Às 5 horas do dia 30 de abril, os venezuelanos que entraram no Twitter, rede com mais de 2 milhões de usuários no país (cerca de 7% da população de mais de 32 milhões), levaram um susto. Uma notícia dava conta de um levante militar na base aérea La Carlota, localizada nas imediações da rodovia Francisco Fajardo, no extremo leste de Caracas, contra o presidente Nicolás Maduro.
Em cinco horas, os acontecimentos se precipitaram. O oposicionista Juan Guaidó, que em 23 de janeiro se autoproclamou presidente interino, divulgou um vídeo nas redes sociais: “Hoje, valentes soldados das nossas Forças Armadas, valentes patriotas, valentes homens fiéis à Constituição atenderam ao nosso chamado. E nós mesmos atendemos a esse chamado para nos encontrarmos definitivamente nas ruas da Venezuela”, declarou o engenheiro civil de 35 anos. Os venezuelanos se espantaram não só por ver Guaidó rodeado de militares nas proximidades de uma base aérea, mas também porque ele aparecia ao lado de Leopoldo López, líder político no partido Voluntad Popular, que desde 18 de fevereiro de 2014 cumpre pena de treze anos, acusado de incitar a violência nos protestos contra o governo. Passou os últimos dois anos em prisão domiciliar, graças a acordos políticos.
Ao longo do dia, a ação dos oposicionistas perdeu força. Em meio a um clima intoxicado pela pior crise econômica e social da história da Venezuela, Maduro deve lidar com a incerteza quanto a quem, de fato, está do seu lado. Por isso ele se empenha em exigir lealdade. Mas poderá consegui-la?
Cinco dias depois dos acontecimentos, revelou-se a existência de um acordo de quinze pontos que incluía afastar Maduro do poder de forma pacífica, entregar o cargo a Guaidó, permitir que o atual ministro da Defesa, general Padrino López, continuasse à frente da pasta, assim como o chefe de Contrainteligência Militar, Iván Hernández Dala e o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Maikel Moreno, avalistas do acordo, apesar da proximidade dos três com o governismo. Também se estudava convocar eleições em, no máximo, um ano.
Todos esses planos caíram por terra por causa da pressa de alguns ou da traição de outros. As culpas, na oposição, recaem sobre Leopoldo López, que teria convencido Guaidó a antecipar o levante para 30 de abril. Outros, como o secretário de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Bolton, e o enviado dos Estados Unidos para cuidar do caso da Venezuela, Elliot Abrams, acusam Padrino López, Hernández Dala e Maikel Moreno, de recuar e descumprir o acordo.
O analista de segurança Alberto Ray, venezuelano radicado nos Estados Unidos, afirma que os americanos também trabalham com a hipótese de que Padrino López e Hernández Dala tenham atuado como agentes duplos, passando informações sensíveis sobre o acordo a russos e cubanos. “Você pode enganar os gringos uma vez, mas não duas”, resume o analista.
Maduro, ainda no poder, procura garantir a lealdade e pede aos oficiais e soldados que vigiem uns aos outros para não se tornarem traidores. Guaidó continua em liberdade e convocando manifestações, apesar de, segundo o governo, ter liderado um golpe de Estado.
Os cidadãos críticos ao governo estão confusos. No sábado, Guaidó convocou protestos em frente aos quartéis para pedir que os militares passem a fazer oposição a Maduro. A adesão foi fraca. Enquanto isso, a repressão já fez cinco mortos, três deles adolescentes.
Sem contar com muitas certezas, resta observar o futuro e avaliar os possíveis cenários:
Renúncia. Um segundo cenário em construção é com Maduro deixando o poder, seja por se ver forçado a isso por uma traição, seja por decisão própria.
As últimas revelações sobre o acordo de quinze pontos entre a oposição, setores do governo e os Estados Unidos espalham mais dúvidas a respeito dos aliados do presidente. As feridas estão abertas e por isso o mandatário tem ido aos quartéis para tentar unificar as forças a seu favor e evitar aquilo que o próprio ministro da Defesa confessou ao seu lado e diante das tropas militares: “Eles que tentem me comprar com uma oferta enganosa, pagando com outra moeda…”
Maduro ainda pode elevar o custo de sua saída no intuito de obter mais benefícios para ele e sua família, como a garantia de um exílio seguro, com dinheiro e sem perseguição da Justiça.
Deposição. Nesse cenário, caberia observar se os militares dispostos a participar da derrubada de Maduro fariam isso sem a companhia de civis ou prefeririam contar com seu apoio para formar uma junta civil-militar.
A presidente da ONG Control Ciudadano, Rocío San Miguel, acredita que a cúpula das Forças Armadas não deixará esse processo nas mãos de outros. Avalia que, se ainda não o fizeram, é porque “não encontraram os elementos para construir a transição”. Ela considera “compreensível, em termos operacionais, não sair no primeiro momento e avaliar o alcance e os desdobramentos do levante”.
Fontes consultadas afirmam que boa parte do alto oficialato, de tendência nacionalista, não vê com bons olhos a proximidade de Guaidó e López com o governo dos Estados Unidos. Eles preferem um processo que leve à saída de Maduro sem a tutela norte-americana.
É preciso considerar o papel dos militares no exílio, que buscam o apoio logístico dos Estados Unidos e de outros países da América Latina. Esses oficiais consideram que têm capacidade para depor Maduro sem a entrada de tropas norte-americanas no país, como propõe o major Raynell Martínez Mujica, que desde fevereiro reconhece Guaidó como presidente constitucional.
Guaidó na Presidência. Não se descarta o cenário com Guaidó presidente, sobretudo porque ele tem contado com apoio militar e o respaldo de pelo menos 52 países que o reconhecem como presidente interino da Venezuela. Além disso, ele conseguiu unificar a oposição e, até 30 de abril, liderou uma série de protestos pacíficos, maciços e constantes.
Mas sua oferta de anistia não foi bem recebida pelas Forças Armadas. “Os objetivos de Guaidó devem ser reavaliados. Ele veio com uma proposta de lei de anistia a umas Forças Armadas em que 70% dos membros não têm envolvimento em violações dos Direitos Humanos”, ressalta San Miguel. Alberto Ray adverte que os Estados Unidos podem estar procurando novos interlocutores na oposição para construir a saída de Maduro.
Permanência de Maduro. Um último cenário passa pela permanência de Maduro no poder, mas em meio a uma situação econômica e social que piora dia após dia. Uma das consequências imediatas dessa retração será o aumento do êxodo: segundo estimativas da Organização Internacional para as Migrações (OIM), em conjunto com a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), o número de pessoas que deixarão a Venezuela em 2019 saltará de 3,4 milhões para 5,8 milhões.
Por tudo isso, embora Maduro ainda possa superar a crise que eclodiu em 30 de abril, é de esperar que haja novas ações para afastá-lo do poder. As feridas estão abertas.
Tradução: Rubia Goldoni e Sérgio Molina