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questões de preconceito

O procurador, a homofobia e a rede social

Membro da procuradoria vira réu por atacar LGBTs em seu perfil no Facebook

João Batista Jr. | 26 jul 2021_15h52
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Uma investigação entre colegas na Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo tem chamado a atenção da categoria, virou inquérito policial e, na sexta, dia 23, fez com que um procurador se tornasse réu por homofobia. Tudo começou quando o corregedor-geral da instituição, Adalberto Alves, encaminhou um pedido de investigação ao Ministério Público após constatar que seu colega, o procurador Caio Augusto Limongi Gasparini, usava seu perfil aberto no Facebook para disseminar mensagens de conteúdo homofóbico. Entre junho de 2019 e julho de 2020, Gasparini fez onze publicações contrárias aos gays, muitas vezes com palavras violentas.

Sobre famílias homoafetivas reunidas na Parada do Orgulho LGBT de 2019, realizada na Avenida Paulista no dia 24 de junho, Gasparini postou na mesma data: “NOJO, NOJO MÁXIMO. Degenerados filhos de uma puta.” Em outra postagem, no dia 12 de junho de 2020, o procurador associa homossexualidade e pedofilia: “Trago verdades e não me importam os seus brios. O fato é que há uma relação evidente e escancarada. Erotização leva a promiscuidade, que leva ao homossexualismo e que leva a pedofilia. É um barranco inexorável.” Também há mensagens divulgando desinformação, como esta postada no dia 12 de julho de 2019, sobre a existência de algo que não existe, uma “cartilha gay nas escolas para crianças a partir de 6 anos com imagens pornográficas inclusive”.

Ao tomar conhecimento dessas publicações, a promotora Maria Fernanda Balsalobre Pinto, do Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância de São Paulo, ofereceu denúncia contra Gasparini. No documento de dezoito páginas, ela justifica que as postagens reiteradas expressam inferiorização, aversão, estigma e nojo para essa minoria. “Eu ofereci denúncia pela prática de racismo, não de homofobia, por ser algo mais atual. De acordo com um entendimento do Supremo Tribunal Federal, do ano de 2019, homofobia e transfobia envolvem aversão odiosa para um grupo específico e, portanto, expressam racismo”, explica Balsalobre Pinto. Ela reitera que não se trata de um caso de censura da opinião do procurador. “Racismo e homofobia são crimes.” O crime de racismo tem pena de um a três anos de reclusão. No caso do procurador Limongi Gasparini, há o agravante de ter repetido suas ações de forma reiterada. O crime de racismo é inafiançável e imprescritível.

O Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância foi inaugurado no fim de fevereiro deste ano, desde quando recebeu 285 casos até junho. As investigações de crimes de ódio praticadas nas redes são mais complexas e demoradas de serem solucionadas, pois muitas vezes autores se escondem em perfis apócrifos. Não foi o caso em questão. “O procurador Limongi Gasparini veiculou todas as mensagens de ódio a partir de seu perfil verdadeiro, com foto de seu rosto, sem esconder nada de ninguém”, diz a promotora.

Procurado pela piauí, Limongi Gasparini declinou do pedido de entrevista. Em seu perfil de Facebook, onde somava nesta segunda-feira (26) 1.170 seguidores, ele afirmou ser alvo de perseguição política – ele é apoiador do presidente Jair Bolsonaro. Em outra mensagem postada nas redes em julho, Limongi reiterou não se arrepender de suas postagens nem das consequências acarretadas por elas, como afirmou em uma publicação feita no 10 de julho deste ano: “O MP diz que sou homofóbico porque escrevi – e reitero! – que a exposição de crianças à agenda da sopa de letrinhas me dá nojo.”

O deputado estadual Gil Diniz (sem partido-SP), aliado de Bolsonaro e investigado pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito das fake news, saiu em defesa de Gasparini e entrou com representação contra o corregedor Adalberto Alves, sob as acusações de abuso de autoridade e perseguição religiosa e política. Procurado pela piauí, Gil Diniz não quis dar entrevista.

Na sexta, 23, o juiz Richard Francisco Chequini, da 20ª Vara Criminal da capital, recebeu a denúncia do Ministério Público, e Gasparini se tornou réu pelo crime de racismo por causa das mensagens homofóbicas. No sábado (24), Gasparini fez nova postagem no Facebook. Disse que nega qualquer intenção de “incitar a discriminação contra alguém” e afirmou que seus posts são uma “forma de expressão satírica de como interpreta a vida”.

Caio Augusto Limongi Gasparini tem 44 anos, é casado e católico. Como procurador, carreira de Estado que exige concurso público, recebeu em junho de 2021 um dos maiores salários do funcionalismo público do Brasil: brutos, 42.057,23 reais. O valor líquido foi de 28.360,36 reais, segundo dados do Portal da Transparência.

