Simon Bolívar teve uma trajetória humana e militar que parece hoje quase inimaginável. Num período de menos de vinte anos, o "Libertador” lutou pela independência de metade dos atuais estados da América do Sul de colonização espanhola, sendo hoje reverenciado como prócer máximo, não só na Venezuela, mas também na Colômbia, no Peru, na Bolívia e no Equador.
A carta reproduzida nesta página data de dois anos antes de sua morte. É toda de punho e letra do general, mas escrita na terceira pessoa, como era comum em seu tempo. Em maio de 1828, quando escreveu a carta, Bolívar era um homem cansado por mais de dez anos de guerra que regressou a Bogotá passando por Caracas, sua cidade natal. Após várias campanhas militares que o retiveram em muitas regiões do continente, Bolívar retomou finalmente contato com os diplomatas acreditados junto a seu governo.
Entre todos os enviados das potências estrangeiras que agora reconheciam a independência das antigas colônias, o representante inglês era sem dúvida o mais importante, e Bolívar decidiu fazer em seu favor um gesto surpreendente: oferecer-lhe seu próprio cavalo!
A iniciativa pode ter partido apenas duma simpatia pessoal, quando o grande líder militar escreve:
“O General Bolívar toma a liberdade de oferecer [ao senhor Alexandre Cockburn] o seu cavalo, que o serviu durante toda a campanha no Peru. Este animal não tem outra distinção senão a de ter levado seu dono no combate aos inimigos da pátria. O general Bolívar espera do senhor Cockburn o favor de aceitar este pequeno testemunho de sua amizade”.
Não faltariam estudiosos do período para considerar hoje como um gesto de extrema subserviência o fato de Bolívar oferecer seu próprio cavalo para o embaixador da maior potência estrangeira da época. A explicação talvez seja mais linear: numa manifestação de sua personalidade arrebatada, o presidente da então chamada Grã-Colômbia (talvez cansado de seu velho cavalo), quis protagonizar gesto espontâneo, mas que se revestiu – aos olhos de hoje – de carga simbólica inequívoca.