Passava das duas horas da tarde quando deputados e senadores do Movimento Parlamentar Pró-Impeachment começaram a se encontrar para um “esquenta” num hotel cinco estrelas próximo à avenida Paulista, onde jornalistas, assessores e alguns manifestantes os aguardavam para acompanhá-los no protesto de ontem na capital paulista. Vestidos com camisa de manga comprida ou pólo nas cores amarela, azul ou verde, parlamentares do DEM, do PSDB e do PMDB, do vice-presidente Michel Temer, posavam para fotos, davam entrevistas e tiravam selfies à espera dos tucanos Aécio Neves, presidente do PSDB, e Geraldo Alckmin, governador, que ainda tomavam um cafezinho no Palácio dos Bandeirantes.
Um grupo de oito parlamentares se uniu para uma foto, quando uma fotógrafa gritou: “Fora, Dilma!”. Os deputados se animaram e repercutiram o grito de guerra. “Vai, Brasil”, emendaram alguns, com o punho em riste. “Cuidado com o braço que levanta”, alertou o líder do DEM na Câmara dos Deputados, Pauderney Avelino (AM), lembrando aos demais que o lado esquerdo não é bem-vindo por lá.
“Eu me arrepiei todo”, contou o presidente do DEM, senador José Agripino (RN), ao falar sobre a primeira visão que teve da manifestação ao atravessar a avenida Paulista para chegar ao hotel. De acordo com o Datafolha, o protesto de ontem reuniu cerca de 500 mil pessoas e foi a maior manifestação política na capital paulista, superando as Diretas Já. “Do ponto de vista de iniciativa, quem começa as revoluções no mundo não é o povão literalmente, é geralmente a elite pensante, a classe média, pessoas mais instruídas, que têm mais acesso à informação”, explicou-me Mendonça Filho (DEM-PE), coordenador do movimento pró-impeachment ao lado do tucano Carlos Sampaio (SP), ao falar sobre o público.
Estava claro que o caldo engrossara em relação às manifestações anteriores, e os parlamentares estavam visivelmente animados. O impeachment estava mais perto, e os prognósticos apontavam para uma sobrevida do governo Dilma Rousseff de 45 a 60 dias.
“342 é o número mágico, e ele está mais próximo”, comemorou Agripino, numa referência ao quorum de deputados necessário para aprovar no plenário da Câmara a abertura do processo contra a presidente. “É 342. É isso que interessa.” Nas contas dos integrantes do Movimento Parlamentar Pró-Impeachment, o caldo que engrossou nas ruas agora corre para o Congresso. Esta semana será um festival de defecções do governo Dilma atingindo a frágil base parlamentar da petista nos volúveis PR, PRB, PP, PMDB e etc. Daí, para os 342, avaliam, é um pulo.
“O sentimento da população transfere para o Congresso a responsabilidade”, analisou o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO). Alto, bronzeado, grisalho e vestindo uma camiseta amarela marcando o abdome, ele é a celebridade do grupo. É o mais procurado para selfies, o mais aplaudido nas ruas. Caiado anda com um microfone fixo pregado na camisa onde quer que esteja. Sua equipe registra suas falas numa espécie de Big Brother pessoal que depois alimenta as redes sociais. O senador prevê que até quinta-feira, um dia após o Supremo Tribunal Federal votar os embargos de declaração sobre o rito do impeachment (quando reafirmará ou alterará algumas das regras estipuladas em dezembro), a comissão especial da Câmara que fará o relatório a ser votado no plenário será instalada e dará início ao processo. “Aí não para mais”, antecipou-se Mendonça Filho.
Os parlamentares torcem para que os ministros do STF, influenciados pelas ruas, revejam algumas das regras que tornaram a vida de Dilma Rousseff mais fácil na luta contra o impeachment. “É imprevisível saber a decisão do STF na hora que se tem um movimento como esse”, declarou Agripino. “Há pouco espaço para mudança, a não ser que essa manifestação…”, ponderou Mendonça. “Mas, mesmo que o Supremo não modifique as regras, mesmo com o absurdo que foi, a tendência é aprovar o impeachment”, declarou Roberto Freire, presidente do PPS. O absurdo, para o grupo, foi a decisão pelo STF de que não vale chapa avulsa para formar a comissão do impeachment nem votação secreta e que o Senado, onde Dilma parecia ter uma maioria mais segura, dá a palavra final sobre a abertura do processo, independentemente do que a Câmara decidir.
