Mesmo passados mais de duzentos anos, certas mensagens manuscritas podem conservar um frescor e um imediatismo excepcionais. É o caso deste bilhete não assinado de 1796, na letra de Joséphine de Beauharnais, a jovem viúva de 33 anos que se tornaria poucos anos depois imperatriz dos franceses, por obra e graça de seu segundo marido, Napoleão Bonaparte, autoproclamado imperador em 1804.
Joséphine era considerada , pois havia nascido na loginqua ilha da Martinica, no Caribe, onde casara com um oficial francês de família nobre. Tinha charme, sem ser especialmente bonita, nem culta, mas soube seduzir vários homens de seu tempo, especialmente aquele que tornaria o mais poderoso entre eles. O jovem general Bonaparte, seis anos mais moço, apaixonou-se perdidamente por Joséphine nesse mesmo ano. O bilhete em questão é dirigido a uma mademoiselle cujo nome a história parece ter esquecido, mas que obviamente era amiga intima da jovem . A futura imperatriz, então apenas uma mulher livre que tentava sobreviver com a magra pensão deixada por seu marido, combinara de jantar com sua amiga, mas pouco depois da partida dessa, recebeu a notícia de que era Napoleão quem desejava vê-la naquela mesma noite. A maneira com que Joséphine explica a situação à sua confidente é particulamente saborosa:
“Meu sultão veio me ver logo depois que você partiu. Jogou o lenço para hoje e com isso convidou-se para jantar. Como um tête-à-tête desse tipo não deve ser interrompido, peço-lhe adiar até amanhã seu jantar comigo.”
Na França da época fazia parte do conhecimento geral o hábito dos sultões orientais jogarem um lenço no chão em frente àquela entre as mulheres do harém com quem desejavam deitar-se, daí a expressão “jogar o lenço”. Joséphine extrapola a situação caracterizando seu amante de 27 anos como um potentado a quem nada se pode recusar. Ao final, comenta “Se quiser podemos amanhã sair às compras às dez horas. Creia, mademoiselle, em minha tenra amizade”.
Bilhetes deste tipo, para resolver situações imediatas, são por natureza efêmeros e raramente sobrevivem à lata de lixo. Este é especialmente raro e dá a plena medida do valor que Joséphine reconhecia na paixão que Napoleão nutria por ela (sem que ela pudesse, naturalmente, imaginar o fabuloso destino que seu “sultão” lhe reservava).
A cartinha ficou guardada numa importante coleção familiar francesa durante quase um século e meio, até ser leiloada no ano passado e adquirida por seu atual detentor.