, não é? Não é que ele não fez nada em alguns desses casos, mas ele claramente não acabou com a guerra. Mas as hostilidades não pararam. Segundo a CNN continuou, tá lá o pessoal se matando lá. E a Tailândia e Camboja, por exemplo, tem um problema de fronteira entre os dois países e tem escaramuças de fronteira entre os dois. De vez em quando alguém passa para um lado, mata alguém, umas coisas assim. O Trump disse que as negociações comerciais com os dois países só aconteceriam se eles parassem de se atacar, o que pode realmente ter diminuído a violência ali. Mas evidentemente, não acabou com a guerra. Assim que acabar a negociação comercial, o problema territorial continua, que é o caso de todas as guerras que eles que acabou, basicamente. Nenhum dos problemas foi resolvido. Em alguns casos, ele conseguiu mediar um cessar-fogo, um acordo econômico, uma coisa assim. Mas ele já meteu na cabeça que acabou com sete guerras e está sinceramente puto da vida que não deram o Prémio Nobel da Paz para ele. É muito claro que ele acha mesmo que merecia ganhar um Prêmio Nobel.

Fernando de Barros e Silva: O problema não é o teleprompter, né?

Celso Rocha de Barros: Exato.

Fernando de Barros e Silva: É o teleprompter que ele tem dentro do cérebro. Esse é o problema.

Celso Rocha de Barros: Pois é.

Fernando de Barros e Silva: Que lê tudo errado.

Celso Rocha de Barros: E no final do discurso aconteceu o grande evento que foi a referência dele ao Lula, dizendo que era legal, a gente boa… “Pô, vamos comer um churrasquinho dia desses”. E que surpreendeu, para começo de conversa, sobretudo, os bolsonaristas que estavam felicíssimos com a expansão das sanções Magnitsky que agora atinge também a esposa do Alexandre de Moraes e inclusive teve sanções, por exemplo, ao José Levy. Trabalhou na AGU do Jair Bolsonaro e eu ouvi gente falando “pô, mas por que puniram esse cara, né?”. Bom, se você se odeia, como eu, e assistiu os vídeos do Paulo Figueiredo em 2022, você viu ele falando que o general Valério Stumpf Trindade, do Comando Militar do Sul, não teria aderido ao golpe porque ele seria amicíssimo do José Levy, que durante um tempo fez uma espécie de ponte do Bolsonaro com o STF e, segundo Paulo Figueiredo, na verdade era um traidor porque na verdade estava defendendo o STF junto ao Bolsonaro, e não o contrário. E depois o Levy foi assessor do Alexandre Moraes no TSE e aí o Figueiredo dizia assim: “Por isso que o Alexandre de Moraes faz o que ele faz, porque ele tem um brother”. Fecha aspas.

Ana Clara Costa: Meu Deus.

Celso Rocha de Barros: No comando militar, entendeu? Então o José.

Ana Clara Costa: As conexões que ele fez completamente…

Celso Rocha de Barros: José Levy entrou nessa história por causa dessas teorias aí do Paulo Figueiredo.

Celso Rocha de Barros: Eu fico perplexo com o interesse do Celso. Primeiro que a gente se beneficia disso, né Celso? Não to reclamando não, pelo contrário. Mas é um sujeito tão sofisticado que lê do jeito que ele lê… Como é que ele arruma tempo e disposição, sobretudo para ficar vendo o Figueiredo?

Celso Rocha de Barros: Porque o mundo virou essa aqui, cara. A gente ficou mal acostumado nos anos 90, tinha que discutir com intelectual tucano, aquelas coisas não sei o quê. Não. Agora é o Figueiredo

Fernando de Barros e Silva: Tá certo. É isso. Não. Os ouvintes amam. Eu fico perplexo. Feliz. Ana Clara também, que vocês não estão vendo, mas ela tá sorrindo aqui que não consegue nem…

Celso Rocha de Barros: Tá rindo da minha cara. Palhaço, viu o vídeo…

Ana Clara Costa: Não, eu adoro que você veja, porque eu não preciso ver.

Fernando de Barros e Silva: É muito bom. Virou um case.

Celso Rocha de Barros: E aí, naturalmente, começou a guerra de interpretações sobre a referência amigável do Trump ao Lula. A primeira que claramente foi insinuada pelos bolsonaristas, mas também tem gente esquerda com medo disso, é que o Trump pretenderia armar uma cilada para o Lula, como ele arrumou para o Zelensky, presidente da Ucrânia, e para o Ramaphosa, presidente da África do Sul… Que ia levar o cara para o Salão Oval e humilhar o cara publicamente. Naturalmente, o Itamaraty está atento para isso e, pelo que eu entendi, a conversa deve ser por telefone.

Fernando de Barros e Silva: Ana Clara vai dar detalhes.

Celso Rocha de Barros: Ana Clara que vai dizer isso depois. Se eu tiver errado, ela explica. Ana Clara sabe toda a história sobre isso. E a segunda interpretação, que eu acho que também pode ter uma certa dose de verdade, é que o Trump já sacou que aquela turma mais fascista no Departamento de Estado, mentiu para ele sobre a correlação de forças no Brasil.

Ana Clara Costa: Isso é verdade.

Celso Rocha de Barros: Então, não é que o Trump se arrepende de ter promovido um fascista no Brasil. Não é que o Trump deixou de ser fascista. Não é nada disso. Mas ele talvez se arrependa de ter promovido um fascista fracassado no Brasil, que claramente disseram para ele que o Bolsonaro liderava as pesquisas amplamente, que a população apoiaria as tarifas, o que obviamente não ocorreu. Até no começo dessa história, a gente comentou aqui o caso da época da Guerra Fria, quando tinha uns partidos comunistas que falavam para Moscou assim: “aqui as condições estão maduras para uma revolução. Manda a arma que a gente vai tomar o poder”. E não dava nada. Morria todo mundo. E Moscou falava: “puta merda, cara, que porcaria de informação que estavam me dando”. Então pode ser uma coisa desse tipo. Não há dúvida que o aceno, mesmo que não tenha nada, enfraqueceu. O Figueiredo e o Eduardo Bolsonaro, porque eles, bem ou mal, davam a impressão de que ninguém chegava no Trump sem passar por eles. Isso claramente não era verdade. Teve empresário brasileiro que conseguiu fazer lobby. O Alckmin conseguiu furar algumas barreiras. Enfim. Então aquela ambição que eles tinham de ser gatekeepers do Trump, de ser caras que estavam ali guardando o acesso ao Trump, claramente foi bastante desmoralizado.

Fernando de Barros e Silva: A Folha, inclusive hoje, quinta-feira, menciona uma numa reportagem, uma reunião do Joesley com o Trump.

Celso Rocha de Barros: Isso, exatamente.

Fernando de Barros e Silva: Semanas atrás. Eu não sei se isso saiu antes.

Ana Clara Costa: A JBS tem operações nos Estados Unidos, eles têm fábricas.

Fernando de Barros e Silva: Muitas operações.

Ana Clara Costa: No Canadá… E a gente está num momento, na verdade, em que as empresas brasileiras que têm como se safar nos Estados Unidos, como Embraer, como a JBS, porque têm operações lá, podem prometer investimento e tal. Elas estão querendo mais é fingir que não são brasileiras, entendeu? Tá rolando esse movimento para justamente se descontaminar.

