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O dilema de Bolsonaro

A fuga dos debates e o risco de pregar apenas para convertidos

José Roberto de Toledo | 23 ago 2018_11h44
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Excepcionalmente nesta sexta a coluna de Fernando de Barros e Silva não será publicada

A notícia chegou tarde, já no fim da noite, e não sei se tirou o sono de algum candidato. Certamente, tirou o meu. Menos pelas suas consequências práticas do que pelo dilema de causalidade que ela embute. Jair Bolsonaro – diz o chefe do seu partido – não participará mais de debates. A justificativa declarada pouco importa. Líderes de corrida eleitoral ameaçaram, ameaçam e ameaçarão não debater. É do jogo. Minha insônia tem outra causa.

O sono foi roubado pela busca de resposta a uma questão: quem alcança um quinto das intenções de voto em uma eleição disputada, dispersa e incerta como a atual sucessão presidencial brasileira deve preservar essa fatia do eleitorado a qualquer custo para chegar mesmo que raspando ao segundo turno? Ou é melhor se expor para tentar ampliar sua vantagem temporária? Pensando em termos militares: é hora de atacar ou de defender?

Como nunca serei candidato nem a síndico de condomínio, trata-se de exercício virtual. Colocar-se no lugar dos outros é sempre útil para tentar entender o xadrez político. Antes, porém, um aviso: junto com o Poder360, a piauí promove o debate presidencial que ocorrerá dia 18 de setembro às 10 horas, via YouTube, entre os cinco candidatos mais bem colocados. Convidamos Bolsonaro para ir a esse debate. Viés todos temos, reconhecê-los é parte do processo para não virar refém deles.

O recado de que Bolsonaro deixaria os debates de lado veio depois de ele sofrer um revés em confronto com Marina Silva, no encontro dos presidenciáveis de sexta passada. Seria essa a causa? O militar reformado tinha saído ileso do debate anterior. A carraspana de Marina foi dolorida porque mirou o ponto fraco de Bolsonaro, o eleitorado feminino. Entre as mulheres, ele tem até 75% menos votos que entre homens, dependendo do estado. Mas não só isso mudou na campanha presidencial durante esse período.

As redes de tevê aberta passaram a fazer sua cobertura anódina, insípida e indolor da eleição. Bolsonaro começou a ter exposição garantida nos telejornais – se não de maneira positiva, no mínimo neutra, o que dá na mesma, porque não implica risco.

Logo, por que Bolsonaro deveria dar chance de tomar outra invertida em debates futuros se ele já tem sua cara mostrada na tela diariamente e de maneira relativamente segura? Por que não jogar na defensiva se acha que está ganhando o jogo? É um erro comum entre candidatos que disputam uma eleição majoritária após vitórias sucessivas em campanhas proporcionais, como as de deputado ou vereador. Se assemelha a subir da segundona.

No futebol, é quase irresistível a tentação de um time pequeno recuar os atacantes e colocar todos os jogadores dentro de sua área de defesa quando faz 1 x 0 ainda no primeiro tempo. Talvez por isso, raramente deixem de ser times pequenos. Na eleição para cargos que demandam maioria absoluta de votos é igual.

Parece muito mais fácil, confortável e seguro fazer campanha apenas nos redutos já favoráveis ao candidato. Aumenta a autoconfiança sair na rua onde se tem certeza de que será bem recebido. Dá a impressão de que a disputa está no papo.

Levando-se esse raciocínio ao limite, Bolsonaro só deveria fazer campanha em Roraima, onde, segundo o Ibope, ele seria eleito já no primeiro turno, com 53% dos votos válidos. O problema disso é que os roraimenses constituem o menor colégio eleitoral entre as 27 unidades da Federação. Ganhar lá só vale alguma coisa para quem é candidato a governador. Por enquanto, é o primeiro e o único lugar onde Bolsonaro venceria a eleição no primeiro turno.

Apesar de gostar de ir a Boa Vista muito mais do que seus concorrentes, não é só o que o candidato do PSL tem feito, ressalve-se. Bolsonaro faz campanha em muitos outros lugares mais populosos. Mas sua agenda revela predileção por cidades como Araçatuba, no extremo oeste do interior de São Paulo, onde o militar reformado é recebido com festa e já lidera a disputa.

Ora, não é isso também o que faz Fernando Haddad, o candidato proxy de Lula? O petista não concentra sua agenda de campanha de falso vice em cidades como João Pessoa, na Paraíba, onde o ex-presidente se elegeria já no primeiro turno? Essa é a diferença fundamental: Lula se elegeria, Haddad não pagaria placê (não está nem em segundo lugar, para você que nunca apostou em cavalos e está se perguntando o que significa “pagar placê”).

A diferença entre os candidatos do PT e do PSL é que o primeiro ainda precisa se fazer conhecido no território lulista, enquanto o segundo já saturou nos redutos onde tem bom desempenho. Se insistir em jogar na defesa, fazer campanha para convertidos, ir aonde já tem votos garantidos, Bolsonaro dificilmente marcará mais gols. Na melhor das hipóteses, vai ganhar essa partida por 1 x 0. Na retranca, não ganhará o campeonato, porém.

Com ou sem sua participação em debates, a rejeição a Bolsonaro cresce igual. Repetir o mesmo discurso, fazer as mesmas propostas para agradar público cativo pode até levá-lo ao segundo turno – se os adversários não marcarem seus próprios gols. Mas a repetição não vai ampliar seus votos. E sem crescer seu eleitorado feminino, o capitão no máximo pagará placê (lembrou?) numa eleição em que as mulheres são a maioria.

Minha conclusão ao final da noite em claro é que só eu devo ter perdido o sono com o anúncio de que Bolsonaro não participará mais de debates (mesmo isso pode mudar amanhã). Seus adversários devem ter dormido satisfeitos. O tal dilema de causalidade se resolve por inversão. Não é a participação em debates que tirará Bolsonaro do segundo turno; a prematura convicção de que está no segundo turno é que pode tirar Bolsonaro dos debates.

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