Será lançado na semana que vem o mais importante documento científico sobre o aquecimento global: o 5º Relatório de Avaliação do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática. Elaborado nos últimos quatro anos por cerca de 830 cientistas de vários países, o documento trará uma síntese do que a ciência sabe sobre o aquecimento do planeta, suas causas, seus impactos e as formas de combatê-los. O relatório é lançado em intervalos de cinco a sete anos desde 1990. O último foi publicado em 2007.
Embora o IPCC tenha se cercado de cuidados para evitar o vazamento de informações sobre o documento, repórteres da Reuters e do New York Times tiveram acesso a uma versão preliminar e anteciparam algumas de suas conclusões no fim de agosto. Autores brasileiros do relatório com quem conversei nos últimos meses confirmaram que vem aí um diagnóstico ainda mais alarmante da mudança climática.
O relatório está “devastador”, nas palavras do climatologista Carlos Nobre, pesquisador do Inpe e secretário do Ministério da Ciência. “Não dá um passo para trás em relação à versão anterior e ainda vai mais longe.” O físico Paulo Artaxo, da USP, adiantou que houve um aumento no grau de certeza da influência humana no fenômeno, conforme declarações reproduzidas na reportagem “Clima malparado”, na piauí de setembro:
Paulo Artaxo antecipou que a projeção de aumento da temperatura global desde a Revolução Industrial dificilmente ficará abaixo de 2ºC, considerado o patamar máximo aceitável. “O relatório deixará claro, como a literatura já mostra, que o aumento será provavelmente de 2,5 a 3ºC já nas próximas décadas”, disse. De acordo com o físico, o documento deverá confirmar que “as alterações no clima que estamos observando são devidas à ação humana, com 95% de probabilidade”.
No jargão do IPCC, esse grau de certeza equivale a dizer que é “extremamente provável” que os gases lançados pela ação humana sejam responsáveis pelo aquecimento global. A afirmativa indica um aumento na convicção dos cientistas. No relatório de 2007, a expressão usada foi “muito provável”, que traduz um grau de confiança de 90%. Já o terceiro relatório, de 2001, empregou “provável”, o que indica uma certeza de 66%.
Embora o 5º Relatório deva traçar um quadro mais nítido e preciso do estado do clima global, a essência de suas conclusões já estava delineada na versão anterior. O recado já era suficientemente preocupante para que os tomadores de decisão adotassem medidas à altura da gravidade do problema. Entre alguns pesquisadores, cresce a convicção de que um 6º Relatório pouco avançaria no entendimento científico da questão. “A ciência tem muito pouco a acrescentar quando você tem um consenso desses”, afirmou Carlos Nobre. “Só nos resta dar as más notícias: o gelo está derretendo, o mar está subindo, a concentração de CO2 está aumentando.”
Alinhado com essa visão está o engenheiro elétrico Roberto Schaeffer, da UFRJ, autor do terceiro volume do relatório, que discute estratégias de combate aos impactos da mudança do clima. Schaeffer aposta que, caso haja um 6º Relatório, a terceira parte será a mais relevante, em detrimento dos volumes 1 e 2, que tratam respectivamente das bases físicas e dos impactos da mudança do clima. “Depois que entendeu a doença, o que você tem a fazer é administrar o remédio”, comparou.
A revista Nature – que traz na edição desta semana um especial sobre o IPCC – defendeu num editorial que é hora de repensar o papel do IPCC e que talvez seja o caso de mudar o modelo de seus relatórios:
O IPCC tem papel crucial no processo [de oferecer uma análise abrangente das opções de políticas públicas e da base científica para a próxima rodada de negociações climáticas] e deve continuar sendo a autoridade central sobre aquecimento global. Não é claro, no entanto, que lançar-se imediatamente na elaboração de outro relatório abrangente – que consumiria tempo e energia imensuráveis e provavelmente chegaria às mesmas conclusões – represente o melhor uso de nossos recursos científicos.
Em vez disso, continua o editorial, o painel deveria investir em esforços de menos fôlego, voltados para a análise de questões específicas – a exemplo do relatório sobre eventos climáticos extremos lançado em 2012.
Não é certo que vá haver um 6º Relatório de Avaliação, segundo o climatologista belga Jean-Pascal van Ypersele, vice-presidente do IPCC. Uma nova diretoria do painel será eleita após a publicação do 5º Relatório e uma reunião plenária em outubro deve decidir se vai haver um novo documento no mesmo formato dos cinco anteriores.
Para mais detalhes sobre o 5º Relatório do IPCC, leia a reportagem “Clima malparado”, publicada na piauí de setembro. A edição está nas bancas; assinantes podem ler a íntegra da matéria no site.
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