“O cinema brasileiro vai bem?” Essa é a pergunta feita no título do artigo publicado no portal Carta Maior, assinado por Amanda Coutinho, doutoranda de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A indagação é retórica, pois que a resposta negativa está implícita – a análise do suposto “do cinema nacional” refuta o “discurso quase consensual de que ‘o cinema brasileiro vai bem’”.
O diagnóstico de Amanda Coutinho tem o grande mérito de ser correto. Pouco convincente, porém, são os sintomas apontados como responsáveis pelo fato do cinema brasileiro ir mal – uma suposta “privatização neoliberal” que teria propiciado “a entrada das Organizações Globo no mercado cinematográfico brasileiro”, levando à “troca de elites no meio cinematográfico: de Hollywood para Globo Filmes, quer dizer, do capital internacional para o grande capital nacional articulado internacionalmente”.
Se não há dúvida, como o artigo afirma, que o mercado cinematográfico apresenta alta concentração; o crescimento do parque exibidor coincide com a expansão dos shopping centers; o preço médio do ingresso cresceu 28% nos últimos anos etc. – ou seja, que o cinema se tornou um entretenimento elitizado e poucos títulos respondem pelo maior percentual de participação na receita de bilheteria, atribuir a responsabilidade pela situação atual do cinema brasileiro à influência das Organizações Globo, confunde efeito com causa. A Globo Filmes é beneficiária de um modelo, sem ser, porém, responsável por sua vigência.
Defender, por outro lado, o aumento do “investimento público direto” no cinema, como faz Amanda Coutinho, minimiza o forte vínculo existente entre a extrema dependência do Estado e o fato do cinema brasileiro não ir bem.
A autora refere-se ao “governo brasileiro” e à “política pública cultural”, aos quais atribui uma opção pelo “fundamento da privatização neoliberal” por “estimular a cultura nacional por meio de leis de incentivo fiscal ao patrocínio privado”. Mas deixa de nomear diretamente a Secretaria do Audiovisual (SAv) do Ministério da Cultura e a Agência Nacional de Cinema (Ancine), que deveriam ser executoras da política e reguladoras da atividade cinematográfica no País. O que tem havido, na SAv, é inoperância e incompetência (no caso da Cinemateca Brasileira). E na Ancine, atuação baseada em lógica economicista, aliada à hipertrofia burocrática, agravadas pelo acúmulo das funções reguladoras e de fomento, que leva, em primeiro lugar, ao favorecimento das grandes distribuidoras americanas sem fortalecer as empresas produtoras.
A Ancine tornou possível parafrasear a máxima do período mais tenebroso da ditadura: A economia cinematográfica nacional vai bem, mas o cinema brasileiro vai mal. Em um dos “dez maiores mercados de cinema do mundo”, de um lado são produzidos raros filmes de mérito e recursos são desperdiçados em produções de baixa qualidade; cineastas e produtores independentes enfrentam obstáculos quase intransponíveis para realizarem seus projetos.
Amanda Coutinho deixa também de indicar a ironia do que ela chama de “fundamento da privatização neoliberal” ter sido consolidado ao longo das Presidências do PT, tendo à frente Lula e Dilma. Foi nesse período que a Ancine passou a concentrar recursos nunca antes disponíveis para a atividade cinematográfica, sem ter propiciado nem o surgimento de um setor produtivo independente do Estado, muito menos uma produção expressiva de valor artístico.
A irrelevância cultural e econômica do cinema brasileiro atual, tanto no mercado interno quanto externo, ao contrário do que Amanda Coutinho sugere, não é fruto de uma processo de “privatização neoliberal”, nem será modificado simplesmente aumentando o financiamento público ao setor. Alterar esse quadro depende do redirecionamento do projeto político do Estado, passando por uma reordenação da SAv e da Ancine, voltada para uma regulação efetiva do mercado, redefinição dos termos de competição do filme brasileiro no mercado interno, incentivo à inovação e criatividade, reconhecimento do mérito artístico, mecanismos de financiamento ágeis, simplificação de trâmites burocráticos etc. Sem falar na necessidade de criar uma autarquia que se ocupe do fomento à atividade.
Amanda Coutinho acerta o alvo ao apontar a necessidade “de discutir critérios de políticas públicas para o setor” mas aposta alto demais nas iniciativas dos governos estaduais, em particular nas tomadas em Pernambuco, que podem incorrer nas mesmas distorções ocorridas em outros estados e no plano federal.