O ex-ministro Antonio Delfim Netto, que morreu em agosto passado, aos 96 anos, esteve na mira do aparato de espionagem da ditadura militar durante a época em que foi embaixador em Paris, entre 1975 e 1978. Um dos ministros mais poderosos da ditadura, ele comandou a política econômica do país por sete anos, de 1967 a 1974, e foi um dos signatários do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que levou ao endurecimento do regime. Nada disso, porém, impediu que se tornasse alvo de investigações do Centro de Informações do Exterior (Ciex), órgão criado dentro da estrutura do Ministério das Relações Exteriores, e do próprio Exército, informa Ricardo Balthazar, na edição deste mês da piauí.
O Ciex espionava opositores do governo militar e buscava informações de seu interesse fora dos canais diplomáticos oficiais. No caso de Delfim, o objetivo da vigilância seria verificar suspeitas de que ele mantinha relações promíscuas com o setor privado, favorecendo empresas e obtendo comissões na negociação de contratos de obras.
As atividades do Ciex permaneceram encobertas durante décadas. O véu foi levantado de forma definitiva no início da década passada pela Comissão Nacional da Verdade, criada no governo Dilma Rousseff para investigar violações de direitos humanos praticadas na ditadura. Com base em documentos recolhidos pelo Itamaraty no Arquivo Nacional em 2007 e digitalizados anos depois, a comissão concluiu que o Ciex cooperou ativamente com o aparato repressivo criado pelo regime, monitorando exilados políticos e até participando de sequestros.
Entre os papéis, a Comissão da Verdade encontrou a nomeação do diplomata Guy Mendes Pinheiro de Vasconcellos para fazer parte da rede de arapongas. Em 15 de maio de 1975, o chanceler Antônio Azeredo da Silveira comunicou à embaixada em Paris que o Serviço Nacional de Informações (SNI) criara um mecanismo de cooperação com o Serviço de Documentação Estrangeira e Contraespionagem (Sdece) da França para acompanhar a situação política em Portugal, que realizara as primeiras eleições depois da derrubada do regime salazarista com a Revolução dos Cravos, em 1974. Silveira disse que a transferência de um agente do SNI era impossível e, por isso, escolhera Vasconcellos para a missão, incumbindo-o de criar uma base do Ciex na capital francesa.
Em fevereiro de 2014, ao depor a integrantes da Comissão da Verdade no Rio, Vasconcellos quebrou o silêncio. Aposentado desde 2002, o diplomata disse que nunca teve qualquer interesse em Portugal. “A minha atribuição específica, dita de boca e tudo, era só para vigiar o Delfim, o Delfim Netto, quanto às negociatas”, contou. “A minha recomendação era essa, era vigiar as negociatas do Delfim e também mandar algumas bobagens sobre asilados e tal.” Segundo ele, a missão descrita pelo chanceler Silveira ao nomeá-lo era um mero disfarce: “Era uma cobertura para encobrir o verdadeiro trabalho, que era espionar o Delfim.” A piauí encontrou no arquivo pessoal de Silveira quatro telegramas secretos com os relatos sobre Delfim que o diplomata enviou de Paris.
O caso das supostas propinas foi abafado pelo regime militar, as denúncias nunca foram investigadas e nenhuma prova que as corroborasse apareceu. Mas o escândalo ressurgiu às vésperas das eleições de 1978, quando o ex-deputado federal baiano Francisco Pinto, do MDB, disse que Delfim recebera comissões como embaixador, e que sabia o banco e a conta em que os pagamentos foram efetuados. Em 1983, o assunto voltou à imprensa. Uma ex-funcionária do Itamaraty, Mariza Tupinambá, contou ao Pasquim que fora enviada a Paris porque seu amante, o ex-ministro Roberto Campos, queria que ela espionasse Delfim.
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