O ambiente literário e intelectual do Rio de Janeiro no final do século XIX podia até ser considerado fervilhante, mas não deixava de emanar, previsivelmente, ares provincianos. Era vivo o contraste entre, por um lado, a vida artística e intelectual dos grandes centros europeus e, por outro, a modesta e esforçada atmosfera cultural da capital do Brasil, alimentada por uma influência estrangeira avassaladora, sobretudo francesa.
O Clube Beethoven, que hoje talvez fosse identificado como um centro cultural, foi criado em 1882 por um grupo de intelectuais que, reunidos num antigo cassino, jogavam xadrez, conversavam e exerciam outras atividades ligadas a seus interesses. Durante quatorze anos, a associação abrigou saraus no distinto bairro da Glória, onde ficava sua sede.
O clube teve sócios ilustres como o caricaturista e ceramista português Raphael Bordallo Pinheiro, autor da gigantesca Jarra Beethoven em cerâmica branca. Admiradíssima na época, a peça foi oferecida como prêmio em um concurso e é hoje conservada no Museu de Belas Artes. De todos os membros do grêmio recreativo, o mais ilustre foi, sem dúvida, o sócio-bibliotecário, Joaquim Maria Machado de Assis.
Para dar-se certa importância, o clube resolveu outorgar diplomas de membros honorários ou membros correspondentes a grandes figuras das letras e das artes fora do Brasil.
O documento aqui reproduzido é o diploma concedido ao famoso compositor francês Charles Gounod, autor da ópera Faust, que ainda integra o repertório das maiores casas de espetáculo do mundo.
O diploma é encabeçado por uma bela gravura idealizada da cabeça de Beethoven, e traz as assinaturas dos diretores do clube, entre os quais Machado de Assis, o único que a posteridade poupou do esquecimento.
Gounod deve ter recebido o diploma mandado para Paris como apenas mais uma das inúmeras homenagens que constantemente lhe enviavam da França e de todo o mundo, famoso como era.
Não é possível precisar se o diploma foi conservado por seus descendentes ou sabe-se lá por quantas mãos terá passado nessas quatorze décadas. Seu atual detentor acabou por adquiri-lo há cinco anos, de um livreiro parisiense que teve o mérito de reconhecer a assinatura de nosso mais famoso escritor.