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O Farol – fantasia extravagante 

Escassez de opções e presença de Willem Dafoe levam colunista a cair no conto do “horror cósmico com toques sobrenaturais”

Eduardo Escorel | 19 fev 2020_08h03
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Na base de dados IMDb – Internet Movie Database, O Farol é classificado como “drama, fantasia, horror, mistério”, enquanto o suplemento Rio Show do Globo é mais sucinto. Limita-se a indicar que o filme de Robert Eggers é um drama. Ambos estão corretos, embora falte uma informação fundamental ao leitor que decidir assistir a O Farol baseado apenas na consulta ao jornal – sem deixar de ser um drama, o que prevalece mesmo é a fantasia extravagante de horror e mistério.

O IMDb (fonte de informação deste texto sobre a origem do projeto e as condições da filmagem) esclarece que a história é livremente inspirada em uma tragédia da vida real de 1801 em que dois faroleiros galeses, ambos chamados Thomas, ficaram presos nas dependências do farol em que trabalhavam durante uma tempestade. A morte de um dos homens teria levado o outro à loucura. Também foram influências os clássicos da literatura marítima de Herman Melville e Robert Louis Stevenson, e os contos de horror cósmico com toques sobrenaturais de H.P. Lovecraft, assim como de Algernon Blackwood.

Dificilmente eu teria ido assistir a O Farol se soubesse que é um filme de “horror cósmico com toques sobrenaturais” – gênero pelo qual não guardo o menor apreço. Mas, a escassez de opções atraentes e a participação de Willem Dafoe como um dos dois protagonistas (o outro é Robert Pattinson) pesaram na escolha e lá fui eu, inocente, sem saber o que me esperava.

Confirmei depois que meu desagrado com o gênero não é compartilhado por críticos e espectadores mundo afora. Em 2019, O Farol recebeu o prêmio da Fipresci, a Federação Internacional de Críticos de Cinema, de melhor primeiro ou segundo filme das mostras Semana da Crítica e Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes. Produzido com orçamento modesto de 4 milhões de dólares, o filme de Eggers já rendeu mais de 16 milhões de dólares no mercado mundial, em pouco mais de quatro meses. Não é nenhum blockbuster, mas está dando lucro. Aqui no Brasil, exibido em 22 cinemas, acumulou público de apenas 81 567 pessoas nas primeiras seis semanas. Na sessão em que assisti ao filme, na sala de 32 lugares, oito estavam ocupados. Pode parecer pouco, mas corresponde a taxa de ocupação de 25%, o que não é de todo ruim.

Por ser situado em 1890, decidiu-se filmar O Farol com negativo 35mm preto e branco, usando câmera Panavision e lentes Baltar que tornam o formato da imagem próximo a um quadrado – 1.19:1, para ser exato. Com a ajuda adicional de um filtro ciano fabricado sob encomenda, esse conjunto de recursos procura emular fotos do século XIX. O trabalho do diretor de fotografia Jarin Blaschke no filme o levou a concorrer ao Oscar este ano.

Willem Dafoe, Robert Pattinson, Farol
Dafoe e Pattinson em cena do filme O Farol – Reprodução

 

 A filmagem de cenas externas e algumas internas foram feitas em Cape Forchu, descrito como “um afloramento único de rochas vulcânicas”, na Nova Escócia, Canadá, onde foi construído um farol de cerca de 21 metros capaz de suportar ventos de 120 km. A maioria dos interiores, porém, foi filmada em estúdios de som e galpões nos arredores de Halifax.

Os dois protagonistas chegam de navio à Ilha do Farol, ao largo da Costa de Maine na região da Nova Inglaterra, para um turno de quatro semanas. Ficam lá sozinhos, cercados pelo mar revolto e submetidos à fúria dos ventos. Ambos se chamam Thomas – Thomas Howard (Robert Pattinson), que se faz passar por Ephraim Winslow, é o faroleiro novato; Thomas Wake (Willem Dafoe), o veterano. Um é duplo do outro, todos dois acusados de terem crimes nas costas. O que se desenrola a seguir é o embate de vida ou morte entre eles, no qual não faltam excentricidades, incluindo a vagina de uma sereia.

No início, os dois Thomas não dialogam por muito tempo. Ouvimos o gemido da sirene indicando nevoeiro. Além disso, apenas o grasnar das gaivotas, o sopro do vento, o barulho do mar e demais sons ambientes. O confronto tem início com agressões verbais, seguidas de violência física que atinge seu paroxismo em meio a fantasias delirantes.

“Eu sabia que ia ser muito mais difícil do que eu poderia imaginar, mas foi muito pior do que isso!”, Eggers declarou rindo ao jornal The Guardian. “Estávamos todos ficando loucos, isolados nessa pequena comunidade de pescadores no meio do nada […] O tempo estava ensolarado demais ou tempestuoso demais. Havia ventos com força de vendaval e chuvas geladas. O equipamento de câmera quebrou, as lentes embaçaram e as gaivotas não eram mais fáceis de trabalhar do que as cabras [referência ao seu filme anterior, A Bruxa, em que uma cabra tem atuação destacada]. Foi divertido superar desafios, mas no dia a dia não era… você sabe… divertido […]. Sinto que você precisa ser o general quando está no set. Guardei meu choro para quando estava no meu quarto de hotel […]. É chocante para mim que alguém tenha me dado apoio para fazer isso. O destino tece um fio misterioso.” 

À parte as aberrações do filme em si, a péssima qualidade do som no Estação NET Botafogo 2 prejudicou a experiência de assistir a O Farol – o que se conseguia ouvir parecia provir de uma caixa de sapato guardada no fundo de um armário do outro mundo.

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A propósito dos quatro Oscars de Parasita, ganhos há dez dias, Ana Paula Sousa trata, com a competência habitual, das “Lições do audiovisual coreano” no caderno Ilustríssima da Folha de S.Paulo de domingo (16/2). Citando artigo de Alex Braga e Luana Rufino apresentado em 2019 no Seminário Internacional de Políticas Culturais, Sousa escreve que os autores chamam a política cinematográfica brasileira no período 2008 a 2017, centrada na produção, de “‘defensiva’, enquanto consideram ‘ofensiva e estruturante’ a política sul-coreana, cujo eixo gira em torno da distribuição”. Sousa conclui, indo diretamente ao ponto: “[…] a política de cinema [no Brasil] não conseguiu, na prática, ter o que Braga e Rufino chamam de ‘concepção sistêmica’. Essa fragilidade contribui para que, a despeito de todas as vitórias recentes, o cinema brasileiro se veja refém de um governo que, além de desprezar aquilo que foi conquistado até aqui, se mostra incapaz de entender do que se fala quando falamos de cinema.”

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