Quando João Havelange se jactava de que a Fifa reunia um número de países afiliados maior que o da ONU, deveríamos ter percebido que essa história não tinha como acabar bem.
Entretanto, nada do que está acontecendo agora é novidade para quem leu a matéria “A Copa do Cabo ao Rio”, de Daniela Pinheiro, publicada na edição 44 da revista piauí.
Estes são os dois parágrafos que abrem a matéria:
Há três anos, uma comitiva da Fifa, a Federação Internacional de Futebol, visitou os estádios selecionados pelos sul-africanos. Na Cidade do Cabo, ela foi informada da importância da escolha de Athlone para o incremento da área e a melhoria da vida de milhares de pessoas que moram ali. Ao visitar o estádio, no entanto, a comitiva estava mais interessada no público global da Copa do que na particularidade nacional. "Os bilhões de espectadores não querem ver favelas e pobreza pela televisão", disse um dos inspetores da Fifa ao jornal Mail & Guardian.
Ontem, em evento organizado por Franz Beckenbauer – ex-craque alemão que preside uma espécie de comitê criado pela Fifa para discutir ideias que melhorem o futebol –, Joseph “Fairplay” Blatter teve a petulância de emitir as seguintes opiniões sobre as manifestações ocorridas aqui no Brasil durante a Copa das Confederações:
“O governo brasileiro agora está ciente de que a Copa do Mundo não deve conviver com essas perturbações.”
“Acredito que a presidente encontrará uma maneira de impedir que as manifestações se repitam.”
“Eles precisam trabalhar nisso, para que os protestos não ocorram novamente.”
"Estamos convencidos de que o governo e, especialmente, a presidente encontrarão as palavras e ações para evitar os protestos.”
"Se eles voltarem a acontecer, nós teremos que questionar se tomamos uma decisão errada ao escolher o país como sede."
"A Fifa não tem nada que aprender com os protestos, mas os políticos do Brasil sim."
Tais declarações, ditas por um representante oficial de outro país, certamente criaria uma encrenca diplomática dos diabos. Mas o presidente da Fifa pode dizer o que quiser. A Fifa pode se colocar acima dos governos e das populações – como fez na África da Sul e vem fazendo no Brasil –, impor padrões discutíveis, estabelecer regras absurdas sobre o que devemos comer e beber, definir a maneira ideal de nos comportarmos nos estádios. E, claro, tirar da reta quando chegam as críticas.
Está lá na matéria da Daniela:
Em 1990, os direitos de transmissão internacional da Copa foram vendidos por 65 milhões de dólares. Em 2006, o valor era de 1,97 bilhão de dólares.
Ou seja: o monstro cresceu tanto que fugiu de qualquer possibilidade de controle. É lamentável, mas era previsível.