Fernando de Barros e Silva: Eles doaram, inclusive para o Trump, para posse ou para campanha 5 milhões de dólares.

Ana Clara Costa: É, o Joesley deve ter pegado o passaporte português dele. Sei lá.

Fernando de Barros e Silva: Deu um troco para o Trump de 5 milhões de dólares.

Celso Rocha de Barros: Comprou aquelas Bitcoin do Trump lá.

Fernando de Barros e Silva: Trocou frango por bitcoin, é isso?

Celso Rocha de Barros: É!

Fernando de Barros e Silva: Bom, Ana Clara. Então, já passando para você, vamos falar desse encontro entre o Trump e o Lula.

Ana Clara Costa: Bom, os canais de interlocução. Eles estavam completamente obstruídos entre o Brasil e os Estados Unidos. Por mais que o Alckmin tenha tido reuniões com o Lutnic, o secretário de Comércio e tal, não estava havendo uma conversa ali possível para se dizer qual era a real situação no Brasil. Não tinha canal no Departamento de Estado, não tinha canal na Casa Branca. Tanto que o Bessent, que é o secretário do Tesouro, fez aquele papelão ali com Haddad e tal. Mas vocês devem imaginar que há forças poderosíssimas que querem destensionar essa situação, tanto no setor privado, com os exportadores brasileiros para os Estados Unidos, quanto dentro do próprio governo — já que o próprio governo está sendo alvo de represálias. O messias da AGU teve o visto dele revogado esses dias e tal. Então, tanto no setor privado quanto dentro do governo, quanto no próprio Supremo, que também está sendo alvo da Magnitsky. Então, tem muita gente querendo que essa situação se resolva. E aí havia muita expectativa sobre esse encontro do Lula com o Trump na ONU, porque poderia ser uma oportunidade de abertura de um canal de diálogo que não havia. E você tem algumas alas do governo que estavam trabalhando junto com o escritório de advocacia em Washington para tentar encontrar esse canal com a Casa Branca e um canal especificamente que não passasse pelo Departamento de Estado, porque o Departamento de Estado está muito dominado pelo pessoal do MAGA, né? O Marco Rubio, embora enfim, tenha sido um parlamentar e tal, tenha ali um mínimo bom senso, ele é bastante ideologizado e toda a turma que tá com ele também. Então o trabalho ali era para conseguir um canal na Casa Branca, via esse lobby de Washington. E eles conseguiram um canal, numa costura que não envolveu necessariamente a diplomacia brasileira. E esse canal é muito recente e tal. E o que essa turma queria era que eles tivessem dez minutos para falar nos bastidores ali. E foi isso que eles articularam com a Casa Branca. Então, assim, tanto o Trump sabia da vontade do Brasil que houvesse essa conversa quanto o próprio Lula também sabia. Então, existia uma espécie de pré-acordo para que essa conversa acontecesse. Então, assim dizendo, realmente o Trump topou, né? A diplomacia brasileira achava essa estratégia arriscada demais, porque ela poderia expor o Lula, poderia acontecer alguma coisa fora do protocolo ali, que enfim acabasse criando um problema diplomático. E a gente sabe que a diplomacia é bem ciosa dessa questão burocrática da relação entre chefes de Estado. Então eles não estavam muito querendo essa atitude meio ousada. Mas no fim, nessa guerra de influências que acontece em meio a situações graves como essa, acabou ganhando esse outro grupo. Então o Lula topou o encontro, o Trump topou o encontro e até mesmo o intérprete do Lula, que é intérprete dele há 30 anos, estava brifado com itens que deveriam ser discutidos ali naqueles dez minutos. Quando chegou na hora, o negócio ficou meio atrapalhado. Essa coisa de escada rolante… Um atrasou, o outro atrasou, enfim, ficou meio confuso ali. E o tradutor nem conseguiu entrar nessa parte. Acabou indo só o Fernando Igreja, que é o diplomata responsável pelo cerimonial do Lula, que não tava sabendo de nada. Como ele não tava sabendo de nada, ele também não conseguiu ajudar muito ali na hora, então por isso que eles conseguiram só 39 segundos. Na verdade era para ter tido dez minutos. E aí nesses 39 segundos, deu certo. A conversa rolou ali.

Fernando de Barros e Silva: Rolou um clima, rolou uma química, na verdade.

Ana Clara Costa: Exato. E tanto que na hora em que o Trump fala do Lula no discurso dele, claramente é uma coisa improvisada, né? Provavelmente ele não estava preparado para falar bem do Brasil ali, nem do Lula, no discurso dele da ONU. Uma outra coisa, segundo algumas fontes com quem eu conversei, o Departamento de Estado ficou bem irritado com tudo isso, porque se sentiu bypassado e porque também não concorda que tenha que haver uma aproximação. Então, tem uma guerra rolando ali. Estou falando especificamente em relação ao caso Brasil, mas é uma guerra que deve acontecer em relação a muitos outros países com quem há conflito nesse momento, né?

Fernando de Barros e Silva: E a gente viu a expressão de contrariedade do Marco Rubio enquanto o Trump falava, né?

Ana Clara Costa: Exato. Mas o fato é que esses interlocutores estão conseguindo furar o bloqueio. E eles explicaram para a Casa Branca que a situação do Brasil não é exatamente o que a família Bolsonaro está dizendo que é. Porque, como o Celso bem disse antes, o Trump realmente acreditava que o Bolsonaro estava sendo vítima de uma perseguição e que se ele concorresse ele ganharia por aclamação quase. Então assim, ao que parece, não dá para dizer que ele mudou de ideia. Mas ao que parece, a Casa Branca está um pouco mais aberta a ouvir uma outra versão sobre o que está acontecendo. O resultado disso é que possivelmente a gente vai ter esse encontro do Lula com o Trump. E aí tem mais uma batalha rolando internamente sobre isso. A diplomacia quer que esse primeiro encontro seja virtual para tentar poupar o Lula de constrangimento, né? Como você citou Celso, o exemplo do Zelensky e do Ramaphosa, tem também o da presidente da Suíça, que nem foi recebida e tal. Já esse outro grupo do governo, eles querem que seja pessoalmente e eles estão fazendo um lobby para que seja em Mar-a-Lago, que não seja na Casa Branca, porque como é a casa do Trump, é um ambiente mais informal. Um dos argumentos que eles usam essa questão de que se fosse Miami, se fosse Flórida, daria para o Lula ir e voltar no mesmo dia. A agenda é complicada.

Fernando de Barros e Silva: Tô quase vendo já o Lula com o taco de golfe do lado do Trump. Bonezinho.

Ana Clara Costa: Então, neste momento, até agora eles não conseguiram uma confirmação de que o Trump aceitaria recebê-lo em Mar-a-Lago. Mas é o que essa turma almeja. E assim, além dessas tramas ali de bastidores, tem a parte pública da história que é assim: o Palácio do Planalto começou a construir um diálogo por meio da imprensa internacional, já que não havia canal oficial dando entrevista para veículos norte-americanos. E por último, teve aquela carta que ele publicou no New York Times há alguns dias.

Fernando de Barros e Silva: Ele, Lula.

