Não dá para ganhar sempre. A carreira dos melhores treinadores e dos maiores craques é feita de empolgantes vitórias, mas também de fragorosas derrotas. Não há Pelé que não tenha sido eliminado – na única vez em toda a história da seleção brasileira – na fase de grupos de uma Copa do Mundo. Talvez seja por isso que Felipão tem afirmado, repetidamente, que uma derrota não pode jogar por terra o seu trabalho e a sua história. Na entrevista coletiva de reapresentação ao Grêmio, ele voltou a lembrar os dezenove títulos que reluzem em seu portfolio.
Felipão não está errado, mas o raciocínio esconde pelo menos duas verdades. Primeira: ele não conquista um título de ponta lá se vão doze anos – o último foi o pentacampeonato brasileiro na Copa do Mundo disputada na Ásia. Segunda: de lá pra cá, alguns dos fracassos, mesmo nesse esporte que consagra o imponderável, são imperdoáveis. Além disso, o técnico que fez fama e fortuna pela capacidade de montar times com sólidos sistemas defensivos, parece ele mesmo ter perdido a pegada, colecionando em seus dois últimos trabalhos o que devem ter sido as maiores goleadas de sua carreira: os seis a zero do Palmeiras para o Coritiba, em 2011, e a vergonha recente.
Há diferenças. Os seis a zero que o Palmeiras levou indicam um dia especialmente infeliz de um time que era bem ruinzinho. Os sete a um mostraram atraso e teimosia. Creio já ter escrito isso em outro post, mas o que faz de Felipão um treinador ultrapassado não são os últimos maus resultados; eles apenas refletem o jeito arcaico com que Scolari escala seus times e os põe para jogar. E isso não tem nada a ver com idade ou tempo de profissão. Na temporada 2012/2013, o Bayern de Munique venceu o Campeonato Alemão, a Copa da Alemanha e a Champions League, e o técnico do time nessas competições, Jupp Heynckes, tinha 68 anos. A questão é que Felipão não vê necessidade de se atualizar.
No post “Saldanha e os seis a zero”, publicado aqui no blog em 13 de janeiro, lembrei uma passagem pessoal em que tive a chance de ver João Saldanha desancar Paulinho de Almeida, treinador do Botafogo no jogo em que o Flamengo devolveu os seis a zero que levara nove anos antes. Botafoguense roxo, Saldanha não perdoava Paulinho. Da mesma forma, é inadmissível que o técnico da seleção brasileira assista, impassível, ao time que dirige levar cinco gols em meia hora, numa semifinal de Copa do Mundo jogada em casa. Tenho certeza de que, dando cambalhotas de inconformismo no túmulo, Saldanha escalou Felipão no mesmo time de Paulinho de Almeida.
Por outro lado, o Grêmio não tem nada a ver com isso. As cobranças e exigências feitas a um treinador de clube, mesmo sendo um dos grandes do futebol brasileiro, serão sempre menores do que as que perseguem o técnico da nossa seleção. No comando do Grêmio, Felipão foi campeão gaúcho – ainda no tempo em que os campeonatos regionais eram levados a sério –, ganhou Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro e Libertadores. É compreensível que os sentimentos da torcida gremista por ele sejam de admiração e reconhecimento, mas o retorno de Felipão ao Grêmio é emblemático de um futebol que insiste em viver do passado.
Há bem pouco tempo, Deco, Seedorf e Juninho Pernambucano eram, mesmo na última temporada de suas carreiras, destaques do Campeonato Brasileiro. Não são poucos os comentaristas que ainda pedem Luís Fabiano em nossa seleção. E por aí vai. Na última semana, as páginas esportivas de jornais e sites publicavam que cinco dos nossos clubes – Atlético Mineiro, Flamengo, Grêmio, Internacional e São Paulo – têm agora o mesmo treinador que tinham há quase duas décadas. Deles, só Abel Braga e Muricy Ramalho* ganharam título importante nos últimos cinco anos.
Não acho que o retorno de Felipão ao Grêmio vá fazer o time naufragar, mesmo porque nosso futebol anda de dar dó, mas é provável que também não o leve muito longe. E como dizem que quem apanha nunca esquece, vamos sempre lembrar: quando iniciaram sua revolução futebolística, no início do século, os alemães não estavam preocupados em ganhar Copas do Mundo: o que eles queriam era melhorar o futebol. Talvez tenha sido por isso que ganharam.
Infelizmente, muitos de nós, brasileiros, deixamos de pensar assim. Não estou falando de futebol-arte, futebol-moleque, futebol-ousadia, não importa o nome que se queira dar. Estou falando de futebol bem jogado, aquele que faz a gente ter vontade de acompanhar um time mesmo que não seja o nosso – mais ou menos como vem acontecendo com o Cruzeiro e o que explica, em parte, a crescente audiência dos canais de tevê fechada que transmitem os melhores campeonatos europeus.
Desde as derrotas para Alemanha e Holanda até sua apresentação ao Grêmio, Luiz Felipe Scolari tem batido na tecla das glórias obtidas, mas dá a impressão de querer enterrá-las. A saber: fez sucesso em sua primeira passagem pelo Palmeiras, mas foi embora em 2012 deixando o time com o rebaixamento encaminhado de forma irreversível. Dirigiu o Brasil na conquista do penta, mas saiu agora como o principal responsável pelo maior vexame de uma grande seleção em toda a história do futebol – e, muito mais do que pelo título, é por isso que será lembrado.
Parece que Felipão vem dedicando todos os esforços para tornar seu bem-sucedido passado menos importante do que esse presente repleto de fiascos. Está conseguindo, e o Grêmio que abra o olho.
* Correção em relação à primeira versão do texto