Indicado para vários Oscars, o filme jogou holofotes sobre o matemático inglês Alan Turing, cuja reputação cientifica vinha crescendo nos últimos quarenta anos, desde que se tornou público seu trabalho na famosa unidade secreta de Bletchley Park. A equipe liderada por Turing havia conseguido a façanha de decifrar os códigos secretos alemães durante a segunda guerra mundial e com isso encurtar a guerra. Mas não foi só como herói da quebra dos códigos que Turing passou a ser admirado, mas como pai do computador moderno, invenção que antecipou tanto na prática quanto na teoria, ao longo de sua curta vida de 41 anos.
Turing é um personagem fascinante sob vários aspectos: sua genialidade, naturalmente; sua contribuição para o fim da guerra; mas também sua introspecção e sua homossexualidade assumida, numa época em que práticas homossexuais eram ainda consideradas crime na Inglaterra. Após ter servido seu país no esforço de guerra como talvez nenhum outro súdito, Turing recebeu uma condecoração do Rei em 1947, voltou aos estudos e à vida acadêmica, mas foi flagrado em 1952 num ato de “brutal indecência” (na expressão jurídica inglesa). Passou então a ser visto como um risco para a Inteligência Inglesa: homossexuais eram tidos pelos agentes da segurança da Inglaterra como alvos fáceis de chantagem. Os altos funcionários ingleses mantinham ainda total segredo sobre o trabalho em Bletchley Park e a proposta feita a Turing foi clara: ou iria preso ou deveria submeter-se a uma castração química destinada a refrear seus desejos “contra a natureza”. Foi obrigado a tomar hormônios, que o fizeram desenvolver características secundarias femininas, deprimindo-o profundamente.
Turing morava com a mãe e toda noite comia uma maçã antes de dormir. Uma noite colocou cianeto na maçã e a mordeu. Terminou assim a vida de uma das maiores inteligências inglesas, que representava então ironicamente para seu país um risco de “Inteligência”. Foram precisos quase 60 anos para que o Primeiro Ministro pedisse desculpas publicamente pelo tratamento infligido a Turing e que a Rainha Elizabeth II cancelasse postumamente sua sentença.
Nesse intervalo, o segredo a respeito do trabalho intenso da equipe que quebrou os códigos secretos alemães em Bletchley Park foi desvendado em 1974 e a figura de Turing pôde então finalmente emergir. Ignorado da comunidade matemática e perseguido em vida, esquecido nas décadas que seguiram sua morte, Turing é hoje um dos cientistas mais admirados do século XX e o filme cristaliza para as gerações atuais uma glória reconhecida há décadas pelos nerds de Silicon Valley, para os quais Turing é um dos maiores ídolos.
O documento reproduzido nesta pagina é excepcional. Turing tinha poucos amigos e correspondentes e todos seus papeis científicos e cartas de família foram doados a instituições inglesas. Não se tem notícia de qualquer carta sua oferecida no mercado e apenas assinaturas em livros de presença surgiram em duas ocasiões. Um único manuscrito seu permanecia ainda disponível (guardado por um amigo que o entremeou de confissões íntimas) e foi oferecido por mais de um milhão de dólares.
Nesse contexto de extrema raridade, o formulário preenchido em 1951 por Turing para o livro Who’s Who (Quem é Quem) é particularmente significativo. O famoso livro de referência trazia curtas biografias das pessoas de maior relevo da Inglaterra. Turing só foi convidado a integrá-lo porque em 1951 havia sido admitido na Royal Society, consagração máxima para um cientista inglês, em reconhecimento por seus trabalhos matemáticos. Todos os membros da Royal Society eram imediatamente solicitados a enviar dados para que sua biografia constasse no Who’s Who. Foi para atender a esse pedido que Turing preencheu o formulário, onde, na parte referente às “opções de lazer”, menciona “corrida de longa distância”, atividade ideal para um retraído como ele, por não exigir integração com ninguém mais. Em seguida, inclui também “xadrez”, que jogava com seus pares na universidade. Com relação a Bletchley Park, há apenas uma discretíssima menção ao seu trabalho: “Foreign Office (Ministério do Exterior) 1939-1945” sem qualquer especificação do que constituía sua missão, considerada por muitos hoje como uma das contribuições individuais mais importantes para poupar vidas ao abreviar o conflito mundial.