O grupo foi informado de que Aécio e Alckmin os encontrariam mais perto da Paulista. Resolveram, então, caminhar em direção à avenida para esperar a dupla mais próximo do carro do Movimento Brasil Livre (MBL), onde resolveram aportar. Durante a caminhada, Freire comentou: “Estamos chegando ao início da contagem regressiva. A manifestação ajudará num clima de maior afirmação do impeachment. Não é um processo que possa ser revertido pelo governo agora. Faltaria ainda muita coisa para reverter o quadro. Há o desmantelo da economia, a Lava Jato…”
Orientados pelos fotógrafos que os acompanhavam, os parlamentares formam uma comissão de frente que tomou toda a largura da rua São Carlos do Pinhal, paralela à Paulista. Eram dez os representantes do Congresso, um ao lado do outro, caminhando em passo coreografado para os fotógrafos. O clima era amistoso. As pessoas aplaudiam nas ruas, eles acenavam de volta. Ao chegarem aos fundos do MASP (Museu de Arte de São Paulo), que dá acesso à Paulista, pararam. Receberam uma bandeira do Brasil e posaram para mais uma foto. A bandeira estava do avesso, mas as fotos foram feitas ainda assim. “Senhores, a bola está com vocês”, disse um homem ao cumprimentar a turma.
Aécio e Alckmin chegaram e começaram a subir a ladeira do MASP. Conforme subiam, o clima foi ficando mais tenso. Muita gente se avolumou em volta deles. Jornalistas, manifestantes, seguranças, políticos. Primeiro começou um empurra-empurra e depois veio o primeiro grito: “Cê tá na Lava Jato”. Variações sobre o mesmo tema começam a pipocar de diferentes lados. Aécio e Alckmin sorriram ao lado dos parlamentares do pró-impeachment. Um homem de cabelos claros, olhos azuis e uma bandeira pintada no rosto pediu ajuda: “Vamos, gente: o-por-tunista”. A palavra começou a ganhar força na boca de outros manifestantes, que, embalados pelo clima, seguiram em frente: “Leva preso, ladrão”; “filho da puta”, “turista”, “fora”, “palhaço”, “corruptos”. Teve até um “bundões”. Alguém jogou um papel amassado de pipoca. Não atingiu nem Aécio nem Alckmin, mas os jornalistas.
Durante toda a semana, a assessoria de Aécio evitou confirmar sua presença no ato por temer justamente o ambiente hostil. Até a manhã de ontem, eles ainda avaliavam a conveniência dele participar do protesto. Confinados numa tenda VIP do MBL, Aécio e Alckmin falaram com a imprensa, posaram para fotos ao lado de duas senhoras manifestantes e, em pouco mais de quinze minutos, já estavam de saída do local. Resolveram não discursar. Perto deles, uma faixa com os dizeres “Políticos são ladrões e vagabundos”, em preto e vermelho, foi aberta.
Os tucanos foram embora, mas o DEM ficou e discursou. “O povo brasileiro fez a sua parte. Agora deixa o Congresso para derrubar a presidente Dilma”, disse Mendonça Filho aos berros em cima do caminhão do MBL. Na véspera das manifestações, ele se encontrou com dois líderes dos movimentos de rua e externou a preocupação de que os protestos demonizassem a classe política. Em tempos de Lava Jato, há em Brasília um temor disseminado de que, caída a primeira leva, que seria o PT, o próximo na fila seria PMDB e, depois, um salve-se quem puder. “Temos que levar a mensagem de que o povo na rua é importante, mas sem político no Congresso não tem impeachment. Se cria um clima hostil, tem um divórcio que pode afundar o projeto do impeachment”, me explicou Mendonça Filho, três horas depois, no saguão do hotel onde estava hospedado.
“Não adianta ter esse espetáculo se não tiver os 342”, complementou o coordenador do Movimento Parlamentar Pró-Impeachment. O líder do DEM, Pauderney Avelino, chegou e interrompeu brevemente a conversa. “Que coisa”, disse ao se aproximar do colega de partido, parecendo ele mesmo estar surpreso com o tamanho do ato. Logo se recompôs e emendou um “magnífico”. “Magnífico”, rebateu Mendonça Filho. Afinal, eles agora acreditam que alcançarão o número mágico.