O que vem depois do neoliberalismo? Essa é a questão que guia o artigo do professor de filosofia política Marcos Nobre na edição deste mês da piauí. A instabilidade mundial que ocorre desde o início da crise econômica de 2008 se tornou agora crônica, com uma superposição de crises e emergências de vários tipos. A emergência climática é com certeza a mais ameaçadora e premente, mas nem por isso a que de fato mobiliza os países a se organizarem para enfrentá-la. As desigualdades abissais produzidas por mais de quarenta anos de neoliberalismo dilaceram as sociedades de maneira destrutiva, mas esforços globais para combatê-las são ainda incipientes.
Na verdade, foi a pandemia de Covid-19 que soou o último alerta: a regulação neoliberal não é capaz de lidar com ameaças globais dessa magnitude. É preciso criar novas formas de governança global, uma governança econômica em especial. Também porque uma série de conflitos bélicos eclodiram nesse período ou logo depois dele, com a ameaça de se tornarem guerras mais ou menos generalizadas.
O neoliberalismo acelerou a emergência climática, desmantelou mecanismos universais de solidariedade e exacerbou disputas distributivas. Acabou gerando a forte divisão política atual em países ainda democráticos, entre uma direita sem medo de se aliar à extrema direita e um novo progressismo. Os dois campos nada têm em comum a não ser o próprio neoliberalismo: cada lado tem sua visão sobre o que manter e o que descartar da ordem neoliberal em declínio, uma visão inconciliável com a outra.
O novo progressismo pretende reformar o neoliberalismo, livrando-se de suas versões mais extremistas. Propõe um “novo Bretton Woods”, uma nova versão da série de acordos que, em 1944, deram origem ao FMI e ao Banco Mundial, estabelecendo as bases para o comércio internacional e as políticas de reconstrução e desenvolvimento ao fim da Segunda Guerra Mundial – tudo ancorado no dólar, a moeda de referência. É uma proposta de reorganizar o capitalismo sem passar por uma guerra generalizada.
O novo progressismo, porém, se depara com uma gama de dificuldades para produzir o consenso necessário à criação de um cenário pós-neoliberal nesses termos. Um deles é o descasamento entre política e geopolítica. Os governos do novo progressismo nos Estados Unidos e em alguns países da Europa nada estão fazendo para produzir um bloco próprio, em escala global. Preocupam-se em enfrentar a direita sem medo em escala nacional, o que será insuficiente para produzir a nova ordem mundial de que necessitam para de fato isolar a extrema direita mundial.
Outra dificuldade concerne os países do Sul Global, como o Brasil, alinhados ao novo progressismo, que veem suas chances de superar a ordem neoliberal bastante reduzidas em razão, entre outros motivos, de sua economia marcadamente neoextrativista, resultado das várias décadas de neoliberalismo. A baixa industrialização e a armadilha neoextrativista aprisiona o Brasil entre a catástrofe climática em curso no Rio Grande do Sul e a chance de conter a extrema direita.
O que fazer em um quadro como esse? As emergências exigem ação imediata, mas nem os conflitos bélicos nem as disputas entre o novo progressismo e a direita sem medo ocuparão vão se resolver tão cedo. Não se sabe se o chamamento para um novo Bretton Woods será atendido, não se sabe se virá com recursos para que o Sul Global possa escapar da armadilha neoextrativista. Mas é preciso se preparar para isso como se fosse acontecer, é preciso ter um plano para uma ordem pós-neoliberal em que a extrema direita venha a ser derrotada. Essa preparação inclui, diz Nobre, o chamamento para produzir uma teoria da dependência renovada, a fim de criar ferramentas teóricas e práticas que ajudem a apontar caminhos para uma transição ecológica que permita escapar da armadilha neoextrativista e combata desigualdades ao mesmo tempo.
Assinantes da revista podem ler a íntegra do ensaio neste link.