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O escocês da Rainha Vitória

Apesar de sua função já ser basicamente cerimonial, a Rainha Vitória detinha muito mais poder que a atual rainha Elizabeth, ainda que só tenha começado a interessar-se por política a partir do final dos anos 1870. Tivera antes, por mais de vinte anos, um conselheiro no qual confiava cegamente: seu marido, o príncipe Alberto de Saxe-Coburgo, que o casamento tornara príncipe consorte da Inglaterra. Com ele, Vitória teve nove filhos e uma vida conjugal que todos os relatos reportam feliz.

Com sua morte em 1861, a Rainha entrou em profunda depressão, com apenas quarenta e três anos. Enclausurou-se por tanto tempo que a monarquia chegou a parecer ameaçada.

| 28 jan 2014_19h49
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Rainha por quase sessenta e quatro anos do "Império onde o sol nunca se punha", Vitória assistiu ao destino da Grã Bretanha no século em que o país se tornou a maior potência mundial e adquiriu colônias na Ásia e nas Américas.

Apesar de sua função já ser basicamente cerimonial, a Rainha Vitória detinha muito mais poder que a atual rainha Elizabeth, ainda que só tenha começado a interessar-se por política a partir do final dos anos 1870. Tivera antes, por mais de vinte anos, um conselheiro no qual confiava cegamente: seu marido, o príncipe Alberto de Saxe-Coburgo, que o casamento tornara príncipe consorte da Inglaterra. Com ele, Vitória teve nove filhos e uma vida conjugal que todos os relatos reportam feliz.

Com sua morte em 1861, a Rainha entrou em profunda depressão, com apenas quarenta e três anos. Enclausurou-se por tanto tempo que a monarquia chegou a parecer ameaçada.

Após vários anos, Vitória começou a retomar gosto pela vida e escolheu como interlocutor privilegiado talvez o mais inesperado dos homens que a cercavam: seu criado escocês, John Brown, um homem rude e simples cuja franqueza terminou por encantar a soberana, que lhe confessava suas aflições mais intimas.

Não demorou para que rumores de um romance surgissem, mas não há indícios claros de que tenham sido de fato amantes.

A carta reproduzida nesta página é dirigida por Vitória a ninguém menos que o poeta Alfred Tennyson, que a Rainha havia nomeado "Poeta Laureado" da Inglaterra, uma função pública e vitalícia que tornava o agraciado uma espécie de poeta oficial do país. Mais tarde, também o faria lorde.

Profundamente impressionada pelo gênio de Tennyson, Vitoria lhe escreve uma carta surpreendente, talvez um das mais sinceras e reveladoras que a Rainha tenha enviado a algum de seus súditos. Em 1883, quando escreve esta carta, “seu melhor amigo, John Brown”, acabava de morrer.

É uma mulher de sessenta e três anos, soberana há mais de quatro décadas que revela ao poeta com espantosa simplicidade, a fragilidade que este drama lhe despertou.

Comunica-lhe sua gratidão pela última conversa que tiveram “tão franca", e confessa precisar do apoio de Tennyson.

“São poucos os que suportaram tantas tormentas como eu e ninguém se encontrou ou se encontra ainda numa posição tão excepcionalmente solitária e difícil quanto a minha”.

A rainha prossegue no mesmo tom: "O meu desejo constante foi cumprir o meu dever para o meu país, ainda que a politica nunca me tivesse sido natural. Deixava-a tanto quanto possível ao meu querido marido, enquanto ele viveu. Desde que ele me foi tomado, tive que lutar sozinha, e que lutas!”

Por especial consideração pelo poeta, a rainha declara ter preferido escrever à Tennyson "na primeira pessoa, porque a outra forma é tão afetada e é tão difícil de exprimir sentimentos na terceira pessoa”. Essa era uma deferência que Vitória quase nunca conferia a qualquer súdito.

Evoca em seguida, com grande franqueza, a figura de John Brown, seu amigo recém-falecido: “Acabo agora de perder aquele que era – ainda que muito humilde – o mais fiel e devotado de todos. Ele só pensava em mim, na minha segurança, no meu conforto, no meu bem-estar, na minha felicidade. Corajoso, modesto, totalmente desinteressado, extremamente discreto, dizia sem receios a verdade e dizia-me o acreditava ser justo e correto, sem bajulações, e sem dizer o que poderia agradar, se tal não lhe parecesse justo.

Sempre ao meu lado, fazia parte – insubstituível– da minha vida! Foi-me tirado e sinto-me novamente desolada e perdida, porque aquilo que o meu caro e fiel Brown fazia por mim, ninguém mais o pode fazer (estava a meu serviço há trinta e quatro anos e nem por um dia sequer me deixou). O consolo da minha vida cotidiana foi perdido – o vazio é terrível, a perda irreparável”.

O desespero contido no desabafo desta carta certamente traria munição para os historiadores que sustentam que a relação com Brown não foi platônica.

A carta permaneceu entre os papéis de Tennyson, dispersados por seus descendentes no final dos anos 1970 em leilão na Sotheby’s de Londres, quando foi adquirida por um grande colecionador alemão. Reoferecida num grande leilão na Alemanha nos anos 1990, foi então adquirida por seu atual detentor.

A foto foi obtida mais tarde e a inscrição, na letra de Vitoria, diz: “J. Brown o amigo dedicado da rainha”.

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