crédito: Roberto Stuckert Filho/PR).
Rio – Duas semanas antes, no final de um café da manhã de trabalho, Vânia Catani me disse ter sido convidada para exibir O palhaço, em Brasília, para a presidenta Dilma, e me perguntou: "Você não quer ir conosco? Seria legal ter uma diretora mulher na comitiva". Vânia explicou que recebera carta branca da ministra Marta Suplicy para levar quinze convidados à sua escolha. A exibição era iniciativa da nova ministra da Cultura, numa demonstração clara de apoio à candidatura do filme para ser indicado como um dos cinco concorrentes ao Oscar de melhor filme estrangeiro (ou mais precisamente: melhor filme não falado em inglês). A campanha para que O palhaço entre na disputa da estatueta começou e Selton Mello e Vânia, diretor e produtora, estão dedicados a esse árdua tarefa.
Fiquei surpresa e feliz com o convite da Vânia para ir à sessão em Brasília. E ansiosa também, pelas implicações pessoais que a ida tinha para mim. Dilma foi amiga do meu pai, Celso Afonso Gay de Castro. Não sei bem quando se conheceram, mas imagino que tenha sido, em 1980, quando voltamos do exílio e meu pai foi morar em Porto Alegre. Ele era amigo do deputado Carlos Araujo, marido de Dilma, na época. E Moema, mulher do meu pai nesse tempo, trabalhava com Dilma e é amiga dela.
Dias depois de ter sido convidada pela Vânia, recebi um e-mail com o convite do cerimonial da Presidência da República, no qual os outros convidados estavam copiados.
Fiquei satisfeita ao saber que, além da alegre trupe do Palhaço, os convidados de Vânia formavam um grupo eclético de produtores (e alguns poucos diretores) de várias regiões do país: Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Minas, Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo. Alguns se destacavam por novas formas de atuação – Luana Melgaço, produtora da Teia, um centro de produção mineiro que reúne diretores como Marília Rocha, Clarissa Campolina e Sérgio Borges. Ou coletivos de cineastas como o Alumbramento, de Fortaleza (dos quais fazem parte os Irmãos Pretti, Guto Parente e outros), representado em Brasília pela produtora Caroline Louise. Esses grupos existem, em média, há dez anos e produzem um cinema autoral que vem obtendo repercussão em festivais dentro e fora do País. No ano passado, cruzei com Sergio Borges, diretor do bonito O céu sobre os ombros, em vários festivais onde eu estava apresentando Diário de uma busca. Pernambuco também estava presente, com João Vieira Jr., produtor responsável por alguns dos maiores destaques do criativo cinema pernambucano, desde Cinema, Aspirinas e Urubus ao recém-lançado Era uma vez, eu, Verônica, ambos de Marcelo Gomes. Entre os convidados de Vânia, estava também Ivana Bentes, professora e pesquisadora, que tem uma importante atuação em favor dos movimentos sociais ligados à cultura digital; e Pablo Capilé, um dos gestores do Fora do Eixo – rede de produção cultural colaborativa e de tecnologias sociais livres. Entre muitas iniciativas interessantes, o Fora do Eixo vem desenvolvendo novas formas de distribuição de filmes que jamais chegariam aos mais remotos pontos do Brasil sem iniciativas como a SEDA – Semana do Audiovisual, um festival que acontece em 50 cidades, em parceria com cineclubes de vários pontos do País.
Apesar de alguns convidados não terem podido ir, a foto oficial do evento é representativa da produção cinematográfica de um Brasil descentralizado, onde uma nova geração de produtores vem se afirmando. É interessante pensar que, estávamos todos ali para prestigiar a projeção de um filme que conseguiu unir público e crítica. E a única celebridade de nossa comitiva era o diretor e ator de tão rara façanha – Selton Mello.
Estávamos todos tomando champanhe e nos entupindo de requintados canapés, entre ministros, ministras e homens engravatados não identificados, quando a presidenta chegou. Sozinha, sorridente, foi logo cumprimentando todo mundo, à maneira do Lula, pensei.
Ao me apresentar, disse meu nome e o do meu filme – Diário de uma busca. Dilma me disse que tinha visto o documentário. Me olhou longamente, e repetiu algumas vezes, que gostava muito do meu pai. Nos abraçamos. Ao longo da noite, ela me repitiria várias vezes o quanto gostava do meu pai.
Já tinha pensado muitas vezes sobre o significado histórico de ter alguém da geração do meu pai na Presidência da República. Mas estar ali, em meio a tantas pessoas, ao lado dela, em pleno exercício da função, foi diferente. No momento em que me apresentei, o elo com a história foi imediato. História dela, do meu pai e de tantos outros – uma geração de militantes que lutou contra a ditadura. História que ainda não faz parte dos manuais escolares, mas que estava presente no discurso de posse da presidenta Dilma.
A sala de cinema do Palácio da Alvorada tem as poltronas mais confortáveis nas quais já sentei. Quando a projeção começou, senti um misto de expectativa e medo, como se o filme fosse meu. Estava na primeira fila e não podia ver o rosto de ninguém.
O silêncio em uma sala de cinema não é muito diferente do silêncio entre um casal – pode ser pesado e se expressar em ruídos diversos, mas também pode ser relaxado e alegre, feito de exclamações e sorrisos. Foi desse segundo tipo o silêncio durante a projeção de O palhaço.
Quando as luzes foram acesas, uma roda se formou em torno da poltrona da presidenta, que deu ali mesmo suas primeiras impressões sobre o filme. Ao passar pelo grupo, a ouvi fazer uma referência ao cinema dos irmãos Taviani.
Pouco antes de irmos embora, já perto da rampa, Dilma virou-se para o Selton e além de desejar boa sorte na disputa à candidatura ao Oscar, declarou que “depois de um dia como este”, assistir a O palhaço tinha sido um bálsamo para ela.
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Crédito da foto do Palácio da Alvorada: Flávia Castro