Algumas peças sobre papel são de uso tão imediato e de natureza tão efêmera que sua própria sobrevivência depende muitas vezes de repetidos pequenos milagres, sobretudo quando escapam por séculos às incontáveis oportunidades de serem jogadas no lixo. É, sem dúvida, o caso do elaborado convite reproduzido nesta página, assinado pelo mais bem-sucedido dramaturgo europeu do final do século XVIII, o francês Caron de Beaumarchais, autor de uma série de peças de teatro em torno do personagem Figaro que fizeram imenso sucesso e inspiraram as óperas , de Mozart, e O Barbeiro de Sevilha, de Rossini. A fama de Beaumarchais só perdia para sua reputação de libertino e sua vida intensa superou todas as tramas que inventou.
Beaumarchais gastava sem contar e era também um empreendedor extremamente ousado. Envolveu-se em arriscadíssimas operações comerciais com os recém-independentes Estados Unidos da América, trabalhou como espião para o rei da França e organizou até mesmo uma edição monumental das obras de Voltaire, em 72 volumes, que só lhe trouxe prejuízos. Foi preso várias vezes, comédias suas foram proibidas pelo rei, foi acusado dos piores pecados e de alguns crimes, mas conseguiu pagar suas dívidas e chegar quase sereno, com 67 anos, ao final de uma existência movimentada como as de muito poucos, mesmo para o século XVIII, no qual não faltaram aventureiros.
O convite desta página é particularmente significativo por datar de pouco menos de um ano após a Revolução Francesa, num momento em que Beaumarchais não hesita em desafiar seus muitos inimigos e credores ao dar uma suntuosa festa em seu jardim, digna dos melhores tempos da nobreza. Usa para isso um convite gravado pelo artista Louvion, que reproduz uma fonte do jardim e cujos espaços em branco Beaumarchais preenche em sua letra. O convite diz: "Deixe entrar em meu jardim o Sr. Bertheley e sua companhia o dia que eles me fizerem a honra de se apresentar, 26 de julho de 1790. Beaumarchais". Adiciona no verso: "Válido para 8 pessoas".
Este é provavelmente o único exemplar a ter sobrevivido, das centenas de convites que Beaumarchais distribuía para suas festas. É um precioso memento de um estilo de vida do qual muitos praticantes iriam ser, em breve, decapitados pela Revolução Francesa.