Se fosse contabilizado como festa, o desfile de blindados na manhã da terça-feira, 10, em Brasília, se somaria a uma fatia específica do orçamento militar – aquela destinada a festividades. Só com o que é destinado a festas, os militares já receberam um total que já ultrapassa em duas vezes e meia os gastos comprometidos até o momento com o monitoramento do desmatamento e das queimadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Apesar da fumaça que os velhos blindados espalharam ao passarem na frente do Palácio do Planalto, não é pouco o que os militares gastam.
O Ministério da Defesa tem o segundo maior orçamento de investimentos de toda a Esplanada, embora o governo do ex-capitão invista nas Forças Armadas proporcionalmente menos que os governos petistas, sobretudo entre 2007 e 2015, mostra levantamento feito pela piauí com base em dados do Tesouro Nacional.
Em 2021, o Ministério da Defesa dispõe de 6,8 bilhões de reais para investimentos. Só fica atrás em volume de investimentos do Ministério do Desenvolvimento Regional, que abriga a maior parte das obras de interesse dos parlamentares. Sob Bolsonaro, investe-se mais em defesa do que em infraestrutura, saúde ou educação.
Mas os investimentos das Forças Armadas representam menos de 7% do gasto total do Ministério da Defesa, pressionado sobretudo pelo pagamento de salários, aposentadorias e pensões a militares e seus familiares. Em 2012, os investimentos representavam mais de 19% do total de gastos da pasta. O aumento das despesas com pessoal, que ultrapassam 79 bilhões de reais neste ano, comprimiu os investimentos.
No alto da rampa do Palácio do Planalto, com vista para a praça dos Três Poderes, o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, e os comandantes militares protagonizaram a cena inédita de acompanhar o desfile para a entrega do convite para uma operação da Marinha em 16 de agosto, em Formosa (GO). A operação de treinamento dos fuzileiros navais se repete desde 1988, mas irá mobilizar neste ano 2.500 militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. O comando da Marinha divulgou nota para negar que a entrega simbólica do convite a Bolsonaro tenha sido planejada para acontecer no mesmo dia em que a Câmara votaria a emenda constitucional do voto impresso, defendido publicamente por Bolsonaro e seu ministro da Defesa. Questionados pela piauí, o ministério e o comando da Marinha não informaram o custo da operação Formosa, nem se o desfile por Brasília havia representado gasto extra. A conta com festividades já soma pouco mais de 2,4 milhões de reais neste ano.
Os blindados que desfilaram na Esplanada, como o austríaco Kürassier, que soltou fumaça, não representam os equipamentos das Forças Armadas, atesta o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann. Ele comandou a pasta entre maio de 2016 e fevereiro de 2018 e lembrou que a 3ª Divisão do Exército, em Santa Maria (RS), tem de 250 a 280 tanques Leopard, de fabricação alemã, “provavelmente a maior unidade blindada na América do Sul”. A piauí perguntou a Jungmann como ele explicaria o mau estado dos blindados exibidos. “Não acho que tenha sido proposital, acho que foi improvisação.”
“A performance bisonha e fumaceira dos blindados tem a ver com carência de manutenção”, avalia o também ex-ministro Celso Amorim, diplomata que comandou os militares de agosto de 2011 a janeiro de 2015. O Tesouro Nacional registrava até terça-feira compromisso de gastos de 61,5 milhões de reais com a manutenção de veículos militares, como os blindados da Marinha. Esse valor equivale a mais de 23 vezes todo o orçamento do Inpe para monitorar desmatamento e queimadas e quase 65 vezes o que o instituto já comprometeu de gastos até aqui, mediante empenhos.
Os gastos com manutenção de veículos são maiores do que com festividades militares, mas estão abaixo daqueles destinados à compra de explosivos e munições (158 milhões de reais) e ao reparo de aeronaves (821,5 milhões de reais), também de acordo com o Tesouro Nacional.
Jungmann e Amorim concordam que os investimentos das Forças Armadas, embora elevados, vêm sendo pressionados por aumentos de gastos com pessoal. “Gastam muito com pensões”, diz o ex-ministro de Dilma Rousseff. Em 2021, as pensões militares custarão 22,3 bilhões de reais. “O gasto em pessoal é muito além da média mundial”, insiste Jungmann, ex-ministro de Michel Temer. Juntando as pensões aos pagamentos de militares ativos e inativos, chega-se a pouco mais de 79 bilhões de reais. Esse valor equivale a mais do que o dobro do custo do programa Bolsa Família neste ano. Ou ainda, é 19% maior do que o pagamento de pessoal do Ministério da Educação.
O Ministério da Defesa não respondeu se os blindados exibidos na manhã de terça representavam o potencial militar. Um cacique do Centrão, ao ver o desfile da fumaça, interpretou: “É uma forma de eles pedirem mais dinheiro no Orçamento para a Defesa.”
Não se sabe se serviam de fato para reforçar os pedidos por mais dinheiro para os militares, já manifestados publicamente pelo atual ministro da Defesa, Braga Netto. Em audiência na comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, em maio, o general reclamou da falta de verbas no Orçamento deste ano. “O problema da Defesa é este: o Orçamento. Com a Lei Orçamentária de 2021, com o bloqueio [orçamentário], temos um déficit que estamos procurando sanar junto ao Ministério da Economia.”
Os mais caros investimentos em curso nas Forças Armadas foram iniciados nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. É o caso da compra dos caças suecos Gripen, que prevê desembolsos de 1,3 bilhão de reais em 2021 e eleva a Aeronáutica à força que mais investe no ano (2,9 bilhões de reais). Na Marinha, a construção de submarinos convencionais e com propulsão nuclear lidera os investimentos de 1,8 bilhão de reais. O Exército investirá 500 milhões a menos que a Marinha e tem como principal projeto o Guarani, de blindados para transporte de tropas e combate.
Sob Bolsonaro, o governo gastou 7,6 bilhões de reais no primeiro ano de mandato para capitalizar a Emgepron (Empresa Gerencial de Projetos Navais), estatal criada para construir corvetas da classe Tamandaré. Mas a gestão do ex-capitão tem sido marcada mais pela defesa de interesses corporativos, que alavancou sua carreira política. Os gastos com pessoal em 2021 consomem quase 8 a cada 10 reais do orçamento do Ministério da Defesa, o mais alto percentual desde 2000, de acordo com dados do Tesouro Nacional.