Graças ao seu imortal personagem Sherlock Holmes, Arthur Conan Doyle permanece, há mais de cem anos, como um dos autores mais lidos e populares do nosso tempo.
O que é menos sabido é a paixão de Doyle pelo espiritismo, reforçada pelas mortes sucessivas de sua mulher, filho, irmão, e sobrinhos, antes e após a Primeira Guerra Mundial.
O espiritismo passou a ser nos anos 1920 o foco principal de seu interesse, o que o incitou a um envolvimento intenso e público com todas suas manifestações.
Doyle tornou-se um de seus mais famosos divulgadores e defensores, demonstrando uma quase inacreditável ingenuidade diante de aparições e fenômenos que parecem hoje fraudes óbvias.
Em 1921 chegou a publicar um livro intitulado , no qual proclamava sua convicção de que fotografias de uma criança cercada de seres semelhantes à fada Sininho de Peter Pan eram perfeitamente autênticas, e assinalava o fato como digno da mais séria atenção (vinte anos após sua morte, ficou provado que essas fotos eram uma falsificação).
Muitos de seus amigos lamentavam que se expusesse tão candidamente ao ridículo, e consta hoje que Doyle só deixou de receber um título de nobreza do rei da Inglaterra por ter se recusado a abandonar o papel apaixonado que assumira de propagandista-mor do espiritismo.
Nesse contexto, a carta reproduzida nesta página é curiosa, pois mostra um Conan Doyle anormalmente prudente diante de uma foto que lhe fora submetida, revelando estranho fenômeno luminoso.
Aparentemente, Doyle recusara considerar sobrenatural o clichê que lhe fora mandado por seu correspondente de uma figura pouco nítida no alto das montanhas Hartz, na Tasmânia.
Doyle apresenta uma desculpa também um tanto nebulosa para explicar porque não pensa que a foto registre algo sobrenatural: “Acredito que seja apenas a projeção de uma figura semelhante aos pontos vistos na neblina das montanhas Hartz, quando o sol se encontra atrás do observador, … o que é diferente de uma sombra comum… O que me parece comprovar isso é a maneira com que a sombra se curva… só uma sombra real se comportaria desta forma”.
E encerra dizendo ao seu correspondente: “Estou certo que você entenderá meu ponto de vista”.
É difícil compreender o ponto de vista de Conan Doyle sem ter em mãos a foto que o escritor se recusou a aceitar como sobrenatural.
Mas diante do que sabemos hoje a respeito de sua inimaginável credulidade, a frase inicial dessa carta parece bastante saborosa: “Lamento ter que recusar a foto, apesar desta ser muito interessante. Não posso me dar ao luxo de cometer qualquer erro de julgamento, e até hoje nunca cometi nenhum”.