Robert Crumb é hoje reconhecido como o mais influente quadrinista americano da segunda metade do século XX e o principal criador dos quadrinhos underground. Seus personagens como Mr. Natural ou Fritz the Cat também figuram há décadas entre os mais famosos da chamada “Nona Arte”.
A carta reproduzida nesta página tem um significado especial, pois Crumb ainda não havia completado 18 anos quando escreveu, em agosto de 1961.
É provavelmente a carta mais reveladora, datada da juventude do grande artista americano, a ter chegado até nós. É dirigida ao seu melhor amigo (e futuro cunhado) Marty Pahls, o confidente da adolescência solitária e frustrada de Crumb. A carta tem doze páginas escritas à lápis em maiúsculas, numa grafia apertada que cobre toda a folha. Nela, Crumb reconhece não ser de escrever cartas longas ? e ficar constrangido com as que Marty lhe escreve e que não consegue responder à altura. Mas parece também querer provar o contrário com este texto denso que é quase um tratado.
Crumb se compara até mesmo a Voltaire, (cuja edição completa das cartas diz reunir mais de vinte e quatro mil), advertindo Marty que em termos de escrever cartas não se sente “cortado no mesmo molde” do grande filósofo francês.
A carta é extraordinária, pois mostra as hesitações do jovem artista aspirante dividido entre o que atrai mais a sua sensibilidade e a tentação reprimida de fazer dinheiro com arte:
“Provavelmente terminarei desenhando o que o grande negócio quer que eu desenhe, ganhando o meu dinheirão e… não! Não tenho vocação por este tipo de vida, definitivamente não tenho.”
Crumb se queixa de que nada acontece em sua vida que seja assunto para cartas: “não aprendo em um mês inteiro o suficiente para encher um parágrafo”. Diz estar seguindo aulas de desenho, lendo Dos Passos, a , e A ilusão da Imortalidade de Corliss Lamont (mas não terminando nenhum). Ocupa seu tempo conversando com o irmão Charles, desperdiçando muitas horas vendo programas fracos na televisão, e faz enfim uma confissão tocante: “Gostaria de ter uma companheira”.
Mas talvez o mais interessante da carta seja o desenho de seu gato na sexta página, estrela de suas primeiras histórias ? desenhadas a partir dos 15 anos ? e intituladas Fred, o gato. Essas histórias prefiguram o surgimento, cinco anos mais tarde, do personagem universalmente aclamado Fritz the Cat (Fritz o Gato), e o desenho desta carta já antecipa todas as características do famoso gato algo perverso e mulherengo que, (segundo Marty Pahls, a quem a carta é dirigida): “Realizava em grande parte os desejos de Crumb, pois Fritz fazia grandes coisas, tinha loucas aventuras, e variadas experiências sexuais. Era ousado, tinha postura e jeito com as mulheres, todos os atributos com que Robert sonhava, mas lhe faziam falta”.