Quando o ministro Joaquim Leite (Meio Ambiente) disse no plenário da Conferência do Clima, a COP26, no dia 10 de novembro, em Glasgow, que “o Brasil é parte da solução” para superar o desafio global de reduzir as emissões de gases do efeito estufa, fazia quinze dias que o governo federal recebera um relatório demonstrando que o desmatamento na Amazônia brasileira tinha crescido 22% em 2021 – e chegado, assim, ao pior resultado desde 2006. O ministro não deu a notícia aos líderes mundiais. Em vez de reconhecer o problema crescente, Leite apresentou um plano de intenções para zerar o desmatamento até 2028 e neutralizar as emissões de carbono no Brasil até 2050 – nenhuma palavra, porém, sobre como o governo reverteria a tendência de crescimento da derrubada da floresta revelada pelos satélites. O relatório que o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) enviara ao governo em 27 de outubro só chegaria ao conhecimento do público uma semana depois de o ministro fazer suas promessas à comunidade internacional.
Quando o ministro fez seu discurso na Escócia, o governo já havia sido informado de que o sistema Prodes de sensoriamento remoto detectara quase 3 mil km² a mais de desmatamento do que o divulgado por Leite. O crescimento equivale a duas vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, a Amazônia perdeu 13.235 km² de floresta, segundo estimativa do Inpe. É a maior devastação desde 2006 e equivale a uma área maior do que o Qatar, país que sediará a Copa do Mundo de 2022 e por onde Jair Bolsonaro passou durante seu tour pelo Golfo Pérsico.
Trata-se do quarto ano de crescimento seguido do desmatamento amazônico, o terceiro sob Bolsonaro. Pouco antes de ser revelado o tamanho do desastre ambiental, o presidente disse em Dubai que eram injustos os ataques ao governo e mentiu. Afirmou que a Floresta Amazônica está “mais de 90%” preservada, “exatamente igual” ao que era no ano de 1500.
Quase 4 a cada 10 km² de floresta abatida em 2021 estavam no Pará, estado que lidera o ranking do desmatamento na Amazônia Legal. Amazonas, Mato Grosso e Rondônia aparecem na sequência com as maiores contribuições. O eixo do desmatamento está avançando para Oeste, em direção à parte mais preservada da floresta. O maior crescimento em área desmatada ao longo dos doze meses descritos pelo relatório do Inpe ocorreu no estado do Amazonas: 835 km² a mais que um ano antes – ou seja, um aumento de 55%.
Os números oficiais foram divulgados no final da tarde desta quinta-feira (18), após pressão de ambientalistas e a veiculação de uma carta aberta pelo sindicato de servidores do setor aeroespacial. Os dados foram mantidos em sigilo durante toda a conferência do clima. O desmatamento é a maior fonte de emissão de gases do efeito estufa no Brasil.
Questionado por mais de uma semana, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações justificou que as estimativas de desmatamento da Amazônia são divulgadas tradicionalmente em dezembro. Desde 2006, porém, o anúncio só ocorreu duas vezes em dezembro. Em todos os demais anos, a publicação ocorreu em meses anteriores.
Ainda não é possível afirmar qual foi o principal vetor de desmatamento na Amazônia no último ano – isto é, se a floresta abatida dará espaço a novas pastagens ou à produção de grãos. Os satélites do Inpe não distinguem o desmatamento legal do desmatamento ilegal. Em 2020, no entanto, um estudo da rede de pesquisadores do MapBiomas apontou que 99,4% dos desmatamentos no bioma Amazônia teriam sido feitos sem autorização dos órgãos ambientais, sendo, portanto, ilegais.
No período em que a taxa de desmatamento de 2021 foi medida, o governo manteve na Amazônia duas operações militares de Garantia da Lei e da Ordem, batizadas de Verde Brasil 2 e Samaúma. O combate ao desmatamento esteve sob o comando do Conselho Nacional da Amazônia Legal, presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão. As operações militares custaram aos cofres públicos quase 400 milhões de reais entre 2020 e 2021.
A taxa de desmatamento de 2020, de 10,9 mil km², a maior desde 2008, representou o descumprimento da meta estabelecida em 2009 na Política Nacional sobre Mudança do Clima. Em 2020, o compromisso era desmatar 3,9 mil km². No documento que preparou para Glasgow, o governo se comprometeu a reduzir o desmatamento ilegal a partir de 2022, até zerar o abate ilegal de árvores na Amazônia em 2028. O compromisso foi recebido com descrédito porque não foi acompanhado de nenhum plano concreto.