Sábado de manhã me vi preso em casa, à espera de um prestador de serviço que ficou de chegar entre oito horas e meio-dia. Decidi dividir o tempo: de oito às dez li boa parte de Nove Noites, romance de Bernardo Carvalho lançado no início do século; de dez ao meio-dia, desconsiderando a razão e flertando com a insanidade, troquei Chelsea e Arsenal por São Bento de Sorocaba e Red Bull de Campinas.
Um dia antes, um amigo sorocabano, ótimo redator companheiro de trabalho, me garantiu que no sábado haveria festa no interior, fagulhas, pontas de agulhas etc. e tal, pelo menos em Sorocaba, para comemorar o retorno do tradicional São Bento à primeira divisão do futebol paulista.
Deixei Chelsea e Arsenal de lado, liguei na RedeTV e, juro, não me arrependi. Foi um bom jogo, mas perdeu de longe para a transmissão, comandada pelo impagável Silvio Luiz e repleta de toques pitorescos.
Pra começar, o jogo era em Sorocaba, mas narrador e comentaristas – Bruno Prado e Maurício Capela – estavam na emissora, em Osasco. Sim, vemos isso acontecer com frequência, só que em partidas em outros continentes. De Osasco a Sorocaba são menos de 70 km, mas apenas o repórter Luiz Ceará estava no Estádio Municipal Walter Ribeiro.
Silvio Luiz mandou o magistral repertório dos tempos de “Bandeirantes, o canal do esporte”. Acerta o seu aí que eu arredondo o meu aqui. Olho no lance! No pau! Ninguém é de ninguém em Sorocaba. Meteu o azeite nela. Balançou o capim no fundo do gol do São Bento. E também trouxe novidades – pelo menos pra mim, que há muito tempo não via um jogo narrado por ele. Uma das novas: “Não fica brincando na cozinha que você acaba sujando o avental.” Outra: “Realmente, ele tem pé esquerdo. Claro que tem, porque se não tivesse ele seria um saci.”
Feito o centroavante Walter, nos tempos de Goiás, o homem deitou e rolou. Ao comentar uma informação vinda do sistema de som do estádio, caprichou na pronúncia e elogiou o bonito vozeirão do “announcer”, para logo depois perguntar aos companheiros de equipe se a tradução de red bull era “touro louco”.
Por falar em Walter, é verdade que a transmissão errou feio ao praticar bullying ostensivo sobre um pesado adolescente mostrado pela câmera dezesseis vezes – eu contei –, em imagens sempre acompanhadas de piadas de péssimo gosto. Está certo que futebol e gozação são inseparáveis, e o blog não tem a menor intenção de abraçar o politicamente correto, mas ali eles perderam a mão. Por outro lado, acertaram ao pegar no pé do treinador do São Bento, Paulo Roberto Santos, um pastiche de Vanderlei Luxemburgo, que ele tenta reproduzir no jeito de vestir e no linguajar. Se bem que não foi possível ouvir a opinião do técnico quando o jogo acabou: reclamando de tudo e de todos, no melhor estilo Luxa, Paulo Roberto foi expulso no comecinho do segundo tempo.
Há dois tipos de narradores que deixam mais interessantes os jogos de futebol na tevê: os que trazem informações novas e os que divertem. O problema dos informativos é que esse espaço foi ocupado pela internet, onde encontramos tudo o que queremos saber. Silvio Luiz joga no time dos que preferem se divertir e divertir a audiência, e a impressão que a gente tem é de que ele está se lixando para o que acontece em campo. E a equipe segue o líder. Quando o Red Bull fez o terceiro gol – o São Bento perdeu por três a um, e a festa do meu amigo sorocabano teve que ser adiada –, houve um princípio de confusão e Luiz Ceará informou que “o médico do São Bento chamou todo mundo do Red Bull de filho da Tuta, que deve ser o nome de uma senhora lá de Campinas”. Genial.
O prestador de serviço que ficou de aparecer lá em casa não deu as caras, mas não considerei a manhã de sábado perdida. O livro do Bernardo Carvalho é bem bom, e ver Silvio Luiz narrar um jogo no interior de São Paulo é uma delícia.