Ana Clara Costa: Ele, Lula. Dizendo discordar de tudo que estava acontecendo, mas demonstrando vontade de conversar. Então, esses passos prévios que vinham sendo tomados, mesmo sem saber se eles estavam sendo lidos da forma correta, eles ajudaram a esse contexto que acabou, enfim, dando certo. E olhando em retrospecto, talvez tenha sido a Assembleia da ONU mais arriscada para o Lula, justamente pelo fato de haver essa crise sem precedentes. Mas, apesar de arriscada, todos os desfechos deram certo, né? Assim, tudo deu certo. O discurso foi muito bem avaliado. O encontro com o Trump aconteceu. A resposta do Trump foi muito melhor do que se imaginava. Então, assim foi um alinhamento cósmico ali.

Fernando de Barros e Silva: E cereja do bolo: ao mesmo tempo, as pesquisas estão mostrando — claro que não tem nada a ver com o que aconteceu na ONU, mas as pesquisas estão mostrando a recuperação da popularidade do Lula. Nesse mesmo momento.

Ana Clara Costa: Exato. E na esteira do discurso, também os líderes vieram conversar com o Lula no final. O Zelensky foi quem procurou o Brasil para falar com o Lula, para encontrar com o Lula ali. O Macron veio com aquela de “Lula, nosso guerreiro” e tal. E aí, sobre isso, vale dizer que no discurso do Lula, Celso, esse trecho que você mencionou, “ali também estão sepultados o direito internacional e o mito da superiorida de ética do Ocidente”. Esse trecho é um recado para os países do Ocidente, como a França, que fecharam os olhos para o que está acontecendo no Oriente Médio, até mesmo para o que o Trump está fazendo com outros países, né?

Fernando de Barros e Silva: Olha gente, vou falar aqui para os ouvintes que a moça é modesta, mas ela acabou de dar vários furos.

Celso Rocha de Barros: Porra…

Fernando de Barros e Silva: Não é, Celso?

Celso Rocha de Barros: Caraca!

Fernando de Barros e Silva: Os dois brilharam. Bom, encerramos então o primeiro bloco do programa. Fazemos um rápido intervalo. Na volta, a gente vai falar da PEC da Blindagem do Congresso. Já voltamos.

Fernando de Barros e Silva: Muito bem. Estamos de volta. Ana Clara, vamos começar com você. Como eu disse na abertura, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado enterrou a PEC da Blindagem. Isso, todo mundo está dizendo, tem a ver com as manifestações de domingo. Mas você, mais uma vez, tem bastidores e eu quero saber é deles. Não disso que as outras pessoas já sabem.

Ana Clara Costa: Olha a responsa, hein? Olha a responsa!

Fernando de Barros e Silva: Olha a responsa!

Ana Clara Costa: Bom, uma coisa que a gente espera desses políticos, pelo menos alguns deles, sobretudo do centrão, né? É que eles sejam espertos, inteligentes e tal. Não disse honestos, mas pelo menos espertos e inteligentes. E essa manobra da PEC da Blindagem foi de uma estupidez assim, poucas vezes vista… Que é até incompreensível. Até agora eu não entendi como foi possível tamanha estupidez. Porque qual era o jogo? Você tem no Congresso hoje, três grupos com objetivos diferentes e, de certa forma, antagônicos. Uma turma, que é o governo, quer aprovar a isenção do IR para quem ganha até 5 mil reais. O outro grupo antagônico, no caso, que são os bolsonaristas, eles querem aprovar a anistia dos golpistas e do Bolsonaro. O centrão, que pode ser bolsonarista e pode ser governista, conforme a conveniência do momento, queria aprovar a PEC da Blindagem para poder fazer o que quiser sem ser incomodado. E aí, dois desses grupos se uniram os bolsonaristas e o centrão, porque ambos têm um objetivo em comum, que é colocar um freio no STF. O bolsonarista pela razão da anistia e do Bolsonaro, etc. E o centrão, pelo que a gente sabe.

Fernando de Barros e Silva: Pela razão da polícia.

Ana Clara Costa: E aí, o que eles disseram para o Hugo Motta, né? A gente só aprova a isenção do IR se você pautar a blindagem e anistia. E o governo precisa aprovar a isenção, pelas razões que a gente já falou aqui algumas vezes. Então, o Hugo Motta, o que ele faz? Ele fala para o Lula que ele vai ter que pautar as duas coisas, porque sem isso ele não consegue a isenção. E é isso que ele faz. É o artífice dessa estratégia, dessa comunhão de interesses, é o Arthur Lira que quer aprovar essa PEC da Blindagem desde 2021. Para vocês terem uma ideia, o Arthur Lira veio com essa PEC, em fevereiro de 2021, quando a gente estava com 1000 pessoas morrendo por dia de Covid, em vez de aprovar o orçamento daquele ano para poder pagar o auxílio emergencial para as pessoas que estava atrasado, ele movimentou a Câmara para aprovar a PEC da Blindagem. Isso no primeiro mês da presidência dele na Câmara.

Fernando de Barros e Silva: É, esse não brinca em serviço, né? O orçamento secreto é a razão principal estrutural dessa dessa PEC da blindagem, porque o que tem de escândalo embutido nesse negócio.

Ana Clara Costa: E naquela época ele não conseguiu aprovar porque ele deu várias tratoradas lá na Câmara, mas não conseguiu aprovar. Tirou o time de campo e dessa vez ele viu a oportunidade ali se colocando quando você tinha esses interesses convergentes e colocou o Hugo Motta na linha de frente para operar para ele e ele meio que se camuflou, né? E o Hugo Motta pautou isso de uma forma muito inconsequente, porque ele sabia que o assunto era de zero interesse público. Estou falando no caso da PEC da Blindagem. E no caso da anistia, pior ainda, porque você está beneficiando um grupo específico que tentou um golpe. E há pesquisas dizendo que a maioria da população não concordava com nada disso. Então, eles juntam um combo de pautas impopulares e votam na semana seguinte a condenação do Bolsonaro e acham que vai dar certo. Então é isso que é meio incompreensível. O que é mais incompreensível ainda é que eles não combinaram isso com o Senado, porque se o Senado estivesse concordando com essa palhaçada toda, você poderia até entender a lógica. “Bom, eles vão aprovar lá também. Então a gente vai passar esse absurdo e vai, vai rolar”, entendeu? Só que o Senado não deu esse aval. Então aí que fica muito difícil de entender porque fica um passivo moral inteiro para a Câmara dos Deputados. Mas, enfim. O Hugo Motta também colocou isso para votar, porque ele tava sendo cobrado pelo Lira. Ele estava sendo cobrado pelos bolsonaristas. Ele não estava conseguindo pautar nada na Câmara porque esses assuntos estavam ali pendentes. Então, ele queria eliminar isso também para poder votar outras coisas. E quando as manifestações acontecem no domingo, e a cara de cada voto favorável à PEC da Blindagem fica estampada nos jornais, nas redes sociais, a um ano da eleição… Esses deputados querem se reeleger, né? Em tese, né? A grande maioria deles. Então, há um carimbo depois da PEC da Blindagem que prejudica a reeleição deles e por isso eles ficaram tão ressabiados depois de domingo e aconteceu tudo que aconteceu, tudo voltou para estaca zero. E o que é curioso é que eles estavam tão certos dessa onipotência, né? Estavam tão confiantes no que eles estavam fazendo… E é muito louco que é justamente esse poder que é o poder do parlamento, que acha que pode tudo, que é botar freio em outro poder, né? Porque diz que o outro poder está mandando nele. Olha o tipo de coisa que eles fizeram, né? Agora, poder é uma construção. Você não consegue recuperar poder na canetada como eles tentaram fazer, né? E a direita em especial, tem muita dificuldade em entender isso, né? A esquerda já criticou muito o Supremo no período do mensalão, no período da Lava Jato. Dizia que o Supremo era enviesado, mas essas manifestações elas nunca eram no sentido de criar leis que estrangular sem um poder ou incitar ataques físicos contra ministros. Então, o bolsonarismo parece que ele está inaugurando meio que um tipo de violência legislativa que tá muito em linha, eu acho, com a violência que eles defendem em muitas outras esferas: da liberação de armas, a redução da maioridade penal, a violência contra a mulher por meio da criminalização do aborto, violência religiosa, violência contra quem é LGBT, então, é uma forma de estar no mundo que se reflete também na postura legislativa deles, né? E que eu acho que a gente viu se materializar nesses últimos dias e que, felizmente, não floresceu porque muita gente se mobilizou.

