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    Arruda em 2010: ele entrou para a história como o primeiro governador preso no exercício do mandato. FOTO: JOSÉ CRUZ_AGÊNCIA BRASIL

questões de Brasília

O enterro da fênix

Ele violou o painel do Senado e renunciou. Filmado recebendo propina, foi afastado e cassado. José Roberto Arruda foi pego mais uma vez. Será a última?

Carol Pires | 24 maio 2017_16h05
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José Roberto Arruda era tido como a fênix da política brasiliense. Líder do governo Fernando Henrique Cardoso no Senado, ele era um dos principais nomes da cúpula tucana nacional quando foi forçado a renunciar, em 2001, por fraudar o painel de votação de uma sessão secreta. O escândalo – que o fez andar de boné para não ser reconhecido pelas ruas de Brasília – não impediu que seu nome fosse rapidamente refeito entre os eleitores. Arruda se elegeu em primeiro turno como governador em 2006 e protagonizou um ressurgimento inesperado até mesmo entre os aliados. Antes de terminar o mandato, porém, outra queda: gravado em vídeo recebendo dinheiro de propina, ele foi investigado, preso e teve a carreira interrompida. Era a segunda morte de Arruda, que precedeu seu segundo ressurgimento. Ele não só voltaria à vida pública como o faria em grande estilo: usando a cantilena de que sua prisão fora um golpe tramado pelo PT, chegou a liderar as pesquisas para governador de Brasília em 2014. Quando estava para ser eleito, foi barrado pela Lei da Ficha Limpa. A essa altura, todos sabiam que o retorno da fênix de Brasília era questão de tempo. Quando se preparava para ressuscitar de sua terceira morte política, os agentes da Polícia Federal o prenderam, na última terça-feira, enterrando de vez suas pretensões ao menos por enquanto.

Os ressurgimentos de Arruda guardam cenas de ousadia e um tanto de diletantismo. Quando tentou voltar ao poder em 2014, ele se lançou à sucessão de Agnelo Queiroz, então governador pelo Partido dos Trabalhadores, mesmo sob o risco de ter a candidatura impugnada pelo Tribunal Regional Eleitoral, com base na Lei da Ficha Limpa. “Meu sonho é voltar pelos braços do povo para o cargo de onde me tiraram na covardia”, bradou no dia do lançamento de sua candidatura, pelo Partido da República. Ele estava bronzeado e com a barba feita, prostrado em uma quadra esportiva em Taguatinga, uma das maiores cidades do Distrito Federal – onde apoiadores, políticos locais e bois ocupavam o mesmo espaço. Bem diferente da última vez que havia sido visto em público, em 2010, quando deixava a Superintendência da Polícia Federal em Brasília sentado no banco de trás de uma caminhonete – barbudo e cabisbaixo, abraçado à mulher, Flávia, depois de 60 dias preso, acusado de chefiar o que ficou conhecido como Mensalão do DEM.

Naquela quadra em Taguatinga, Arruda foi ovacionado ao lado de conhecidas raposas da política local: o então candidato ao Senado Gim Argello (preso em Curitiba, condenado pela Lava Jato), o ex-senador Luiz Estevão (que cumpre pena na Papuda, condenado pelo desvio de verbas da Justiça do Trabalho em esquema com o juiz Nicolau dos Santos Neto) e as filhas de Joaquim Roriz, pai político de todos eles, hoje com 80 anos e doente renal crônico.

Antes de receber sua mais recente visita da Polícia Federal, Arruda dava aulas de sistemas elétricos em uma faculdade de Engenharia em Brasília. As horas de cátedra não o impossibilitavam de atuar nos bastidores da política. Impedido de se candidatar, costurava entre seu grupo político uma união em torno do nome de Tadeu Filippelli (PMDB) para governador em 2018. Filippelli é assessor especial do presidente Michel Temer. Arruda também chegou a articular o nome do ex-deputado distrital Alírio Neto (PTB) para a vaga, por se tratar de um nome menos queimado na cidade, mas no último arranjo ficara combinado que Neto sairia para deputado federal na chapa.

Por muitos anos, o político temeu os holofotes. Recentemente, no entanto, ele se movimentava para voltar a falar com a imprensa. Queria provar incongruências no processo que o colocou na cadeia em 2010. Na última vez que o vi, no ano passado, na universidade onde ele dava aulas, ele não quis admitir o desejo de voltar à política, mas confessou que, ao tomar banho, “ficava imaginando o que faria se ainda estivesse no Congresso”.

A atuação nos bastidores sempre foi seu forte, e assim se reergueu todas as vezes que caiu por causa de escândalos. Os episódios de um passado hoje remoto mostram sua habilidade em costuras e conchavos. No primeiro capítulo de sua vida pública, como líder do governo Fernando Henrique Cardoso no Senado, era um dos mais combativos nas coxias e “muito ligado ao presidente”, como me disse certa vez. Estava no ápice quando teve que renunciar, acuado pelas notícias de que tinha fraudado o painel de votação do Casa para saber como votaram os senadores na sessão que cassou o mandato do senador Luiz Estevão. Acusado de receptar parte do dinheiro desviado da construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, Estevão era adversário de Arruda em Brasília. Os rivais terminariam aliados quando ambos já estavam no ostracismo. “Na política, não existe amigo e inimigo. São aliados e adversários”, me disse Estevão em 2014, quando subiram no mesmo palanque. Na sua despedida do Senado, a fênix anunciou: “Não é o fim. É um novo começo. Até logo.”

