O filme dirigido pelo casal de irmãos israelenses Ronit e Schlomi Elkabetz, no qual Ronit também faz a personagem principal, é mais um caso, entre tantos, em que o título pode desorientar o espectador, criando falsas expectativas em relação ao filme.
No Brasil, ao contrário do que ocorreu em outros países, o tema do filme foi encoberto ao eliminar גט (Get) do título original, mantendo apenas O julgamento de Viviane Amsalem. O que pode parecer um detalhe irrelevante tem, pelo contrário, sua importância.
É get que melhor expressa, de maneira sintética, ainda que enigmática, o núcleo da ação dramática do filme. E, ao contrário do que pode ter levado o termo a ser eliminado, o fato de ser uma palavra hebraica cujo sentido não se conhece poderia ser uma marca que funcionasse como atrativo, despertando interesse. No fundo, eliminar get do título nada mais é do que subestimar a inteligência do público.
Outra fonte de equívocos é o uso da palavra “julgamento” no título. Não se trata, a bem dizer, do “julgamento” de Viviane Amsalem – a personagem não está sendo julgada, muito menos julgando algo. Não seria melhor Get: o processo de divórcio de Viviane Amsalem ou, ao menos, Get: o processo de Viviane Amsalem, como aparece em algumas referências ao filme feitas na França? Afinal, o fato gerador do enredo é a abertura de um processo de divórcio para obter o get.
Get, aprende-se em consulta rápida ao Google, é a certidão de divórcio da lei judaica, que depende do consentimento do marido para ser efetivado. O desconhecimento geral sobre a existência e obrigatoriedade desse procedimento em Israel é decisivo, por si só, para o extraordinário impacto de O julgamento de Viviane Amsalem.
Depois da primeira visão do filme, feita no exterior, com espectadores silenciosos em estado de choque, ao assistir a O julgamento de Viviane Amsalem pela segunda vez, parte da plateia do Estação Net Rio 5 acompanhou o filme rindo na sexta-feira, 23 de outubro, na sessão de 20h30m. Eram risadas depreciativas. E foram se tornaram mais frequentes à medida que ficava claro que para obter o divórcio Viviane é obrigada a submeter seu pedido a uma corte rabínica e o processo se prolonga por 5 anos, diante das sucessivas recusas do marido. O riso diante dessa tragédia alheia indica… o quê? Não sei dizer. No mínimo, talvez, dificuldade de lidar com dessemelhanças religiosas e culturais – fermento conhecido da intolerância.
A força de O julgamento de Viviane Amsalem não resulta, porém, apenas da revelação da persistência em nossos dias, com força incontestada, do rito religioso que tolhe a liberdade individual da mulher israelense. Contribuem para o vigor do filme ao menos outros dois fatores. Primeiro, a ação ser confinada no tribunal, diante de três rabinos, além da sala de espera adjacente. E também a notável interpretação de Ronit Elkabetz, uma diva fascinante, atuando de corpo inteiro, inclusive com seus longos cabelos que junto com sua voz desafiam e ameaçam os homens.
O confinamento espacial é acentuado pela opção de não observar a ação de fora, como é usual. Os planos, de forma geral, são filmados do ponto de vista de um personagem que está participando da cena, nem sempre identificado com clareza. É assim que O julgamento de Viviane Amsalem começa – um plano do advogado de Viviane visto do ponto de vista dela. O enquadramento intriga, lançando o filme em sua trajetória perturbadora.
Diferente é o caso do plano final dos pés de Viviane, andando para fora da sala do tribunal com passos firmes. Para onde ela está caminhando? Não se sabe ao certo. A tragédia insinuada estaria nela ter afinal obtido o get, mas aceitado solução de compromisso que a mantém prisioneira.