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    Filme libanês "parece ter alguns dos ingredientes necessários para ganhar o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira ", avalia Escorel FOTO: DIVULGAÇÃO

questões cinematográficas

O insulto, em busca da conciliação

No longa indicado ao Oscar, choque entre libanês cristão e refugiado palestino torna-se representação de conflito de âmbito internacional

Eduardo Escorel | 15 fev 2018_16h27
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Não é necessário, muito menos suficiente, basear filmes em experiência própria. Mas, ao fazer isso, o resultado pode ser bom, conforme O Insulto atesta.

A inspiração para o roteiro veio, em parte, de insultos que o próprio diretor, Ziad Doueiri, trocou com um operário de obra que ele molhou quando estava aguando suas plantas, em Beirute. A discussão foi rápida. Dias depois, porém, Doueiri perguntou a si mesmo: “E se uma história começasse com algo tão insignificante assim, um problema na calha, e em vez de ser resolvido, realmente se complicasse?”

Escrito a quatro mãos por Doueiri e Joelle Touma – marido e mulher que na época estavam se divorciando –, o roteiro também recebeu contribuições do processo de separação do casal que estava em curso e, mais ainda, do fato de Doueiri ser muçulmano secular, e Touma, cristã. Criado em família de esquerda pró-Palestina, na qual os cristãos e os que “colaboravam com Israel” eram considerados inimigos mortais, Doueiri costumava dizer que “um bom cristão é o cristão morto”. E levou algum tempo até que “ele se acostumasse a sentar lado a lado com os cristãos do leste de Beirute”.

Doueiri declarou sempre ter acreditado que “os cristãos nunca sofreram na guerra civil e que só nós, muçulmanos, sofremos”. E disse ainda: “Esse foi o mito com o qual cresci, mas aí compreendi que os cristãos sofreram tanto quanto nós. É dever moral do artista tentar entender o outro lado, e foi daí que veio O Insulto. Enquanto escrevíamos, eu e Joelle trocávamos de papel: eu escrevia o diálogo da direita cristã, enquanto ela escrevia a perspectiva palestina.”

Outra fonte de inspiração declarada foi A história de Qiu Ju (1992), de Zhang Yimou, filme que Doueiri afirmou adorar por que trata da exigência feita por uma mulher – ela quer que o prefeito da vila peça desculpas ao seu marido.

Os massacres de cristãos em Damour (1976), cidade no Litoral Sul do Líbano, e o de palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Chatila (1982), no oeste de Beirute, estão na raiz do antagonismo que aflora em um incidente aparentemente banal. Porém, o que, a princípio, parece se restringir a um desentendimento pessoal evolui até abarcar o contexto amplo no qual o choque entre o mecânico libanês cristão Tony Hanna (Adel Karam) e Yasser Salameh (Kamel El Basha), refugiado palestino encarregado de obra, torna-se a representação de um conflito de âmbito internacional.

Embora gasta, a imagem é precisa – a estrutura narrativa de O Insulto é formada por círculos concêntricos que vão se ampliando, como os produzidos por uma pedra atirada nas águas plácidas de um lago.

Fiel à tradição dos melhores filmes de tribunal americanos, O Insulto incorpora com eficiência os traços identitários do gênero, inclusive a revelação inesperada que acaba aproximando acusador e acusado, ambos pertencentes a grupos que sofreram violências atrozes. Ao reavivar a memória apagada, e desvendar o que o tempo encobriu, descobre-se que no embate de Tony e Yasser não há culpado, de um lado, e inocente, do outro. Os dois são responsáveis, algozes e vítimas ao mesmo tempo.

Apesar de indicado oficialmente pelo Líbano para concorrer ao Oscar, a legenda inicial de O Insultodeclara que os pontos de vista expressos no filme não representam a posição oficial do governo libanês. Isso, apesar de O Insulto ser um grande sucesso comercial em seu país.

As autoridades apoiam o filme, de um lado, e de outro se eximem de responsabilidade política. Querem o melhor dos mundos: o prestígio de concorrer ao prêmio da Academia, sem se comprometer com a conciliação que O Insulto indica como sendo possível. Para Doueiri, “até Darth Vader tem um lado bom, caso contrário ele não seria interessante”.

Mesmo quem reconhece o talento de Doueiri, considera-o ingênuo e sua posição romântica. Para um de seus críticos, “não se pode fazer as pazes com quem pôs uma faca no seu pescoço. É impossível”.

Selecionado entre os cinco concorrentes finais ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, junto com Corpo e AlmaThe Square –  A Arte da DiscórdiaUma Mulher Fantástica e Sem amor, O Insulto parece ter alguns dos ingredientes necessários para ganhar o troféu –  perspectiva otimista e vigor narrativo, adquiridos talvez no tempo em que Doueiri estudou cinema na Califórnia e trabalhou como técnico em produções americanas.

Nota: As citações de Doueiri provêm de entrevistas disponíveis na íntegra no jornal The Village Voice e no site do Middle East Institute.

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