Numa tarde abafada de outubro, Moisés da Costa Ribeiro encaixotava centenas de livros enquanto se lembrava mais uma vez da dívida com editoras que o assombra há pelo menos três anos. Desde 2019, ele tocava sozinho a Xingu, única livraria de Altamira e num raio de 1 mil km em torno da cidade paraense. Agora, a loja fechou. “Estou triste demais…”, lamenta o comerciante na edição deste mês da piauí. Seu desejo quixotesco de “vender livros progressistas” à beira da Floresta Amazônica sofreu um baque difícil de reverter.
A Xingu ficava na região central de Altamira. Ocupava um pequeno box dentro do Camelódromo José Góes, espaço implantado pela prefeitura onde se negocia de tudo: roupas, calçados, bijuterias, adornos, flores artificiais, games, licores e garrafadas com produtos medicinais. “Sempre soube que o público de lá não curte muito literatura. Mesmo assim, insisti na coisa”, disse Ribeiro ao repórter Jamil Chade. O comerciante acreditava que os eventuais leitores iriam preferir comprar livros in loco em vez de online. “Encomendas pela internet geralmente levam um tempão para chegar até o interior da Amazônia.”
Natural de Bragança, outro município paraense, o livreiro de 52 anos não completou o ensino médio. Nem por isso deixou de adquirir o hábito da leitura. O fascínio pelas ideias de esquerda lhe despertou o gosto por autores “de viés combativo”. Foi em setembro de 2009 que Ribeiro se mudou para Altamira. Ele engrossava o Movimento dos Atingidos por Barragens, que lutava contra a construção da Hidrelétrica Belo Monte na cidade e em seus arredores. Já durante a década de 1970, o projeto da usina gerava reclamações de ativistas preocupados com o impacto do empreendimento – que, de fato, levou toneladas de peixes à morte na bacia do Rio Xingu, inundou vastas áreas da floresta e afetou o cotidiano de diversas comunidades tradicionais, como as indígenas e ribeirinhas.
Em julho de 2012, quando as obras de Belo Monte completavam treze meses, Ribeiro se afastou do movimento e arrumou um trabalho de motorista no Ministério da Saúde. Sete anos depois, por estar desempregado, resolveu apostar na livraria. Com a Xingu, que reunia cerca de novecentos títulos, o comerciante buscava “conscientizar as pessoas em relação à complexidade do mundo”. No começo, só oferecia livros ensaísticos, notadamente sobre racismo, feminismo, ambientalismo e sociologia. Mais tarde, cedeu à poesia e à ficção, mas sem perder o foco ideológico.
Embora pagasse apenas 57 reais pelo aluguel mensal do box no camelódromo, Ribeiro nunca teve lucro, o que lhe exigiu sacrifícios consideráveis. Ele raramente tirava férias, não viajava nem sequer nos fins de semana e nunca conseguiu comprar a almejada casa própria. Por falta de tempo, adiou duas cirurgias que precisa fazer no quadril. A mulher do livreiro – ex-funcionária da prefeitura que se tornou vendedora de lingerie – arcava com os principais gastos domésticos. O pouco dinheiro que entrava na loja permanecia ali mesmo.
Há um ano e meio, o comerciante se separou. O término do casamento inviabilizou de vez a livraria, que acumula débitos de aproximadamente 25 mil reais. “Agora tenho de sustentar uma casa sem ajuda de ninguém. Não posso mais perder grana.”
Em 12 de setembro, o livreiro usou o Facebook e o Instagram para anunciar o fim do negócio. No post, definiu a Xingu como “uma experiência maravilhosa, gratificante e desafiadora”. Também escreveu que fechar as portas da loja está lhe causando “uma dor imensa no coração”. “Parte de mim se vai com o encerramento das atividades”, lastimou, antes de prometer saldar as dívidas: “Faço questão disso.”
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