Bolsonaro teve que correr para o pronto-socorro na semana passada porque quase serrou o dedo polegar fora. Logo depois, caiu e quebrou-o em duas partes. O pronto-atendimento do seu bairro, o Jardim Mineapólis, está sem funcionar há tempos, então o jeito foi percorrer de ônibus os três quilômetros até o hospital mais próximo, na cidade de Sumaré, no interior de São Paulo. Chegando lá, teve sorte. Disse que “nunca foi tão bem atendido”. O médico era bolsonarista. As enfermeiras também.
Quando viram a assinatura na ficha de entrada, a equipe médica da Unidade de Pronto-Atendimento Municipal apressou-se a atender o “ilustre” paciente com o polegar fraturado. Não desconfiavam que, apesar do sobrenome, João Bolsonaro não é parente do candidato do PSL, e nem sequer eleitor dele. João já foi petista e ainda hoje é filiado ao partido. Fez campanha nas ruas no fim dos anos 80, nos tempos em que era pedreiro, profissão que exerceu durante quatro décadas. Hoje, aos 70 anos, está desiludido. Se não vota em Bolsonaro, tampouco vota no PT. “A política nunca me trouxe nada. Nem essa casa é minha, só o que tenho é a rua”, disse à piauí, em um encontro na frente da pequena casa onde vive, nos fundos de um boteco que é de sua esposa, no bairro da periferia de Sumaré. “E quando preciso de médico, nem o posto de saúde aqui perto funciona.”
Com renda inferior a um salário mínimo, João Bolsonaro integra a faixa mais pobre do eleitorado. As casas ao redor são também de pessoas muito pobres. E desconfiadas. Se o assunto é política, falam pouco. Com insistência até revelam em quem vão votar. Alguns dizem que será “no Lula”. Pergunto se eles sabem que o ex-presidente não está na disputa. Eles têm a informação, mas desconhecem o nome do candidato petista. Sebastiana, aposentada, que deixou o Nordeste há trinta anos, diz que Lula foi “quem trouxe dignidade” ao pobre. “Hoje em dia até cachorro viaja de avião”, disse. No começo ela não queria falar muito, mas depois saiu em uma defesa apaixonada. “Ele roubou? Roubou. Mas quem não roubou?” Sebastiana tem quatro filhos, todos com casas próprias. Pelo menos dois vão votar no Bolsonaro. “Aí é com eles, né?”
No mesmo bairro, duas ruas para cima de onde vive João, o perfil das casas começa a mudar, são mais bem-acabadas, e o eleitorado também se altera. Os mais jovens dizem que vão votar em Bolsonaro. “Este ano estou fazendo até campanha”, disse Marina, 30 anos, sentada no salão de cabeleireiro. “Aqui todo mundo é Bolsonaro”, disse o cabeleireiro, Leonardo. Recém-chegada do Ceará, Cristina, 28 anos, evangélica, ainda está em dúvida, mas, como seus irmãos e marido vão votar no Bolsonaro, ela diz que deve fazer a mesma escolha. Apesar de um convicto “não”, quando a pergunta é se ela gosta do candidato.
O retrato desses eleitores de um bairro pobre de Sumaré reflete também resultados das últimas pesquisas. Os dados mostram crescimento de Bolsonaro em todas as faixas de renda, inclusive entre os mais pobres – como mostrou o Ibope, na semana passada o candidato do PSL tinha 13% no eleitorado com renda de até um salário mínimo e passou para 19% nesta segunda-feira. No Ibope de quarta-feira, manteve o percentual. Haddad tinha 28%, oscilou para 26%, mas na quarta-feira saltou para 33% entre os eleitores mais pobres. Em agosto, quando ainda falava-se em Lula candidato, a intenção de voto entre os de menor renda era superior a 50%.
A candidatura de Jair Bolsonaro começou por conquistar eleitores de um perfil jovem e escolarizado, mas viabilizou-se de vez quando convenceu os mais pobres. Chegou ao eleitorado que, historicamente, identificava-se com o PT. Na faixa de renda entre um e dois salários mínimos, está à frente do PT. Haddad cresceu de 21% para 24% nesta semana. Mas a intenção de votos em Bolsonaro subiu na mesma proporção nessa faixa e chegou a 29% na quarta-feira. Nas rendas mais elevadas, das pessoas que recebem entre dois e cinco salários mínimos, a diferença é de cerca de 20 pontos a favor de Bolsonaro. Entre os ricos, a vantagem do PSL chegou a 40 pontos – 51% para Bolsonaro, 11% de Haddad.
Atrás entre os mais ricos, Haddad se beneficia de uma “sensação de bonança” entre classes mais baixas, um resquício dos governos de Lula. Caso de Liceu, aposentado, quando chegou a Sumaré na década de 90 morava num barraco, no mesmo terreno em que construiu uma casa pequena de tijolos, três cômodos. “Hoje eu me sinto um milionário”, disse ele. “Como o Lula não é o candidato, vou votar no comandante que ele indicou.” A algumas quadras da casa de Liceu, numa mercearia, Jane atende os clientes que não param de chegar. Pedem pão, uma cachaça, Coca-Cola. Ela cuida do comércio de sua avó. Aos 30 anos, Jane disse que “de jeito nenhum” vota em Bolsonaro. “Meu marido me batia. Imagina se ele tivesse uma arma.” Mas ela também não gosta do PT. E prefere não dizer em quem vai votar.
A algumas ruas dali, João Bolsonaro segue alheio ao que acontece na vizinhança. Com a piora na audição e visão, sai pouco. E de política diz não querer mais saber. João filiou-se ao PT em 1983, convidado por colegas da construção civil, nos dias em que erguia prédios nos arredores de Santo André e São Bernardo do Campo, até mudar-se para Sumaré, a 120 quilômetros da capital paulista. A memória de João fraqueja, e ele diz não lembrar de quando deixou de frequentar o partido. Ele continua filiado, mas no diretório do PT em Sumaré, ninguém mais lembra dele.
Quando se filiou, o pedreiro Bolsonaro se identificava com a “luta dos trabalhadores”. Foi cabo eleitoral de Lula na eleição de 1989, quando o candidato do PT perdeu para Fernando Collor. Distribuiu santinhos ao longo da primeira campanha eleitoral pós-redemocratização. Hoje ele diz ter perdido o interesse. Católico, João Bolsonaro diz que “agora o que importa é Deus”. “Sobrou a religião. Porque já faz muitos anos que me desliguei e perdi o interesse pela política.”
Pelo pouco que ouviu na tevê desta campanha, João Bolsonaro reparou nas críticas ao quase xará por declarações “contra as mulheres”. O pedreiro aposentado não gostou, disse que lembrou de sua principal preocupação atual. As crises de diabetes da sua mulher, Maria, têm se intensificado e ela anda “nervosa”. Maria passou o dia deitada e nem pôde abrir o bar, quando a piauí os visitou. O comércio anda com pouco movimento, contou o aposentado, e os clientes anotados na caderneta não pagam há tempos. “É uma crise muito grande”, comentou João Bolsonaro. “Esse governo é muito ruim. Mas nem conheço o Temer. Só de vista.”