A carta reproduzida nesta página foi escrita em 1629 pelo filho mais velho do famoso médico francês Michel de Nostredame, mais conhecido como Nostradamus, cujas profecias são ainda hoje objeto de intenso debate entre milhões de seguidores, algo fanatizados pela figura do “homem que antecipava o futuro”. Cesar de Nostredame foi imortalizado pela que seu pai escreveu quando o filho tinha apenas dois anos de idade, e que serviu de prefácio para suas Profecias, publicadas em 1555.
Cesar tinha treze anos quando Nostradamus morreu. Passou o resto de seus setenta e três anos de vida dominado pela lembrança do pai, de quem foi biógrafo e constante defensor, mas tentou também notabilizar-se escrevendo uma monumental História da Provença, publicada em 1614.
Quando redige esta carta em 18 de dezembro de 1629, Cesar tem apenas mais uma semana de vida pela frente, pois morreria no Natal na mesma cidade da Provença, Salon, onde havia morrido seu pai, quase seis décadas mais cedo.
Cesar dirige-se a seu primo, Pierre d’Hozier, já então, aos 36 anos, o mais famoso genealogista de seu tempo, recém-contratado pelo rei Luis XIII para uma grande pesquisa de heráldica e genealogia. Pede ao primo, agora próximo da corte, que lhe obtenha uma pensão real em reconhecimento a seu trabalho de historiador da Provença.
Mas a carta é sobretudo fascinante por descrever a epidemia de peste bubônica que assolava a região “com prodigiosos estragos e deplorável mortalidade” e que havia custado a vida ao irmão de César, Charles, “que foi encontrar Deus há poucos dias”.
Ao pedir ao primo que intercedesse por ele junto ao rei, César estava naturalmente longe de suspeitar que o mesmo destino de seu irmão o esperava na semana seguinte.
Hoje lembrado sobretudo como o destinatário da famosa Carta a César escrita por Nostradamus, o filho nada havia herdado dos poderes divinatórios do pai, pelo menos com relação à hora de sua própria morte, como revelam estas suas últimas linhas.
A carta é também notável por mencionar caluniadores da memória de Nostradamus, que Cesar passou a vida defendendo:
“Minhas realizações não me merecem o brasão que lhe aprouver inserir no seu belo e douto volume, ainda que eu deseje a oportunidade de representar dignamente o nome de meu pai, do qual impostores se querem apropriar, para roubar meu nome e meu escudo, por serem imprudentes, mentirosos, usurpadores e pilantras”.
Não há registro da sobrevivência de cartas originais de punho e letra do famoso Nostradamus. Esta longa missiva de seu filho mais querido talvez seja portanto, em mãos privadas, o documento mais próximo ao autor das célebres profecias.
As cartas de Cesar são raríssimas. Apesar de nada proféticas, estas duas folhas escritas tão perto de sua morte carregam algum peso de premonição ao evocar a epidemia na cidade vizinha de Aix, no mesmo momento em que a peste chegava à sua Salon natal para também levá-lo ao túmulo.