Faz mais de sete anos que Egídio Dall’Agnol não assiste à Globo. “Ela é a pior coisa que aconteceu com o nosso país nos últimos trinta anos. Não tem notícias confiáveis e estupidifica o povo, com novelas que só mostram o lado ruim da sociedade”, argumenta o engenheiro aposentado, de 74 anos. Com relação a outras emissoras, sua postura é mais reticente. “A Band é uma coisa engraçada: tem jornalistas confiáveis e outros não.” Nascido em Bento Gonçalves (RS), Dall’Agnol mora hoje em Canoas (RS), na região metropolitana de Porto Alegre. Até o ano passado, era assinante do Diário de Canoas, principal jornal da cidade, mas cancelou porque vinha tendo dificuldades para enxergar as letrinhas no papel. Desde então, não acompanha nenhum veículo de imprensa, físico ou digital. Só se informa pela internet, por meio de formadores de opinião como o jornalista Alexandre Garcia.
Sua antipatia pela imprensa se deve principalmente a questões ideológicas. Dall’Agnol é apoiador do presidente Jair Bolsonaro e reproduz a tese de que os jornalistas, em geral, são comunistas que deturpam os fatos. “A forma como a notícia é feita depende da ideologia do jornalista”, ele alega. “E hoje, infelizmente, estamos colhendo uma safra de jovens que passaram pelas universidades e tiveram suas mentes cozinhadas pelos esquerdistas.”
Dall’Agnol é um representante fiel da parcela da população brasileira que não confia nas informações veiculadas na imprensa, de maneira geral. Ao todo, 28% dos brasileiros dizem que não costumam acreditar nos veículos nacionais de jornalismo. Em sua maioria, são homens brancos, com mais de 55 anos, moradores da região Sul. Em geral, apoiam Bolsonaro – o que não é uma surpresa, já que esse perfil demográfico coincide perfeitamente com o grupo em que o presidente tem maior aprovação.
Os dados são de um relatório divulgado esta semana pelo Instituto Reuters, ligado à Universidade de Oxford, na Inglaterra, que mediu o grau de confiança na imprensa em quatro países: Brasil, Estados Unidos, Reino Unido e Índia. A pesquisa no Brasil foi conduzida pelo Datafolha, que ouviu 2.050 pessoas entre meados de junho e começo de julho. O questionário, feito por telefone, perguntou o grau de confiança que os entrevistados tinham na imprensa. Eles deviam escolher uma dentre quatro opções: confiavam totalmente; confiavam um pouco; não confiavam muito; ou não confiavam de jeito nenhum. O resultado foi que 10% disseram não confiar de jeito nenhum no que dizem os veículos de jornalismo, enquanto 18% responderam que não confiam muito. Somando os dois, chega-se a 28% de descrentes no noticiário. Desse universo de pessoas, 59% são homens e 38% têm mais de 55 anos. Entre os que moram no Sul do país, 32% disseram não confiar na imprensa, contra apenas 20% entre os que moram no Nordeste.
Dos países analisados, os Estados Unidos são o lugar onde a imprensa enfrenta maior descrédito: 34% dos americanos não costumam confiar em notícias. No Reino Unido, são 21%. Na Índia, só 12%. Embora cada país tenha sua própria dinâmica política, chama atenção que, em todos eles, o grupo que menos confia na imprensa é composto majoritariamente de pessoas mais velhas, geralmente homens que são trabalhadores autônomos ou têm seu próprio negócio. Há apenas uma diferença: dos quatro países, o Brasil é o único em que esse comportamento não está vinculado a um baixo nível de instrução ou de renda.
“No caso brasileiro, ter nível superior não é garantia de confiança na mídia, o que foge ao padrão”, explica Camila Mont’Alverne, cientista política que participou da elaboração do estudo. Os motivos para isso não são claros. É seguro deduzir, porém, que estão associados, novamente, ao cenário político – Bolsonaro, que ataca a imprensa dia sim, dia também, é proporcionalmente mais popular entre eleitores mais ricos e escolarizados.
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A Globo (que, na pesquisa, abarcou também GloboNews e G1) tem a confiança plena ou parcial de 59% dos brasileiros. Entre aqueles que avaliam positivamente o governo Bolsonaro, como é o caso do gaúcho Egídio Dall’Agnol, esse índice cai para 35%. Entre os que avaliam negativamente, a confiança é de 75%. Ironicamente, a grande maioria dos entrevistados que se identificam com o PT – partido que historicamente se opôs à emissora da família Marinho – relataram algum grau de confiança na Globo. Na pesquisa, 83% dos petistas afirmaram ter confiança total ou parcial na empresa, que durante a pandemia vem assumindo uma postura mais dura de enfrentamento ao governo.
Um cenário parecido se vê nos Estados Unidos, onde a polarização política é mais bem marcada na televisão. A emissora CNN tem a confiança plena ou parcial de 79% dos democratas, mas de apenas 29% dos republicanos. Na Fox News, opera-se o inverso: apenas 36% dos democratas confiam no que diz o canal, contra 62% dos republicanos.
Os veículos tragados para o debate político são os que registram maiores índices de rejeição. Mais de um quarto dos entrevistados (27%) dizem não confiar em nada que seja escrito pela Folha de S.Paulo, que desde a campanha eleitoral foi escolhida por Bolsonaro como sua nêmesis (entre os bolsonaristas, 59% não confiam no jornal). Esse percentual de descrentes sobe para 27% quando se trata do Terça Livre, site que promove o bolsonarismo radical, e para 28% no caso do Brasil 247, portal alinhado ao petismo.
Ao menos algumas coisas, no entanto, são unanimidade no espectro político brasileiro. O Instituto Reuters perguntou aos entrevistados se estão satisfeitos com a situação da democracia. Nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Índia, as pessoas que não confiam na imprensa são, de longe, as mais descontentes – nos Estados Unidos, 73% delas não estão satisfeitas, contra 46% na média geral dos americanos. No Brasil, porém, essa diferença não existe. Dos brasileiros que não confiam na imprensa, 60% estão descontentes com os rumos da democracia; na média geral de brasileiros, são 59%. Nenhum dos países analisados chega perto desse patamar. Trata-se, claro, de um falso consenso: enquanto a oposição ao governo se preocupa com a demolição da democracia promovida à luz do dia pelo governo, os apoiadores de Bolsonaro pensam viver numa “ditadura da toga”.