 

Além da investigação da Corregedoria, os posts de Limongi Gasparini resultaram em mais três procedimentos, cujas consequências podem ir de condenação na esfera criminal à perda de seu cargo na esfera administrativa. O conselho da corregedoria deve se reunir ainda neste semestre para avaliar se o caso deverá motivar a destituição do procurador de seu cargo.

Por causa das postagens, Gasparini também é alvo de um inquérito civil por improbidade administrativa, que tramita na Promotoria de Justiça e Direitos Humanos, e um inquérito policial para apurar prática de homofobia, aberto no 1º Distrito Policial pelo delegado Sandro Thadeu Carhel Pinto Verga, e de um procedimento administrativo aberto pela Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania (ele fez posts considerados ofensivos contra Marcelo Gallego, advogado e coordenador de Políticas para a Diversidade Sexual), pelo qual pode receber desde advertência até uma multa pecuniária de até 3 mil reais. “A Secretaria da Justiça e Cidadania informa que o caso ainda está em fase de instrução, sendo sigiloso nos termos do artigo 64, da lei estadual nº 10.177/1998, não sendo possível dar informações até ser proferida decisão final. A fase de instrução é a oportunidade da defesa e da acusação externarem suas versões dos fatos”, diz um comunicado da secretaria enviado à reportagem.

Os posts de Gasparini viraram alvo da corregedoria por acaso. Adalberto Alves recebeu uma representação da Defensoria Pública da União pedindo uma investigação a respeito de uma publicação feita por Gasparini e considerada ofensiva à instituição, em março de 2020. Dizia o texto: “No meio dessa loucura, um defensor público – com certeza um bunda mole, com menos de trinta anos, com calça apertadinha na canela, que passou da facu paga pelos pais para o concurso público – toma um nespresso e resolve entrar com uma ação aí.” Ao averiguar a veracidade desse caso, o corregedor Adalberto Alves se deparou com conteúdo considerado mais grave.

“Não posso falar de nenhum processo em específico, mas asseguro que a PGE não tolera nenhum caso de homofobia nem qualquer outro tipo de discriminação”, diz Adalberto Alves. “E, hoje, quando enfrentamos os maiores desafios jurídicos decorrentes da pandemia do Covid-19, o gabinete da PGE é composto por três procuradoras extremamente competentes.” Não existe em todas as esferas jurídicas do país outro integrante sendo processado por publicar ataques homofóbicos em rede social. 

Plataforma usada para disseminação do conteúdo homofóbico, o Facebook tem 3 bilhões de usuários. Segundo a plataforma, os sistemas de filtros e de inteligência artificial conseguem detectar 97% de todo o conteúdo de ódio, que uma vez postados entram em uma fila de espera. Em até 24 horas, eles serão analisados por humanos para checar se violam as regras da plataforma. De acordo com dados do primeiro semestre de 2021, entre 5 e 6 posts com conteúdo de ódio, de um total de 10 mil, chegam a impactar e entrar na timeline das pessoas (todos os outros são removidos antes de atingirem alguém, segundo o Facebook).

Na prática, a retirada de posts se torna mais complexa. A análise do MP no Facebook de Gasparini detectou posts considerados homofóbicos publicados há mais de um ano, e que portanto escaparam do crivo da brigada da rede social para evitar ataques de ódio. Após a denúncia do MP, algumas das onze publicações de Gasparini foram tiradas do ar pelo Facebook. Mas outras tantas seguem lá e podem ser lidas por qualquer pessoa.

Questionado sobre o caso do procurador Caio Augusto Limongi Gasparini, cujo perfil aberto em nenhum momento foi tirado do ar, o Facebook explica que existe uma hierarquia de repreensões, que vai de impedir que a pessoa publique um novo conteúdo por um período de 7 a 30 dias ou até por um tempo indeterminado. Em casos extremos, ocorre a exclusão da rede social. Em nenhum momento Limongi Gasparini teve seu perfil tirado do ar.

“Não permitimos a disseminação de ataques diretos a pessoas com base em características como raça, etnia e orientação sexual. Temos hoje mais de 35 mil pessoas trabalhando em áreas ligadas à segurança, e usamos uma combinação de denúncias da nossa comunidade, tecnologia e revisão humana para aplicar nossas políticas. Para se ter dimensão desse trabalho, no primeiro trimestre de 2021 o Facebook removeu 25,2 milhões de conteúdos com discurso de ódio da plataforma, quase 97% destes antes mesmo que alguém denunciasse. Vale ressaltar que buscamos constantemente aprimorar não só a aplicação dessas políticas, mas também a construção das mesmas, em conjunto com especialistas e organizações de direitos humanos e direitos LGBTIQ+“, enviou o Facebook via comunicado para a piauí.

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