Quando conheci Chico César, no começo dos anos 90 em São Paulo, nos divertíamos dizendo aos amigos que iríamos criar um “movimento”, que se chamaria “Decadentismo” ou “Retropicalismo”. Óbvio que isso nunca aconteceu. Nem poderia. Tínhamos (e temos) ambos espíritos muito livres e independentes, indomáveis demais para seguir a “cartilha” de um movimento, ainda que fosse contestador, rebelde e explosivo (como todos ambicionam ser aliás).
A blague era uma clara alusão ao que há de marqueteiro em todo movimento cultural. Engana-se quem pensar que os movimentos são puro eco dos berros das ruas ou academias. Não. Há muito de cálculo e desejo de ocupação de espaços em todo e qualquer movimento, seja a Semana de Arte Moderna, a Nouvelle Vague, o Tropicalismo, o Dogma ou o Mangue Beat. Ingênuo aquele que pensar que o desejo de “ruptura” embutido em todo movimento é o único combustível dos indivíduos que se agrupam em nome da criação de novos parâmetros estéticos (e comerciais).
Se depois da eclosão do Tropicalismo, seus cabeças não tivessem sido bancados pela indústria e eles não tivessem gravado seus primeiros discos, toda aquela geleia geral teria caído no vazio. Se o mercado fonográfico não comprasse a ideia do Mangue Beat, aquela cena toda seria hoje só um maracatu elétrico ecoando ao longe. Lembro de um conceituado jornalista cultural ter escrito, num dos mais importantes jornais do país, meses antes do disco Da Lama ao Caos (Chico Science e Nação Zumbi – Sony Music, 1994) ser lançado, uma matéria tão elogiosa quanto suspeita. Matéria comprada? Vaidade por ser o anunciador da nova cena? Simpatia ideológica apenas? Desejo de ruptura no coração da mídia impressa? Nunca saberemos. Como nunca saberemos se o homem pisou de fato na lua ou se aquela bandeira fincada no solo lunar era mera ficção.