Bem-vindos ao . Para inaugurar este espaço, a proposta é discutir um texto polêmico que aponta vulnerabilidades do método científico e que motivou bastante debate na blogosfera americana. O artigo “The Truth Wears Off” (algo como “A verdade se esvaece”) foi publicado na revista New Yorker pelo jornalista Jonah Lehrer, conhecido de alguns leitores brasileiros como autor dos livros Proust foi um neurocientista e O momento decisivo.
O artigo está disponível on-line (em inglês). O leitor que chegar ao fim das quase 5 mil palavras será recompensado com reflexões interessantes sobre como os pesquisadores chegam às suas conclusões e sobre como são construídos os consensos científicos que muitos tomam por verdade.
Lehrer apresenta em seu texto estudos cujos resultados entusiasmaram os cientistas num primeiro momento, mas que não puderam ser reproduzidos com sucesso posteriormente. Da psicologia à genética, passando pela física e pela zoologia, os casos reunidos por ele cobrem vários campos da ciência.
O exemplo mais emblemático é o de um conjunto de medicamentos psiquiátricos aprovados após resultados promissores em várias rodadas de testes clínicos e que, anos depois, tiveram sua eficácia sensivelmente reduzida, como se tivessem deixado de funcionar de repente.
Casos como esses preocupam porque contrariam um dos pilares da boa ciência: os resultados obtidos por uma equipe de pesquisadores devem ser passíveis de reprodução em outros laboratórios. Haveria então algo de errado com o método científico, como sugere o subtítulo do artigo de Lehrer?
Efeito de declínio
Em comum, os exemplos citados por Lehrer manifestam aquilo que ele chama de “efeito de declínio”, que poderia ser definido como a tendência de algumas alegações científicas de receberem cada vez menos respaldo pelos resultados experimentais com o passar do tempo.
O autor levanta algumas hipóteses para explicar esse efeito. Em alguns casos, ele poderia ser creditado a uma distorção estatística – se uma amostragem inadequada tiver sido escolhida nos testes iniciais, os resultados animadores não se repetirão à medida que o estudo for replicado em maior escala. Também contribui para a confusão a tendência dos cientistas de só publicarem resultados satisfatórios, relegando ao esquecimento os experimentos fracassados.
Nem todos se satisfizeram com as explicações aventadas por Lehrer. A publicação de seu artigo motivou várias críticas em blogs de ciência. O autor foi acusado de não levar em conta noções básicas de estatística e dar importância demasiada a um fenômeno com o qual os cientistas lidam corriqueiramente, como sugeriu Orac, pseudônimo do médico-blogueiro titular do Respectful Insolence.
“O efeito de declínio é algo que qualquer médico que trabalhe com pesquisa clínica conhece na prática, embora possa não se referir a ele nesses termos”, afirma o blogueiro em um longo post em que refuta os argumentos do artigo de Lehrer.
Já Steven Novella, do blog Neurologica, acusou o autor de agir como os negacionistas da ciência. “Lehrer se refere a aspectos da ciência que os céticos vêm apontando há anos (…) e chega à conclusão niilista de que é difícil provar qualquer coisa e que, em última análise, ‘ainda temos que escolher no que acreditar’”, argumenta ele.
Lehrer rebateu algumas dessas críticas nos sites da New Yorker e da Wired, da qual também é colaborador.
Muitas das reações ao artigo foram um tanto extremas. Talvez seja mais apropriado adotar o tom moderado do blogueiro Matthew Nisbet, do Age of Engagement, que vê no texto uma grande oportunidade para mostrar para o público leigo como funciona a ciência e como são tênues e transitórias as verdades científicas.
“O artigo de Lehrer é um exemplo notável de jornalismo científico de uma tradição que explica realidades complexas sobre a natureza social da prática científica e sobre como as descobertas científicas são relatadas e percebidas pelo público”, argumenta ele.
A discussão é boa. Voltaremos a ela em breve.
Imagem: O químico britânico Michael Faraday (1791-1867) retratado em seu laboratório pela artista Harriet Jane Moore.