O convite do presidente Lula para que o general Marcos Antonio Amaro dos Santos assuma a chefia do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) mostra o grau de corrosão das relações entre o governo e o Exército. Amaro era visto como desleal pelos petistas, mas, na falta de outro nome de confiança, coube a ele a missão.
Amaro teve uma trajetória devotada à presidente Dilma Rousseff quando chefiou sua segurança, em seus dois governos, por cinco anos. Mas seu bom trânsito na gestão de Jair Bolsonaro chamou a atenção do PT, sobretudo porque o ex-presidente fizera uma limpa rigorosa de nomes ligados aos governos anteriores – em especial aqueles aos quais Bolsonaro se referia como “melancias”, verdes por fora, numa alusão ao uniforme militar, mas vermelhos por dentro, por supostamente defenderem a esquerda.
Amaro não foi um deles. Apesar de ter servido no núcleo de confiança da petista, ascendeu de forma mais expressiva no Exército justamente durante o governo Bolsonaro. Primeiro, continuou no governo de Michel Temer por um breve período após o impeachment. Em 2019, quando estava na secretaria de Economia e Finanças do Exército, foi nomeado para chefiar o Comando Militar do Sudeste no lugar do general Luiz Eduardo Ramos. Depois, assumiu a chefia do Estado- Maior.
Em 2022, cogitou-se seu nome para assumir o comando do Exército. Amaro tinha as credenciais e a idade para tanto. Mas o general Ramos tratou de desgastá-lo internamente, usando justamente o argumento de que ele chefiara a segurança de Dilma; além disso, durante a pandemia, Amaro fizera um discurso que irritou o Planalto, recorrendo a uma frase de Duque de Caxias para dizer que a “espada não tem partido”.
Bolsonaro não o escolheu para o comando, mas, tão logo o general foi para a reserva, o presidente alocou-o imediatamente num cargo de confiança bem remunerado na Caixa, conforme noticiou a coluna de Lauro Jardim, em O Globo. Amaro foi exonerado do banco justamente após a mudança de governo, por integrar a cota de Bolsonaro na instituição. Seu trabalho na Caixa não consta de sua página no LinkedIn, rede social dedicada a perfis profissionais. Tampouco acrescentou ao site seu tempo como chefe da segurança de Dilma.
Dilma e Amaro tinham uma relação muito próxima, mas que se esvaiu conforme o general crescia no governo Bolsonaro. Ficaram célebres as pedaladas de Amaro com Dilma nos arredores do Palácio da Alvorada, no auge do impeachment. Quando, em 2013, a petista decidiu sair de moto escondida por Brasília, não comunicou ao chefe de sua segurança por medo de que ele a proibisse. Amaro descobriu e mandou que acompanhassem Dilma na surdina. Em viagens ao exterior, o general estava com ela em compromissos oficiais e também nos extraoficiais, como quando Dilma escapou da agenda maçante de uma visita à Itália, em 2015, para assistir à ópera Othello, no Teatro Scala, em Milão.
A relação entre eles muitas vezes prescindia de palavras. Apenas pelo olhar Amaro percebia o que ocorria – fosse a necessidade de uma pastilha para a garganta ou a chamada de atenção por algo que ela não gostara. Uma vez, como o general não conseguiu descer no mesmo elevador que Dilma no Palácio do Planalto, por estar muito cheio, ela desceu, pegou o carro e pediu que o motorista desse partida e deixasse o militar para trás sem qualquer constrangimento.
Tamanha proximidade fez com que Dilma o considerasse um amigo. Quando a família de Amaro foi abatida por uma tragédia, quando um de seus netos sofreu um acidente fatal, Dilma ligou para o general para prestar solidariedade. Quando ele foi para a reserva, em 2022, a petista também o procurou para desejar felicidades. Aproveitou para dizer que iria a Brasília e que gostaria de encontrá-lo. Amaro, que acabara de ganhar um cargo de Bolsonaro na Caixa, não aceitou. Dilma foi consultada pelo governo sobre a convocação do militar para chefiar o GSI. Respondeu que, ao final, confiava nele.