Fernando de Barros e Silva: Você mencionou que a Câmara não combinou com o Senado, é por isso que a direita e o bolsonarismo, especificamente, dão tanto peso à eleição do Senado no ano que vem. Se você tiver uma mudança de correlação de forças no Senado, você imagina com essa Câmara… Imaginemos que o Senado fosse um pouco mais pior. A gente estaria frito num momento como esse.

Ana Clara Costa: O Davi Alcolumbre, sobretudo, não está — em todos os momentos ele demonstra isso — com muita vontade de se indispor com o Supremo. Enfim, a PEC morreu, né? A anistia está bem difícil de passar, porque a anistia sendo colocada como apenas redução de pena, o bolsonarismo não aceita. E o PT também não aceita, já disse né? O PT também disse que não votará por isso. E a anistia pesada, aí que não tem apoio mesmo. Então, assim tá difícil a situação da própria anistia.

Fernando de Barros e Silva: O bolsonarismo não poderia aceitar ou dizer que aceita, mas a ideia desses pilantras aí, desses Paulinhos, Aécios, Temers e tal, é reduzir a pena de modo que seja possível que o Bolsonaro não fique preso em regime fechado ou fique muito pouco em regime fechado. É isso que é isso que está se tentando costurar, né?

Ana Clara Costa: Exato.

Fernando de Barros e Silva: É um remake do que o Romero Jucá anunciou lá quando Temer conspirou contra a Dilma e eles chegaram ao poder.

Ana Clara Costa: Mas vai ser difícil. Por mais que eles queiram que essa seja a solução de última instância, né? Se a solução primordial para eles é livrar o Bolsonaro, não vai rolar. Fica difícil para eles aceitarem isso no voto, entendeu? E depois se a ver com os radicais que os elegem, né? Esse que é o problema.

Fernando de Barros e Silva: Como disse o Celso, deu super certo da primeira vez, né?

Celso Rocha de Barros: Pois é!

Fernando de Barros e Silva: Por um, lado deu certo. Essa turma tá solta, né?

Celso Rocha de Barros: País ficou pacíficadíssimo.

Fernando de Barros e Silva: É, exato.

Ana Clara Costa: O que eu queria me deter é no caso Artur Lira. Tem um movimento acontecendo agora que é muito difícil de entender que é o governo ajudando o Arthur Lira. Olha o que aconteceu. O Lira, ele quer ser candidato ao Senado por Alagoas. E o que o governo fez recentemente? O atual prefeito de Maceió, que é o João Henrique Caldas, que é do PL, também estava pleiteando ser o candidato da direita ao Senado em Alagoas. O que embaralharia o jogo para o Lira, porque quem quer os votos da direita é ele, né? O Renan fica com os votos da esquerda.

Fernando de Barros e Silva: Onde chegamos, hein? Renan com os votos da esquerda.

Ana Clara Costa: Pois é, esse é o Brasil. E o governo articulou a indicação da tia do JHC para o STJ. O nome dela é Marluce Caldas.

Fernando de Barros e Silva: O JHC é o prefeito.

Ana Clara Costa: É o prefeito.

Fernando de Barros e Silva: Você falou primeiro o nome inteiro dele, agora parece aquele aquele poema do Drummond que fala que fulano acabou com o tal que não tinha entrado na história.

Ana Clara Costa: Mas ele é conhecido como JHC.

Fernando de Barros e Silva: Parece a “Quadrilha” do Drummond.

Ana Clara Costa: A questão é a seguinte: o governo articulou para indicar a tia dele para o STJ como forma de desestimulá-lo a ser o candidato ao Senado, para o Arthur Lira poder ser o candidato, tendo menos um concorrente de peso dentro da direita, facilitando muito a vida do Arthur Lira em Alagoas. E esse empurrão que o governo dá no Arthur Lira, acontece no momento em que o Arthur Lira senta em cima da reforma do Imposto de Renda, da isenção do IR e de todo esse monte de projeto que o governo quer aprovar. Ele sentou em cima por sete meses. Ele articulou a PEC da Blindagem casada com a Anistia. O Arthur Lira é o cara que pautou o voto impresso no governo Bolsonaro, entendeu? Então, ele é o cara que o governo está ajudando. E aí virou nessa última semana, meio que uma disputa de Alagoas. O Renan — o que o Renan pensa? O quê? Depois de tudo que o Lira faz, ele ainda vai se candidatar ao Senado, falando lá em Alagoas, que a pauta da isenção do IR é dele? Não. Aí o Renan pega e faz uma manobra a lá Renan Calheiros e desenterra uma proposta de isenção do IR no Senado. Também tratora ali. Aprova essa isenção do IR no Senado. Essa semana isso aconteceu. Isso vai para a Câmara agora, porque foi aprovada no Senado, tem que ir para a Câmara e aí vai ficar uma disputa de isenção do IR. A isenção do Arthur Lira contra a isenção do Renan para ver qual que vai ser aprovada, para ver quem é que vai poder levar para Alagoas, digamos, os louros dessa pauta que é popular. Então, assim, fica um questionamento assim. Eu não consegui entender por que existe essa ajuda para o Arthur Lira, sendo que o Arthur Lira, além de não ter entregado nada para o governo, ainda atuou contra em todas as oportunidades que ele teve. Me parece que é mais uma situação em que o governo é refém, né? Mas o lado bom disso, e eu acho que é o lado bom da semana e que a pauta do IR parece que enfim vai prosperar, seja a do Renan, seja a do Arthur Lira, que talvez agora queira correr com isso para ele ficar com a assinatura dele nisso, né?

Fernando de Barros e Silva: Muito bem. Celso, você tava lá em Copacabana.

Celso Rocha de Barros: Eu passei no finalzinho.

Fernando de Barros e Silva: Passou no finalzinho. Aqui todo mundo faz reportagem. Vamos lá.

Celso Rocha de Barros: Bom, Fernando, as passeatas foram um sucesso. Assim, teve algumas comparações entre essas passeatas e as passeatas a favor da anistia que o Jair andou fazendo. Parece ter sido mais ou menos do mesmo tamanho em São Paulo. Mas essas passeatas de domingo tiveram muito mais capilaridade. Teve muito mais lugar no Brasil que teve passeata considerável do que aquela última do Bolsonaro. Ela não são comparáveis ainda as passeatas do bolsonarismo no auge, quando tinha inclusive prefeito do interior que mandava ônibus, que tinha aquelas coisas todas. Mas comparado com as últimas, o saldo foi claramente favorável.