Afastado do dia a dia da política, ele me contou ter entrado em depressão. Fez terapia, meditação e acupuntura, e voltou a trabalhar na CEB, a companhia de energia onde começou a carreira aos 21 anos, quando chegou da mineira Itajubá, onde nasceu. Foi lá que fez a fama que o impulsionaria nas urnas. Um amigo dele lembra exatamente o dia em que se recuperou da fase depressiva. O Gama, time de futebol de Brasília, jogava contra o Santos na capital federal, e os dois foram à partida. Arruda estava de boné. De costas para o público, encostados no alambrado, ouviram a reação de um torcedor quando o Santos marcou o primeiro gol: “Ô, Arruda, mexe no placar!” Arruda confirmou a história. “Quando eu consegui rir daquilo, percebi que estava curado.”

De volta à planície, passou a visitar seus eleitores na periferia do Distrito Federal. Era 2002, e sua imagem entre os moradores distantes do coração do poder e da mídia ainda era boa. A cada um, repetia o mantra que lançou na sua despedida do Senado: “Não roubei, não matei, não desviei dinheiro público, mas cometi um grande erro, talvez o maior da minha vida.” Deu certo. Foi eleito pelo então PFL, proporcionalmente, o deputado mais votado do país.

Na eleição seguinte, virou governador e chegou a bater 74% de aprovação popular. Arruda tinha trocado o PSDB pelo DEM e era uma das estrelas do partido. Chegou a ser sondado para ocupar a vaga de vice-presidente da República na chapa de José Serra. “Vote num careca e leve dois”, Serra certa vez sugeriu, em tom de brincadeira, como mote da campanha presidencial de 2010. A operação da Polícia Federal foi deflagrada em 27 de novembro de 2009. Antes de terminar o primeiro mandato, Arruda entrou para a história como o primeiro governador preso no exercício do mandato. A ação jogou a cidade numa espiral de crise política: o DF teve três governadores interinos até as eleições do ano seguinte.

As acusações da Operação Pandora – de que ele teria acumulado caixa dois de campanha com propinas pagas por empresários e, com elas, pago mesadas a deputados distritais em troca de apoio no governo – vinham acompanhadas de um vídeo em que Arruda aparecia recebendo um maço de dinheiro do operador do esquema. As imagens exibidas em looping nos telejornais o abateram em pleno voo.

Durante um tempo, evitava até viajar de avião com medo das reações nos aeroportos. Ia de São Paulo, para onde tinha se mudado com a mulher, a Brasília, de carro. Com o desastre do governo de Agnelo Queiroz, ele me contou ter percebido uma mudança na reação das pessoas. Não estava delirando. Candidato outra vez, agora pelo PR, chegou a ter 35% das intenções de voto antes que a Ficha Limpa solapasse suas pretensões.

Durante a campanha de 2014, acompanhei por dois meses, como repórter, as atividades públicas de Arruda. As reações de repúdio eram poucas se comparadas às de pessoas festejando seu retorno à política. Diante da paralisia do governo e a antipatia crescente com o PT de Agnelo, a lembrança do governador que havia transformado a cidade em um canteiro de obras parecia valer mais do que as denúncias de corrupção. O início das reformas do Estádio Mané Garrincha – hoje na mira da Lava Jato – era um de seus legados. Arruda já não tinha expressão política nacional, mas sua queda repete o que se viu no Rio de Janeiro: um desmonte das velhas elites políticas. Antes intocáveis, hoje vão, uma a uma, sendo presas e pressionadas a entregar comparsas.

Em uma das agendas de campanha que acompanhei antes de o Tribunal Superior Eleitoral barrar sua candidatura – que Arruda chegou a chamar de “leizinha” –, ele pedia votos para Gim Argello dizendo que seu aliado “não era mais um franguinho de granja que só sabe fazer discurso”. Aludia a José Reguffe, um político jovem, atualmente sem partido, conhecido pelos discursos em prol da ética na política, eleito senador naquele ano. “Esse aqui é frango caipira!”, dizia Arruda, apontando Argello.

Uma fonte próxima a Reguffe o cataloga como um anti-Maluf, “não rouba, mas também não faz”. Mesmo com muito discurso e pouco serviço para mostrar, hoje, no mais uma vez embaralhado cenário político de Brasília, com o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) amargando 68,2% de avaliação negativa, é o dito franguinho Reguffe quem sobe na rede de apostas como principal nome para o governo da capital em 2018. Se a fênix Arruda ressurgir, vai ter que encarar a rinha.

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