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    O Candidato Honesto 2 avacalha de modo simplório nosso sistema de governo, no momento em que a democracia representativa, princípio fundamental da Constituição de 1988, está ameaçada

questões cinematográficas

O Candidato Honesto 2 – um pateta na Presidência da República

Filme alimenta descrença no regime político vigente de modo irresponsável

Eduardo Escorel | 04 out 2018_14h48
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A três dias do primeiro turno, enquanto treze candidatos vivem as angústias prévias à eleição presidencial deste domingo, temos dois presidentes eleitos nas telas dos cinemas, ambos vivendo suas próprias agonias – um, o paciente Tancredo Neves, não chega a tomar posse; o outro, o pateta João Ernesto Ribamar (Leandro Hassum), personagem principal de O Candidato Honesto 2, após cumprir quatro anos de prisão é eleito e empossado, mas tem seu mandato abreviado pelo processo de impeachment. No final do filme, Ribamar declara ter tentado ser honesto sem conseguir e acaba de tornozeleira eletrônica.

Lastreado nos mais de 2 milhões de espectadores de O Candidato Honesto (2014), do qual O Candidato Honesto 2 é uma sequela realizada pelo mesmo diretor (Roberto Santucci) e roteirista (Paulo Cursino), o filme agora em exibição procura bisar o anterior, inclusive seu sucesso comercial, optando pela mesma estratégia de lançamento na tentativa de obter resultado de bilheteria equivalente.


Segundo filme brasileiro mais visto de 2014, O Candidato Honesto foi lançado três dias antes do primeiro turno da eleição de 5 de outubro, no qual Dilma Rousseff e Aécio Neves passaram para o segundo turno. Em 26 de outubro, quando a candidata do presidente Lula foi eleita presidente da República com 51,64% dos votos válidos, pouco mais de 1,8 milhão de espectadores já haviam assistido ao filme.


Desta vez, sua sequência estreou na véspera do início da chamada propaganda eleitoral gratuita, em 600 cinemas e, até 30 de setembro, após cinco fins de semana em cartaz, com circuito reduzido para 179 salas, havia acumulado público de 543 046 pessoas, segundo dados do portal Filme B – resultado aquém do obtido em 2014, mas mesmo assim expressivo quando comparado ao de produções como O Paciente – O Caso Tancredo Neves, que alcançou 35 163 espectadores na sua terceira semana em exibição, com o circuito reduzido a 28 cinemas.


No caso dos dois O Candidato Honesto, em especial com relação ao primeiro, parece ter sido acertado, do ponto de vista comercial, lançar os filmes durante as campanhas presidenciais, oferecendo ao espectador paródias grosseiras do que ocorre na chamada vida real, ocupando amplo espaço em todas as mídias jornalísticas.
Para um cinema, como o brasileiro, deficiente em refletir a quente eventos contemporâneos, ao contrário do que ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos, haveria mérito a destacar no fato de O Candidato honesto 2 ter conexão direta com a atualidade política do país, conforme Jean-Claude Bernardet propôs, em 9 de setembro, na sua página no Facebook? Para Bernardet, trata-se além do mais de uma “excelente comédia”, como escreveu doze dias depois na mesma mídia.


Será mesmo? A sincronia do tema será condição suficiente, por si só, para tornar O Candidato Honesto 2 digno de atenção? Deixando de lado a trivialidade de sua forma narrativa, baseada em uma série de situações rocambolescas e lugares-comuns, inclusive um par romântico pueril, qualquer juízo resulta inconsistente. Quanto a ser, segundo Bernardet, uma comédia, ainda por cima “excelente”, caberia mesmo exaltar dessa maneira uma paródia tola, dirigida a espectadores imaturos?


O Candidato Honesto 2 avacalha de modo simplório nosso sistema de governo, no momento em que a democracia representativa, princípio fundamental da Constituição de 1988, está ameaçada. O filme busca, desse modo, não apenas estabelecer um elo com cidadãos descrentes no regime político vigente, como alimentar essa descrença de modo irresponsável. Favorece, portanto, o candidato que parece ter conseguido se tornar representante de quem se opõem a “tudo que aí está”, mesmo sendo um veterano político profissional, no exercício do seu sétimo mandato de deputado federal e tendo sido filiado a nove partidos.


Diante desse quadro, exatamente de que Bernardet achou tanta graça ao assistir a O Candidato Honesto 2? Da vulgaridade? Das situações grotescas? Do humor escatológico? Por maior que seja seu amor ao paradoxo, não creio. Com toda certeza, Bernardet percebe a gravidade da perspectiva delineada a partir da eleição de domingo, para a qual a concepção do regime político exaltada no filme dá sua contribuição.


O Candidato honesto 2 vem ao encontro dos que conceberiam eleger um pateta como João Ernesto Ribamar, o personagem principal, para a Presidência da República. São eleitores que pertencem ao grupo dos que declaram a intenção de votar domingo em um candidato despreparado, preconceituoso, defensor da ditadura de 1964-85, contrário à legalização das drogas e do aborto, que enaltece um notório torturador e pretende promover a revisão do Estatuto do Desarmamento, para citar apenas algumas de suas características, ideias e propostas mais aberrantes.


Ao insistir em reafirmar o descrédito da política e dos políticos, como se ainda fosse preciso, o que O Candidato Honesto 2 alardeia é a noção, declarada no filme, de que só tem importância “o interesse privado de cada um” e “o Brasil que se foda!”.
João Ernesto Ribamar pertence a uma linhagem de figuras com traços cômicos, que não tem medo do ridículo, cujos antecessores mais ilustres incluem Benito Mussolini, Adolf Hitler, Silvio Berlusconi e Donald Trump – é mesmo alguém dessa família que elegeremos para a Presidência da República?


Certamente, o filme não será em si mesmo decisivo para eleger ou deixar de eleger alguém. A questão que se coloca é outra – o comentarista é capaz de indicar ao espectador os interesses aos quais O Candidato Honesto 2 presta serviço e situar o local correto que cabe ao filme?

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