Em meio ao tumulto das prisões na Operação Descontaminação, passou despercebido um personagem que, para a Polícia Federal e o Ministério Público, tem potencial para trazer à tona vários segredos ainda recônditos do esquema de corrupção em que está envolvido o ex-presidente da República Michel Temer. Trata-se de Vanderlei de Natale, dono da empreiteira Construbase, descrito pelos procuradores do Rio de Janeiro como operador de Temer.
De Natale foi uma das oito pessoas presas ontem, em caráter preventivo (outras duas tiveram decretada a prisão temporária). No pedido de prisão cautelar feito pelo MP, ele é acusado de lavar dinheiro usando a PDA Projetos e Direção Arquitetônica, empresa de fachada do coronel João Batista Lima Filho, ou coronel Lima, testa de ferro do ex-presidente Temer. A PDA não tem nenhum funcionário, e no entanto, emitiu notas fiscais de serviços durante anos para empresas ligadas ao esquema. Só a Construbase repassou 17,7 milhões de reais à PDA entre 2010 e 2015. O advogado do empreiteiro, Fernando José da Costa, nega o crime. Ele afirma que o prestador de serviços era o próprio coronel e que a PDA apenas emitiu as notas. Costa diz que vai apresentar provas de que os serviços foram prestados – mas não quis dizer quais serão elas. “Isso a defesa vai apresentar no momento oportuno.”
Nos e-mails reunidos pela investigação, De Natale é chamado de “vizinho”. Ele mora no mesmo bairro de Temer, em São Paulo, a aproximadamente quatro quadras da casa do ex-presidente. Na peça acusatória, os procuradores fluminenses dizem que De Natale intermediava os contatos do almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente da Eletronuclear, com o coronel Lima. De Natale teria sido ainda quem montou a sociedade entre a Argeplan, empresa de Lima, e uma companhia finlandesa chamada AF Consult, com especialidade em obras para instalações nucleares. Só depois dessa associação a Argeplan pôde entrar no consórcio para atuar na construção de Angra 3 – e do qual, segundo o MP, recebeu 10,8 milhões de reais sem prestar nenhum serviço.
Embora o papel de Natale na trama que levou à operação de ontem seja lateral, os investigadores acreditam que ele seja um personagem-chave no tabuleiro de Temer. Self-made man que começou como office boy e acabou comprando a firma onde trabalhava, De Natale prosperou com obras de hospitais, edifícios administrativos, viadutos e pontes para o estado de São Paulo. São da Construbase os edifícios do Instituto do Coração, Instituto do Câncer, Instituto da Criança, o Arquivo Público de São Paulo e várias obras viárias na grande São Paulo.
De Natale é amigo de décadas tanto do coronel Lima como de Temer. Segundo o seu advogado, o empreiteiro e o presidente são amigos de longa data, desde que passaram a fazer caminhada com um grupo de moradores da vizinhança. Nas eleições de 2014, o helicóptero de uma empresa de De Natale, a Juquis Agropecuária, transportou Temer em pelo menos uma viagem de campanha, entre São Paulo e a cidade de Tietê, no interior do estado. No material apreendido ontem pela PF, há um cartão de aniversário para o filho de Temer, Michelzinho, em que Natale e a mulher assinam como “tios Vanda e Vanderlei”. Em um dos depoimentos de sua delação, Lucio Funaro, operador de Eduardo Cunha, afirma ter ficado sabendo da proximidade entre Natale e Temer por volta de 2003, quando o ex-deputado controlava politicamente a Cedae, estatal de saneamento do Rio de Janeiro. Na época, segundo Funaro, Temer pediu a Eduardo Cunha que conseguisse a liberação de faturas de pagamento por obras realizadas pela Construbase para a Cedae que estavam pendentes. A proximidade era notória entre os concorrentes, que costumavam referir-se a De Natale como “o amigo do Temer”.
De Natale também tinha um relacionamento de décadas com o coronel Lima, com quem compartilhava não apenas repasses à PDA, mas também um grupo de WhatsApp das respectivas famílias, festas de casamento e viagens conjuntas para o Réveillon em Angra dos Reis e Miami. Em uma operação da Polícia Federal realizada no ano passado, foi encontrada uma planilha de emissão de notas fiscais escondida em um compartimento secreto do closet de Lima, mostrando que a Construbase fazia repasses à PDA desde 2002 e era responsável por 60% dos valores recebidos pela firma de fachada.
Considerada uma construtora de porte médio, a Construbase tem atuação concentrada em São Paulo, mas também já atuou no Amazonas, no Pará e no Rio Grande do Norte. No governo federal, sua obra mais célebre foi a participação no consórcio Novo Cenpes, que reformou o centro de pesquisas da Petrobras. Um dos diretores da construtora, Genésio Schiavinato Júnior, foi preso em 2016, na fase da Lava Jato que investigou o pagamento de propina de 41,3 milhões de reais para a obtenção da obra, contratada por 850 milhões de reais e finalizada por 1 bilhão. Além da Construbase, o consórcio era formado pelas empreiteiras OAS, Carioca, Schahin, Construcap CCPS.
De Natale e os outros presos da Operação Descontaminação terão seus pedidos de habeas corpus julgados na próxima quarta-feira pelo Tribunal Regional Federal. O advogado Fernando José da Costa argumenta, em seu pedido, que os e-mails juntados pelo braço fluminense da Lava Jato no Rio não comprovam a tese de que De Natale teve influência na formação do consórcio para a obra de Angra 3. À piauí, ele afirmou que se preparava para dar explicações sobre o caso à Justiça de São Paulo, quando foi surpreendido com a operação do Rio.