Ana Clara Costa: E a gente tem que dizer que a Paula Lavigne teve…

Celso Rocha de Barros: Um papel fundamental. Teve. Porque essa história de trazer os artistas do ponto de vista de uma militância de esquerda que já está inclusive cansada desses anos todos combatendo bolsonarismo, etc. Já tem um sentimento de cansaço, de muitos anos de briga política intensa. “Pô, vou em outra passeata que vai ter só as mesmas pessoas de sempre e tal”… A iniciativa de trazer os cantores para que, cá entre nós, que cantores né?

Celso Rocha de Barros: Para praia de Copacabana, o cara que tinha vontade nessa passeata mas estava com medo de ir e encontrar só as mesmas pessoas de sempre. Não, essa vai gente, né? Porque vai o pessoal vai lá ver os cantores. Então, o papel da Paula Lavigne foi realmente importante.

Fernando de Barros e Silva: Eu mencionei o negócio de 68, que a comparação foi feita, mas também valeria comparar com as diretas. Você tinha ali momentos que que essas pessoas se reuniam, né?

Celso Rocha de Barros: É, essa coisa de 68 eu achei muito boa. O pessoal na internet que comparou o Chico, o Caetano, Gil, o pessoal todo de 68 com aquela velhinha americana que vai nas passeatas com cartaz “eu não acredito que eu ainda tenho que protestar contra essa merda”. Então é como se o Chico, Caetano esse pessoal tivesse: “pô, não é possível que vou ter que ficar protestando com essa ditadura até morrer”, né cara? É impressionante. E foi, sem dúvida, as maiores passeatas, pelo menos desde 2019, quando teve uma manifestação que hoje em dia o pessoal não dá a devida atenção. Mas foram aquelas grandes marchas de estudantes universitários contra os cortes de orçamento do Weintraub. No Rio, foi muito grande e várias outras cidades foram muito grandes, mas sem dúvida nenhuma a direita vinha dominando as ruas com grande vantagem nos últimos anos. Não foi uma passeata só de esquerda, deve-se dizer. É claro, que a maior parte das pessoas que foram lá devia ser de esquerda ou mais ou menos simpatizante. Mas é uma coisa que ficou claro que essa não era uma daquelas passeatas e que era uma espécie de marcha de militante, que não adianta você botar 1 milhão de pessoas na rua se só tem esse 1 milhão que é contra aquilo, que defende aquilo. A graça é você botar gente na rua e que isso meio que ecoe uma coisa mais geral que está acontecendo na sociedade. E nesse caso, claramente era isso. As análises de rede social mostram que a população concordava inteiramente com as manifestações, com a com a pauta das manifestações. A imprensa teve um papel importante para denunciar a PEC da Blindagem e a anistia. Então, enfim, foi realmente uma derrota do bolsonarismo.

Fernando de Barros e Silva: E a minha sensação, Celso, é que o apelo contra a blindagem é mais pulverizado, é maior e mais amplo do que, sem dúvida, o apelo contra a anistia.

Celso Rocha de Barros: Claro, né? Bom, a gente falou que a blindagem era proibir prender político, porque na prática você dependeria da aprovação dos pares do cara. E por que os caras vão aprovar isso?

Fernando de Barros e Silva: Em voto secreto.

Celso Rocha de Barros: Em voto secreto. Exatamente. Agora, esse fracasso dessa conjunção da blindagem com a anistia foi o fracasso dessa coalizão que a gente já vem falando aqui há vários meses, entre os ladrões e os golpistas no Congresso. O pessoal do centrão, o pessoal do bolsonarismo e aquela grande interseção de políticos que são golpistas e ladrões. E aí eu queria dizer uma coisa o Fábio Wajngarten, que foi secretário de comunicação do governo do Bolsonaro, disse que a junção das duas propostas, a blindagem, a anistia, merecia o prêmio de marketing às avessas porque queimou o filme da anistia, juntando com a PEC da Blindagem. E é óbvio que foi isso que aconteceu mesmo. Agora, assim, depois que dá errado — é óbvio que ia dar errado, né? Mas até então isso vinha funcionando, né? O bolsonarismo vinha conseguindo blindar a ladroagem do centrão fazia vários anos. Então se você pegar o orçamento secreto, cara, que é um negócio gigantesco: por que isso não foi um escândalo como foi o mensalão, petrolão? Porque eles conseguiram controlar o monopólio do discurso contra a corrupção, mesmo fazendo orçamento secreto. Então, para o cara do centrão, é muito jogo se aliar aos bolsonaristas, porque você roubava mais do que você conseguia roubar antes. Mas eles te davam uma aura de que, enfim, você não era de esquerda. Você não estava querendo destruir a família, você não era contra a pátria. Enfim, aquele radicalismo do bolsonarismo blindou muito a ladroagem, né? Isso, cá entre nós, só parou de funcionar semana passada. Então, assim, até semana passada, não era óbvio que não ia funcionar. Você blindar os ladrões com esse discurso de extrema direita vinha funcionando até então. Agora parou de funcionar porque o centrão e os golpistas quiseram casar de papel passado e assim quiseram botar na Constituição que o acordo deles ia valer para todos. Porque enquanto eles viveram ali, nessa amizade colorida…

Fernando de Barros e Silva: Mancomunados.

Celso Rocha de Barros: Exato. Estava funcionando, mas eles deram esse drible a mais, né? Tentaram falar: “vamos consagrar na Constituição essa aliança dos golpistas com o centrão”. E aí não deu.

Ana Clara Costa: E num timing completamente esdrúxulo, né?

Celso Rocha de Barros: Agora tem outro aspecto notável que eu acho dessa coisa da PEC da Blindagem, mas que em geral, quem propõe medida anticorrupção é a oposição. E quem propõe medida pró-corrupção é o governo. Por motivos óbvios, o governo é que tem dinheiro para roubar, a oposição não tem dinheiro nenhum para roubar. Então o que ela pode fazer é reclamar do roubo dos caras que estão no governo. Isso independente da coloração do governo que esteja por aí. Esse foi um caso curioso em que a blindagem foi proposta pela oposição e quem segurou a ponta da briga pela ética foi um governo. E o que isso mostra? Como desde que o Congresso adquiriu o controle do orçamento com as emendas e o orçamento secreto e tal. A oposição passou a ter grande possibilidade de roubar dinheiro, porque eles podem fazer desvios com as emendas parlamentares. Então isso pode ter umas consequências interessantes para a política brasileira de agora em diante.

Fernando de Barros e Silva: Muito bem. É isso então, a homenagem aqui a Alagoas e a isso que o Celso falou no final, o poema Quadrilha do Drummond, né do JHC? Quadrilha é assim: O João amava Tereza, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili, que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Tereza para o convento. Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia. Joaquim suicidou se e Lili casou se com J. Pinto Fernandes, que não tinha entrado na história. É isso, gente! Terminamos assim o segundo bloco do programa. Fazemos um rápido intervalo. Na volta nós vamos falar de Gaza. Já voltamos.

