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    O elenco cativante do filme, que estreia nesta quinta. À esquerda, o casal Luna (Bruna Linzmeyer) e Tony (Johnny Massaro). Selton Mello (à direita) guardou para si o papel de Paco, personagem que parece periférico mas acaba se tornando central à trama

questões cinematográficas

O Filme da Minha Vida – pérola preciosa

Novo longa de Selton Mello tem os ingredientes necessários para se tornar um clássico do cinema brasileiro

Eduardo Escorel | 03 ago 2017_12h34
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Com O Filme da Minha Vida, Selton Mello confirma seu reconhecido talento e vence o desafio de realizar um novo filme à altura de O Palhaço, considerado na época do lançamento um “golaço” e uma “obra-prima”.

Por mais temerário que seja fazer certas previsões, eu arriscaria dizer que O Filme da Minha Vida tem os ingredientes necessários para se tornar um clássico do cinema brasileiro.

Assisti ao novo filme de Selton Mello antes da estreia, em uma dessas sessões matutinas para a chamada “crítica”. Quando cheguei ao cinema, para minha surpresa, havia muita gente conversando animadamente no saguão – sinal da grande expectativa da mídia em relação ao filme, plenamente justificada pelo sucesso de O Palhaço, em 2011. O que eu não sabia é que há tantos “críticos” no Rio de Janeiro.

O anúncio de O Filme da Minha Vida publicado domingo na Folha de S.Paulo, em página inteira do caderno Ilustrada, indica, por sua vez, que os produtores confiam no êxito comercial do filme. Considerando a qualidade do que está sendo oferecido, oxalá o público corresponda a esse otimismo.

Estava certo o amigo de Antonio Skármeta que intuiu o “parentesco entre a sensibilidade” do escritor chileno e a de Selton Mello. De fato, ambos têm forte pendor nostálgico e apreciam histórias idílicas – afinidades que Skármeta certamente percebeu ao assistir a O Palhaço e devem ter contribuído para levá-lo a oferecer os direitos de Um Pai de Cinema para Selton filmar. Quando leu o livro, Selton, por sua vez, considerou que era “uma pérola” e entendeu a oferta de Skármeta – “os sonhadores se reconhecem de longe”, escreveu.

Embora o idílio de Selton Mello fundamentado no livro de Skármeta não exclua conflitos de todo, fica claro não haver fatalidades trágicas em perspectiva. Tudo se resolverá da melhor maneira, por mais que haja sofrimento e traição no percurso. Em outros termos, é isso que leva Tony (Johnny Massaro) a citar seu pai, Nicolas Terranova (Vincent Cassel), no plano de abertura de O Filme da Minha Vida. Nicolas dizia que “antes” só via “o início e o fim dos filmes. O início, para conhecer a história, e o fim” gostava de assistir “porque o fim é sempre bonito”. Tamanha crença em finais felizes encanta os leitores de Skármeta e deverá agradar também aos espectadores de Selton Mello.

Tony, jovem professor de 20 anos que volta formado à sua cidade natal, é quem conduz a narrativa e no desfecho demonstra ter vencido as adversidades do amadurecimento. Aprendeu que não há escapatória possível do transcurso da vida que, em última análise, separa o nascimento da morte. É essa passagem, marcada por experiências dolorosas, que lhe permite deixar a adolescência e se tornar adulto. Além do início e do fim dos filmes, Tony admite ter entendido depois “que o meio é tão importante quanto o início e o fim”.

Na trilha musical, Selton Mello escancara sem pudor sua opção por um filme romântico. Nesse sentido, é inequívoca a inclusão de Charles Aznavour cantando Hier Encore e de Sérgio Reis cantando Coração de Papel. Quem poderá resistir a essas canções que são incluídas duas vezes, sendo uma com os créditos finais? Seria preciso ter um coração de pedra. Uma trilha musical como essa torna explícito o propósito de envolver o espectador por meio da emoção.

Selton Mello guardou para si mesmo o papel de Paco, personagem que parece periférico mas acaba se tornando central à trama. Ele não só lida com porcos e, portanto, fede, como dialoga com eles através de grunhidos. Em um monólogo tão sério quanto hilário explica para Tony a diferença do homem para o porco: “O homem sabe o que quer. Ele sabe que é um homem. O porco, não. O porco é porco o tempo todo. Ele não sabe que é um porco. Ele é só um porco. Porco completamente porco. Essa é a diferença do homem pro porco.”

Mesmo em papel aparentemente sem glamour, Selton tem presença marcante em O Filme da Minha Vida, graças também à entonação da sua voz, que confere autoridade suplementar a Paco. Todo o elenco, de resto, está impecável, inclusive a novata Bruna Linzmeyer, cativante no papel de Luna, a namorada de Tony, e também todos os meninos que atuam como alunos pré-adolescentes de Tony, todos merecedores de nota zero em comportamento.

Além do talento polivalente de Selton – diretor, ator, corroteirista e coprodutor –, O Filme da Minha Vida é resultado da contribuição decisiva da equipe, composta, em parte, por profissionais que também realizaram O Palhaço – a produtora Vania Catani, o corroteirista Marcelo Vindicatto, o músico Plínio Profeta, a figurinista Kika Lopes e o diretor de arte Cláudio Amaral Peixoto –, além de, pelo menos, um novo colaborador excepcional – o diretor de fotografia Walter Carvalho.

Quando, em 2008, lançou Feliz Natal, seu primeiro filme como diretor, Selton Mello declarou: “Este não é o filme da minha vida, é apenas o meu filme de estreia.” Anos depois, ao batizar de O Filme da Minha Vida seu terceiro filme, Selton o situou em um patamar de importância bastante elevado. Só nos resta esperar que ele ainda possa fazer filmes tão bons ou melhores que esse filme da vida dele.

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