Somente após a chegada de D. João VI, com toda a corte portuguesa em 1808, o Brasil pode finalmente receber livremente estrangeiros. Durante duzentos anos, desde a partida dos holandeses – com exceção dos corsários franceses e outros invasores ocasionais -, somente portugueses eram autorizados a penetrar em nosso território. Tamanho zelo visava isolar a colônia e protegê-la daquilo que temiam como uma intensa cobiça alheia, por parte das potencias europeias.
Com isso, ampliou-se na Europa uma enorme curiosidade. Tão logo ocorreram as medidas liberalizantes de D. João VI, dezenas de viajantes e naturalistas planejaram suas visitas ao nosso país, que ocorreram em grande número nos anos 1810 e 1820.
A presença inédita de visitantes e artistas de sólida formação técnica e cultural valeu-nos um grande número de obras preciosas. Alguns documentos publicarados de volta em seus países de origem são hoje fundamentais para a compreensão de nossa história.
Talvez a viajante mais famosa seja a inglesa Maria Graham, mais tarde conhecida como Lady Calcott. Ela passou alguns anos no Brasil como preceptora dos filhos de D. Pedro I e confidente da Imperatriz D. Leopoldina, de quem mais tarde relatou muitas agruras. Maria Graham é autora do famoso livro sobre o nosso país publicado em Londres em 1924: .
Por outro lado, um dos mais ilustres diplomatas ingleses no Brasil foi Sir Charles Stuart, embaixador encarregado por D. Pedro I de levar sua nova Constituição para Lisboa, quando tornou-se D. Pedro V de Portugal em 1826.
A carta aqui reproduzida – que permaneceu até hoje inédita – é dirigida por Maria Graham à Sir Charles Stuart em 1825, quando a autora viajante já havia tornado a Inglaterra e o diplomata permanecia no Rio de Janeiro.
Os dois haviam se tornado amigos no pequeno círculo inglês da capital carioca e Graham havia sido convidada a passar uma temporada com a mulher e as filhas de Stuart em Wimpole, sua bela casa de campo na Inglaterra. Naturalmente, Stuart não levara a família para um posto diplomático tão insalubre, e sua mulher e filhas só podiam imaginar o Rio de Janeiro a partir da descrição da nova amiga.
Nesta longa carta Graham conta a Stuart o quanto foi bem recebida pela sua família e a dificuldade que teve em ser totalmente sincera a respeito das condições de vida no Brasil.
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“Cada hora que passa torna-me mais grata e devedora ao senhor por ter me dado a coragem de voltar para casa, e a cada hora entendo melhor o quanto o Rio de Janeiro deve lhe ser incômodo. Essa semana que passei em Wimpole permitiu-me compreender melhor a estranha diferença que o senhor deve sentir entre seu lar e o Brasil […] [suas filhas bombardeavam-me] com perguntas sem fim sobre nosso “papai”, o lugar, a casa e as menininhas de onde papai vive. As crianças ficaram deliciadas com a descrição dos papagaios e em grande expectativa a respeito dos macacos: em pouco tempo tinham pilhado toda sua biblioteca de livros de história natural à procura de gravuras que os mostrassem. Não preciso lhe dizer quão numerosas foram as perguntas ansiosas a respeito de seu aspecto e a salubridade do lugar e todas as coisas com as quais mães e mulheres afetuosas se preocupam, mas eu fiquei sobretudo preocupada em revelar-lhes exatamente que lugar tão miserável é o Rio de Janeiro e quão pouco o senhor tem para diverti-lo e tanto mais para aborrecê-lo (…) na verdade mal posso me conter de ficar rindo sozinha o dia todo de tão contente de estar em casa (…) em resumo poderia citar um poeta e dizer quão felizes passam os dias [num lugar como Wimpole]. Aqui não há Pretas-Anas nem Josés-Atrevidos, nossos cavalos não deitam nos riachos nem nossas árvores cheiram a alho, nem tenho eu que passear pelo campo sozinha ou conversar com embaixadores a respeito do último vestido azul de Madame de Gestas [mulher do embaixador francês] (…). Em resumo, estou finalmente agora num país civilizado e positivamente tentando me comportar como cristã”.
Podemos ver que, aos olhos Graham, não era possível comportar-se no Brasil de forma cristã… Esta carta alonga-se em muitos outros parágrafos onde Graham descreve eventos e a saúde dos familiares de Stuart, mas são naturalmente seus deliciosos comentários sobre o Brasil ? que Graham solta aqui com toda franqueza ? que tornam excepcional este documento encontrado há 35 anos numa livraria inglesa por seu atual detentor.