Fernando de Barros e Silva: Muito bem. Estamos de volta. Celso, vamos começar com você. A ONU chamou, como eu disse na abertura, finalmente, o genocídio de genocídio. O relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que foi divulgado agora essa semana, é um documento bem importante. Nós vamos falar dele.

Celso Rocha de Barros: Isso mesmo, Fernando. O documento do Conselho de Direitos Humanos da ONU chamou uma análise legal da conduta de Israel em Gaza no que se refere à Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. Então, basicamente, há um documento legal escrito meio em juridiquês aqui, em que eles vão pegando os critérios para classificar um crime como genocídio e discutindo a evidência contra e a favor dessa classificação. E eles concluem pela classificação como genocídio. O relatório é bom, vocês podem imaginar, é bastante chocante. Então, segundo o relatório, a expectativa de vida em Gaza caiu de 75,5 anos em 2023 para 40,5. Nos primeiros 12 meses da guerra, uma queda de 34,9 anos, o que é praticamente metade. A Comissão também notou que, em maio de 2025, a inteligência israelense listou 8900 militantes do Hamas e da Jihad Islâmica em Gaza como mortos ou provavelmente mortos. Considerando que naquele ponto a estimativa era de 53 mil palestinos mortos pelos ataques israelenses, 83% das pessoas que tinham morrido em Gaza eram civis, pela classificação do próprio exército israelense. E aí é sempre bom lembrar todo mundo sabe que guerra vai morrer civil. Não existe guerra que não haja dano colateral. Não existe guerra que não seja uma tragédia, que não tenha crimes, etc. Mas a grande questão é a proporção. Então, se 83% das pessoas que estão morrendo no seu ataque não tinham nada a ver com o negócio que você estava fazendo ali, evidentemente você está fazendo uso excessivo de força, usando munição obviamente inadequada, que mata muito mais gente do que seria necessário, está cometendo uma série de crimes que tem como resultado essa proporção bizarra de inocentes sendo morta. Isso é uma das coisas que o Comitê da ONU chama a atenção, porque o repetido uso de bombas em áreas densamente povoadas de Gaza, bombas de capacidade de destruição maciça e indiscriminada, então não é aquele negócio que você tem bomba teleguiada que vai até onde está a sala, onde estão os caras do Hamas. Aí você mata os caras, mas acaba matando alguém que estava ali na sala ao lado. Não é isso. Você derruba blocos de apartamentos inteiros e depois você diz que tinha um cara mais ali. Podia ter, ou podia não ter. Mas o fato é que os outros moradores daquele negócio inteiro não eram militantes do Hamas. Estava cuidando de sua vida. Tinha mulher, tinha criança. O relatório cita um especialista que diz que Israel estava jogando em Gaza em menos de uma semana ou que os Estados Unidos jogava no Afeganistão em um ano, só que em uma área incomparavelmente menor do que o Afeganistão.

Fernando de Barros e Silva: Muito chocante

Celso Rocha de Barros: É muito chocante. Quer dizer, é obviamente uma maneira completamente inapropriada de combater uma força de guerrilha urbana, que é o Hamas. O Hamas está usando táticas de guerrilha, que você destruir a cidade inteira, que os caras estão junto com os habitantes juntos é obviamente errado. Também, segundo a Organização Mundial de Saúde, entre 7 de outubro de 2023 e 30 de julho e Israel perpetrou 498 ataques em instalações de saúde, o que é obviamente proibido. E por aí vai. O relatório é um show de horrores. Segundo as estimativas da ONU, pelo menos 1373 palestinos morreram enquanto procuravam comida. 859 morreram na vizinhança da Fundação Humanitária de Gaza e 514 morreram no caminho dos comboios de alimentos. Então, realmente é um crime de guerra brutal. Mas isso é só negligência? Isso é só o excesso de um comandante militar específico? Que isso pode acontecer numa guerra também… Por exemplo, tem vários vídeos que os soldados israelenses fazem fazendo piada com a morte dos palestinos, etc. É um negócio absolutamente repulsivo. Mas isso os israelenses não… Isso não é a nossa… A política do Exército. Isso é um cara irresponsável ali na ponta, que a gente não tem controle sobre isso. Isso pode acontecer durante qualquer guerra. Então, o que aí a ONU vai investigar é o seguinte qual era a sinalização que a liderança israelense estava dando para suas tropas? E aí é um show de horrores, né? Eu acho que isso é parte fundamental do argumento do relatório. Então, por exemplo, em 3 de novembro de 2023 já, o Netanyahu publicou uma carta para os soldados israelenses e para os comandantes da guerra, em que ele disse: “lembre-se do que Amalek fez com você. Essa é uma guerra entre os Filhos da Luz e os Filhos da Escuridão”. Amalek, para quem costuma ler o Velho Testamento, é um daqueles trechos do Velho Testamento que o pessoal tenta não dar muita publicidade porque é muito feio. Os amalequitas, pelo que se depreende da Bíblia, eles atacaram os israelenses enquanto eles fugiam do Egito. E aí, como punição, Deus manda Israel basicamente cometer genocídio contra os amalequitas. Para vocês não acharem que eu estou inventando, Samuel capítulo 15, versículo três diz: “Vá, ataque os amalequitas e destrua completamente tudo que eles têm. Não tenha dó nem piedade. Mate todos os homens e mulheres, crianças e bebês, gado e ovelhas, camelos e jumentos”.

Fernando de Barros e Silva: Tá aí, viu, Ana Clara? Ele ouve o Paulo Figueiredo, mas ele cita o trecho do Velho Testamento dos Amalequitas.

Celso Rocha de Barros: Esse é aquele trecho que é esse trecho do Velho Testamento que o pessoal tenta, né? Não, isso aí… Sabe lá, pode ser a tradução…

Ana Clara Costa: Aqui eu não leio nem os trechos que são legais.

Celso Rocha de Barros: Isso aqui realmente é violentíssimo.

Fernando de Barros e Silva: E o Velho Testamento é um sádico.

Celso Rocha de Barros: E aí, quer dizer o que que tá dizendo? O Netanyahu, fazer um discurso desse para as tropas… Uma tropa, inclusive, onde há muita gente que é militante sionista bastante radical, onde o pessoal certamente sabe o que quer dizer: “o inimigo é Amalec”. Ele basicamente está dizendo para seus soldados: “vocês têm que entrar lá e barbarizar. Você tem que entrar lá e matar todo mundo”. Então aí eles têm vários depoimentos de autoridades israelenses que deixam bastante claro que as tropas israelenses não estão cometendo barbaridade porque os soldados são todos psicopatas, entendeu? Isso aí são as ordens que os caras deram, né?

Fernando de Barros e Silva: Essas cenas de psicopatia, de prazer diante da morte dos outros e zombaria… Na guerra do Iraque teve muita cena dessas também de soldados. Isso é mais frequente do que a gente gostaria.

Celso Rocha de Barros: Exato. A grande questão é saber se isso é um ato de psicopatia do soldado lá, que inclusive pode estar brutalizado pela guerra…

Fernando de Barros e Silva: Brutalizado, claro.

Celso Rocha de Barros: Ou se isso segue uma orientação de cima. E o relatório argumenta e cita vários depoimentos de autoridades israelenses que mostram que a orientação geral, era de matança generalizada mesmo. Tem uma citação que eu acho especialmente chocante, em que o relatório diz que em 15 de agosto de 2025, um antigo chefe da inteligência militar israelense teria dito que eles precisam de uma Nakba de tempos em tempos para sentir qual é o preço que você deve pagar. Para quem não sabe, a Nakba é como os palestinos caracterizam a catástrofe que foi quando Israel foi fundada pela guerra e eles foram expulsos da terra onde eles moravam. Só que Nakba em geral, se você for procurar isso, citação, vai estar em texto pró palestino dizendo que olha só o que Israel fez foi uma Nakba. Aqui está o cara chefe da inteligência israelense dizendo que é mesmo para fazer uma Nakba de vez em quando mesmo para os cara ficar na deles. Então, realmente assim, o relatório é muito convincente, porque não só houve uma matança generalizada, não só tem um critério para genocídio, que é você dificulta a reprodução do povo que você está atacando. Então, por exemplo, está acontecendo com as crianças em Gaza. O que está acontecendo com as mulheres que estão dando à luz em Gaza. O que está acontecendo com a possibilidade de você casar e ter filhos em Gaza no momento. Tem, inclusive, um ataque a uma clínica de fertilidade palestina. Então, essas coisas todas e que vão se juntando para formar evidência de genocídio. A gente não sabe que consequências isso vai ter. A gente não sabe o que peso tem a ONU nessa altura do campeonato.

Fernando de Barros e Silva: Dificilmente o Netanyahu recua sem uma pressão dos Estados Unidos. E os Estados Unidos é que amparam a política israelense, certo?

Celso Rocha de Barros: Exatamente. Só que eu acho que, inclusive, é provável que a ONU tenha dito isso em voz alta agora, em parte porque muitos pais europeus começaram a reconhecer o Estado palestino. Tem um movimento diplomático importante contra o que está acontecendo. É óbvio que os Estados Unidos é o ator decisivo aqui, mas Israel também não quer ficar completamente à mercê dos Estados Unidos. Vai que amanhã ganha um presidente americano que não quer apoiar Israel… Eles estão ferrados.

Fernando de Barros e Silva: É o difícil. Por que lembra que o Biden, o Biden, também…

Celso Rocha de Barros: Exato. Enfim, de qualquer maneira, eu também não diria que não tem efeito nenhum esse tipo de ofensiva diplomática, entendeu?

Fernando de Barros e Silva: Perfeito. Ana, quero te ouvir sobre isso.

Ana Clara Costa: Existe uma articulação na comunidade internacional neste momento para que tudo isso que a gente está vendo aconteça. A divulgação do relatório da ONU, o reconhecimento de alguns países europeus que não tinham reconhecido, como é o caso da França, o caso da Bélgica, o caso do Reino Unido, que acabaram reconhecendo o Estado da Palestina também.

Fernando de Barros e Silva: Portugal. Canadá.

Ana Clara Costa: Exato. Perto da Assembleia da ONU. E a reunião desses países na segunda-feira antes do início da Assembleia. Tudo isso aconteceu agora, justamente em razão da Assembleia para tentar usar a plataforma da Assembleia Geral da ONU para pressionar como instrumento de pressão para Israel e para os Estados Unidos. Na verdade, eu conversando com pessoas ali da diplomacia de dentro, a expectativa é que tenha pouco efeito, porque recentemente teve aquela resolução de cessar-fogo que foi apresentada por dez membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e que foi vetada pelos Estados Unidos. Não existe nenhum constrangimento dos Estados Unidos ou de Israel com uma pressão internacional que eles nem reconhecem como legítima. Então, o que me parece de toda essa estratégia é para os países ficarem bem com a história, entendeu? Eles estão fazendo isso não necessariamente porque eles acham que algo vá mudar com a atitude deles, mas eles querem poder dizer daqui 20, 30 anos, quando não tiver mais Gaza e não tiver mais ninguém ali, eles vão poder dizer a gente reconheceu o Estado palestino. E até assim, a proposta da França durante essa reunião é uma coisa inacreditável que ela fala assim que, pela proposta dela, esse estado, eles excluíram o Hamas de qualquer papel no pós-conflito e a administração do território liderada pela Autoridade Palestina. Enfim, até o presidente da Autoridade Palestina discursou nessa reunião por videoconferência e tudo mais, porque o cara nem visto conseguiu para ir para a Assembleia Geral da ONU, outra situação inédita.

Celso Rocha de Barros: Isso foi bizarro.

Fernando de Barros e Silva: Coisa que o Lula mencionou no discurso. Foi muito bom.

Ana Clara Costa: Agora é assim, você falar dessa solução, né? A Autoridade Palestina vai ter que gerir. A gente não pode deixar o Hamas gerir. Você não vai ter ninguém ali. A questão é vai haver gente ali para negociar uma solução de dois estados? Se é que um dia ela pode acontecer. Depois de um genocídio, como é que você senta com Israel para firmar os termos do acordo, sendo que as pessoas que estão vivendo isso talvez não sobrevivam? Provavelmente não sobreviva. Então, toda essa narrativa internacional que acontece dois anos depois do início da guerra, parece mais ser uma arquitetura para a história e não para de fato mudar as coisas como elas estão hoje. Eu acho que uma questão que eu até ouvi de um diplomata com quem eu conversei, a gente comparar o que está acontecendo com Gaza, com o apartheid na África do Sul, por exemplo. Quando houve o apartheid, você teve um boicote da comunidade internacional à África do Sul. Você não negociava com a África do Sul. Houve movimentos até de não vender para a África do Sul, né? Até vale dizer que Estados Unidos e Reino Unido nunca foram os atores mais contundentes desse boicote.

Celso Rocha de Barros: Muito pelo contrário.

Ana Clara Costa: Exato. Mas havia um movimento internacional de boicote. Hoje você tem a Espanha dizendo que não vai jogar a Copa do Mundo se Israel se classificar para o torneio, cancelando o contrato de venda de arma. Você tem alguns países europeus falando da possibilidade de não vender armas. Aí você tem eventos culturais que não estão convidando artistas ou bandas de Israel, que são coisas muito pontuais. Não existe uma coalizão internacional para, de fato, fazer alguma coisa em relação a isso, ainda que o povo de Israel não Necessariamente tenha que ser penalizado por isso, né? Embora Netanyahu seja o primeiro ministro e ele é como ele é, você não tem como culpar a população por aquilo, né? Embora o Netanyahu tenha falado algumas vezes, inclusive mais recentemente, agora em setembro, ele tenha feito menções de que o problema do mundo não são só os habitantes de Gaza, não é só Gaza, é o povo muçulmano de uma forma geral. Numa reportagem da New Yorker que foi publicada no dia 17 de setembro, por exemplo, ele se refere à Europa ou então à imigração muçulmana, e eles citam a palavra muçulmano. Ou seja, é uma uma característica religiosa que essa… Essa imigração maciça de muçulmanos para a Europa é um grande problema, porque essa minoria é muito barulhenta. Então, assim, ele começou a expandir a concepção dele de problema para toda uma religião e não mais para uma região. Então ele está mudando a narrativa para deixa de ser um problema territorial e passa a ser um problema étnico, na concepção dele. E ele está falando isso publicamente sem nenhum problema. Então, assim, o avanço do que a gente está vivendo é impressionante.

Fernando de Barros e Silva: É um discurso de corte fascista. Bom, a gente encerra assim o terceiro bloco do programa. Fazemos um rápido intervalo, viramos a chavinha da cabeça e na volta, Kinder Ovo. Já voltamos.

Fernando de Barros e Silva: Muito bem, estamos de volta. Agora é o momento da alegria da diretora. Mari Faria, solta aí, mas aumenta o volume porque eu estou aqui em desvantagem. Eu tenho sempre esse álibi para fracassar. Vamos lá.

Sonora: Eu acho que é tradição do nosso país por que nós somos uma nação de homens…

Celso Rocha de Barros: Crivella!

Ana Clara Costa: Eu nem ouvi.

Fernando de Barros e Silva: A tradição de nosso país.

Sonora: Houve golpe de Estado, Sabinada, Balaiada, Farrapos, o que fosse. Até os paulistas tentaram se separar do Brasil. Como é que nós resolvemos sempre isso? Com a espada conciliadora de um coestaduano meu, chamado Luiz Alves de Lima e Silva, o popular Duque de Caxias, patrono do Exército que fazia a pacificação com a anistia.

Ana Clara Costa: Gente, o Celso falou… O cara nem tinha respirado. O primeiro respiro, ele já adivinhou.

Fernando de Barros e Silva: E ele: a Sabinada, Balaiada, Duque de Caxias.

Sonora: Quem gostar da voz do Crivella no YouTube tem a música que ele gravou basicamente elogiando o cara que chutou a Nossa Senhora. Chama-se Chute na Heresia.

Fernando de Barros e Silva: Celso, você mantendo a sua tradição, personagens duvidosos.

Celso Rocha de Barros: Olá, vocês estavam aí estudando coisa séria? Eu tava vendo, vindo do Crivella, o Figueiredo.

Fernando de Barros e Silva: Bom, para os Anais, deputado federal Marcelo Crivella, do Republicanos do Rio de Janeiro, em entrevista à CNN Brasil. Terminamos assim o Kinder. Vamos direto e reto para o melhor momento do programa Correio Elegante. Momento das cartinhas, momentos de vocês. E eu vou começar aqui com uma mensagem da Larissa dos Santos Vaz: “ouvindo esse episódio, o Fernando falando de Gesamtkunstwerk — veja só Celso, você tirou sarro de mim — me toca profundamente. Num primeiro momento, porque hoje vivo em Berlim e acabei de iniciar meu mestrado e também porque as vozes do Foro estavam lá quando me divorciei, quando me formei, aos 35 anos, quando tive um burnout, resolvi vir de vez aprender alemão na Alemanha, contando com o mestrado na barriga da galinha. Enfim, o Foro está comigo. Espero que continue. Às vezes me deixa atônita com os rumos da política mundial, mas acima de tudo, me faz sentir acompanhada e menos sozinha diante de tudo isso. É um sopro de esperança e de lucidez no meio do caos. Viel Liebe”.

Ana Clara Costa: Que legal, Larissa!

Celso Rocha de Barros: Muito legal, Larissa.

Fernando de Barros e Silva: É muito amor. Falei.

Celso Rocha de Barros: Muito bom.

Fernando de Barros e Silva: “Viel Liebe, Foro e seguimos atentos e fortes”. Um beijo para você, Larissa. Muito obrigado pela carta.

Ana Clara Costa: A Viviane PRS postou: “Eu e minhas amigas falamos muito de Foro, mas também de casamento às cegas 50 mais. Um pouco de drogas e um pouco de salada — equilíbrio que fala. Esses dias uma pororoca estranha juntou os dois. Um senhor de lataria muito prejudicada deu um fora numa mulher que dava de 10 a 0 nele. Nos gerou indignação. Uma amiga disse em alto e bom som: ‘Impressionante! Nunca é um Fernando, um Celso é sempre um senhor que claramente só lê café com Deus Pai, com essa, face achando que é alguma coisa'”. Caramba gente, eu não sei o que dizer.

Fernando de Barros e Silva: Ai, agora eu gargalhei. Muito bom!

Ana Clara Costa: Um beijo.

Fernando de Barros e Silva: Um beijo.

Celso Rocha de Barros: Valeu, Viviane! Olha só, gente, recebemos a seguinte mensagem: Amados Fernando, Ana Clara e Celso Bullet Shell, Casca de Bala. Aqui quem fala é o Não importa, o podcast, que como o nome já entrega, não tem a menor relevância nacional. A gente só existe porque toda a seriedade, inteligência e credibilidade já estão monopolizadas pelo Foro de Teresina. Sobrou pra gente a parte da irrelevância das filosofias imbecis e do constrangimento. Enquanto vocês pautam o Brasil, a gente pauta, sei lá, um bar em Botafogo. Mas saibam que somos fãs obcecados de vocês. Ouvintes de carteirinha e consideramos o Foro nosso farol. Mesmo que a gente insiste em navegar bêbado na contramão. Com carinho e toda falta de importância do mundo. Gregório e João, para quem não conhece, não importa, é o Gregório Duvivier e João Vicente. Pô, cara! Grandes ídolos, grandes caras, muitos honrados mesmo. Cara, eu adoro. Cara, eu morro de rir com o Não importa.

Ana Clara Costa: Eu também. Eu adoro.

Celso Rocha de Barros: Eu nem sou muito de ver YouTube, essas coisas, mas esse eu não perco. Cara, eu morro de rir.

Fernando de Barros e Silva: É uma delícia. Esses caras são…

Celso Rocha de Barros: Pô, brigadão, Gregório! Brigadão, João!

Ana Clara Costa: Valeu, Gregório! Valeu, João.

Fernando de Barros e Silva: Dá ciúme da inteligência desses caras. Inveja. É muito bom. Caramba! Aí, diretora, nós estamos ficando chique. Bom, assim vamos encerrando o programa de hoje por aqui. Se você gostou, não deixa de seguir e dar five stars para a gente no Spotify. Segue no Apple Podcast, na Amazon Music. Favorita, na Deezer e se inscreva no YouTube. Você encontra a transcrição do episódio no site da piauí. Foro de Teresina é uma produção do Estúdio Novelo para a revista piauí. A coordenação geral é da Bárbara Rubira. A direção é da Mari Faria, com produção e distribuição da Maria Júlia Vieira. A checagem é do Gilberto Porcidônio. A edição é da Bárbara Rubira, da Carolina Moraes e da Mari Leão. A identidade visual é da Amanda Lopes. A finalização e mixagem são do João Jabace e do Luís Rodrigues, da Pipoca Sound. Jabace e Rodrigues, que também são os intérpretes na nossa melodia tema. A coordenação digital é da Bia Ribeiro, da Emily Almeida e do Fábio Brisola. O programa de hoje foi gravado aqui na minha Choupana, em São Paulo, e no Estúdio Rastro, do grande Danny Dee, no Rio de Janeiro. Eu me despeço então dos meus amigos. Tchau, Ana.

Ana Clara Costa: Tchau, Fernando. Tchau pessoal.

Fernando de Barros e Silva: Tchau, Celso.

Celso Rocha de Barros: Valeu, Fernando. Até semana que vem.

Fernando de Barros e Silva: É isso gente! Uma ótima semana a todos e até a semana que vem.

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